O globo, n. 30.158, 02/03/2016. País, p. 3

Conflito sem tréguas

Wellington César, que toma posse amanhã, diz que não fará troca na PF

Por: André de Souza/ Simone Iglesias/ Leticia Ferdandes

 

- BRASÍLIA- Bombardeado por críticas da oposição e de parte das entidades sindicais ligadas à Polícia Federal, o futuro ministro da Justiça Wellington César Lima e Silva, que assumirá o cargo amanhã, prometeu que não haverá mudança imediata na PF. Sua nomeação também não agradou ao PT, que esperava indicar nomes do partido, mais próximos ao ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vem sendo alvo de investigações. A mudança não serviu para distensionar a relação entre PT e governo.

A indicação do novo ministro no lugar de José Eduardo Cardozo foi interpretada pela oposição e por entidades de classe de policiais federais como uma forma de o governo tentar interferir nas investigações da operação Lava- Jato.

— Nós não temos nenhum indicativo de mudança imediata. Tive uma reunião preliminar com o ministro Eduardo e com o diretor- geral ( da Polícia Federal) Leandro ( Daiello). Tive a melhor das impressões e a única palavra é tranquilidade, normalidade e seguirmos nosso caminho — afirmou Wellington, após se reunir com Cardozo.

Sobre as críticas de entidades de classe da PF, foi cauteloso:

— Eu vejo com naturalidade. Houve entidades favoráveis, outras que revelaram natural preocupação. Acho que essa preocupação é compreensível, e eles verão em pouco tempo que ela é injustificável.

Questionado sobre como ficam as investigações da Lava- Jato, o futuro ministro respondeu:

— As instituições no Brasil estão maduras a ponto de não sofrerem variações com mudança nos atores. A Polícia Federal continuará com seu trabalho, como vem desenvolvendo até hoje.

Tanto o futuro como o atual ministro rechaçaram a ideia de que a troca seria uma medida para blindar o PT e o ex- presidente Lula. Segundo Wellington, é natural que haja uma mudança, uma vez que Cardozo está há mais de cinco anos no posto e o seu ciclo se esgotou. Cardozo disse desconhecer pedido de Lula para que ele deixasse o Ministério da Justiça. Também negou se sentir enfraquecido no governo.

— As críticas existiram de todos os lados. Recentemente setores da oposição me criticaram porque eu abri inquérito ( a PF passou a investigar pagamentos feitos pelo ex- presidente Fernando Henrique Cardozo a ex- amante Mirian Dutra). Outros setores me criticaram. É natural da vida. Ser republicano neste país é difícil. Mas a República veio para ficar e o espírito republicano é cada vez mais forte entre nós — disse Cardozo.

 

PARTIDO TINHA QUATRO NOMES

A saída de Cardozo em nada melhorou a relação da presidente Dilma Rousseff com os petistas. Para evitar nova pressão do partido, que pretendia opinar na indicação, Dilma foi rápida ao oficializar Wellington Lima e Silva para a pasta. Tanto a escolha presidencial, como a decisão de Cardozo, tomada num domingo, foram dois gestos que evitaram dar ao PT a chance de escolha. No partido, circulavam quatro opções: os ex- ministros Nelson Jobim ( demitido por Dilma por criticar duas colegas na Esplanada, Gleisi Hoffmann e Ideli Salvati), e Tarso Genro; e os deputados Paulo Teixeira ( SP) e Wadih Damous ( RJ).

Logo que foi anunciado o nome do novo ministro da Justiça, dirigentes do PT acionaram uns aos outros pelo telefone. Queriam saber quem era o desconhecido Wellington. O escolhido foi recebido com apreensão, já que esperavam um nome mais experiente e com mais autoridade.

— O PT tinha a ilusão de emplacar um quadro do partido, mas isso nunca passou pela cabeça da presidente. Ela teria mantido Cardozo até o fim, mas como ele não aguentou mais, aceitou trocar, mas por alguém que ela escolheu — disse um auxiliar próximo a Dilma, que ainda complementou: — Ela costurou a saída de Cardozo num foro muito íntimo para não dar tempo de criar nenhum tipo de disputa ou indicação.

Apesar da saída de Cardozo ter sido recebida com alívio pelo PT, o sucessor não diz nada aos petistas, que esperam mais controle do novo ministro sobre supostos abusos.

— Cardozo não tinha mais autoridade nem ascendência na Polícia Federal. O novo ministro tem que coibir abusos, inibir arbitrariedades — disse um senador petista que pediu reserva ao GLOBO.

Para o Planalto, no entanto, o desejo do PT é visto como uma “ilusão”. A própria presidente acha que não há como controlar as investigações e que se o novo ministro fizer isso, será duramente criticado por interferência.

Petistas admitem que pouco pode ser feito agora para “controlar” as investigações da Operação Lava- Jato, em especial as que atingem Lula. Apesar disso, petistas comemoraram a saída de Cardozo e criticaram a atuação do ex- ministro. O vereador e ex- prefeito de Poços de Caldas ( MG) Paulo Tadeu celebrou no Twitter: “Aleluia: Governo anuncia a demissão de quem jamais deveria ter sido nomeado. Um erro de Dilma pelo qual o Brasil paga caro”. Já o deputado Carlos Zarattini ( SP), vice- líder do PT na Câmara, disse que a Polícia Federal estava sendo usada contra o partido na gestão de Cardozo:

— A gente espera que esse novo ministro impeça que o grupo que está controlando a PF continue utilizando a instituição como polícia política contra o PT. O ministro estava sem possibilidade de fazer com que a polícia de fato fosse republicana. Ele repetia que a polícia era republicana, mas não era. Ela tem que investigar tudo, não atuar de forma política e ideológica.

