O globo, n. 30.170, 14/03/2016. Opinião, p. 20

Contra a impunidade

TEMA EM DISCUSSÃO: Execução da pena após a condenação em segunda instância
 

A diversidade de recursos, 34 no total, que até semana passada mantiveram o ex-senador e empresário Luiz Estevão fora da prisão, na prática ao largo da punição (31 anos de detenção) por fraudes na construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, tornou-se um emblema da distorção prevalecente no sistema judicial do país. Por meio de chicanas, seus (bons e bem remunerados) advogados conseguiram postergar por dez anos o cumprimento da sentença do cliente, confirmada em segunda instância, mas distante do trânsito em julgado justamente por conta de manobras que se transformaram em prática corrente nos tribunais brasileiros.

Estevão, implicado num escândalo que resultou no desvio de R$ 169 milhões (valores de 2001, hoje corrigidos para cerca de R$ 1 bilhão) dos cofres públicos, entregou-se à polícia terça-feira passada, atendendo a uma ordem da Justiça. Sua prisão é resultado direto do novo entendimento que o Supremo Tribunal Federal fez do cumprimento de sentenças em casos julgados na segunda instância: a partir daí, o réu condenado a prisão, mesmo que entre com recurso, é recolhido à detenção.

A nova interpretação do STF é um avanço num país em que as chicanas tornaram-se instrumento da impunidade. Graças a uma quase infinidade de recursos interpostos a sentenças dos tribunais, réus conseguem