O deputado Wadih Damous negou que tenha feito qualquer pressão para que Cardozo deixasse o cargo. Ele acredita que a saída do ministro pode ter se dado por conta de “fadiga de material”, pela insistência de Dilma em mantê- lo no cargo:

A oposição decidiu questionar na Justiça a escolha do ex- procurador da Bahia para o ministério com a alegação de que a Constituição veda que um membro do Ministério Público exerça “qualquer outra função pública, salvo uma de magistério”. O deputado Mendonça Filho ( DEM- PB) entrou com recurso na Justiça Federal para tentar impedir a posse do ministro.

— Mais uma vez, para saciar a sede do PT de comandar o Ministério da Justiça, a presidente Dilma comete um ato ilegal — criticou o parlamentar.

    Senadores relacionados:

    Órgãos relacionados:

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    Advogados da União repudiam forma como Dilma escolheu Cardozo

    Em nota, reclamam do processo que ignorou lista tríplice

    Por: Bárbara Nascimento

     

    Advogados da União protestaram ontem contra a nomeação do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo para o cargo de Advogado-Geral da União ( AGU). Em nota conjunta assinada por entidades que representam a categoria e o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional ( Sinprofaz) defenderam que o comando do órgão deveria ser exercido por nome indicado por lista tríplice formulada pela AGU e não de forma política.

    A nota classifica a escolha como um “retrocesso inaceitável”, que atenta contra o conceito da AGU e desvaloriza a instituição.

    “É com grande pesar e surpresa que os milhares de membros da advocacia pública federal recebem a notícia que a Presidente da República escolheu o Advogado- Geral da União mediante um processo político que ignorou completamente a Lista Tríplice apresentada, incorrendo ainda no equívoco de nomear alguém de fora das carreiras que compõem a Advocacia- Geral da União”, diz o texto.

     

    “DURO GOLPE”

    Os advogados dizem ter feito uma consulta interna entre 15 e 25 de fevereiro e enviado à Presidência da República e a Casa Civil em 26 de fevereiro uma lista com três possíveis nomes para ocupar o cargo: Lademir Gomes da Rocha ( Procurador do Banco Central do Brasil), Galdino José Dias Filho ( Procurador Federal) e Carlos Marden Cabral Coutinho ( Procurador Federal).

    Segundo a nota, os integrantes da lista se comprometeram a corroborar com uma pauta mínima da categoria, que envolve o apoio à proposta de emenda constitucional ( PEC) 443, que prevê a vinculação do salário desses servidores a 90,25% da remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal ( STF), e a garantia de exclusividade para membros da instituição, além do “estabelecimento de escolha democrática, mandato e sabatina” para o cargo de Advogado-Geral da União.

    “Em nenhuma hipótese será admitida a gestão da instituição em afronta aos referidos conceitos, sob pena de comprometerse o projeto de alçar a advocacia pública federal ao status de Função Essencial à Justiça que lhe foi reservado pela Constituição Federal”, afirma o texto.

    A nota de repúdio termina classificando a escolha “de um duro golpe no projeto de construção de uma instituição democrática e republicana, pelo que toda a categoria estará atenta para assegurar que não haja qualquer retrocesso quanto aos ganhos institucionais acumulados, bem como não haja resistência ao projeto de formatar a instituição nos moldes que melhor lhe permite atender a sociedade, mediante o pleno cumprimento de sua função constitucional”.

     

    MINISTRO MINIMIZA PROTESTO

    José Eduardo Cardozo disse achar normal a manifestação das entidades.

    — Acho que é um pleito normal, que as corporações façam essas reivindicações, como a Polícia Federal também faz, todos fazem. O importante é manter diálogo com toda a carreira. Também sou advogado público de origem. Tenho absoluta certeza de que vamos nos entender. É importante que os advogados públicos sejam prestigiados. Esse é o meu espírito — disse Cardozo.

     

    “O importante é manter diálogo com toda a carreira. Também sou advogado público de origem. Tenho certeza que vamos nos entender”

    José Eduardo Cardozo

    Futuro advogado- geral da União

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    Secretário nacional de Justiça vai deixar o cargo

    Beto Vasconcelos justifica que decisão é pessoal e coincide com demissão de Cardozo
     

    - BRASÍLIA- O secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, está de saída do governo e seu substituto na secretaria mais forte do Ministério da Justiça ainda não está definida. Ao GLOBO, Beto disse que a decisão é pessoal e que houve coincidência com o pedido de demissão do ministro José Eduardo Cardozo, que amanhã assumirá a Advocacia- Geral da União.

    Há 12 anos atuando no governo, Beto foi assessor do ex- ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, assessor jurídico da Casa Civil no governo Lula; secretário- executivo da pasta na gestão Dilma; e chefe de gabinete da presidente. Beto estava na SNJ desde fevereiro de 2015 e fará uma transição com o novo ministro da Justiça, Wellington Lima e Silva. Ele cumprirá quarentena de seis meses e, depois, se dedicará à advocacia privada, gestão empresarial ou atuará em um organismo internacional.

    Segundo Beto, sua saída estava definida desde que o governo resolveu fundir as secretarias da Reforma do Judiciário e de Justiça em uma supersecretaria no Ministério da Justiça. Ele afirmou que já havia decidido que seu ciclo no governo terminaria no segundo semestre deste ano.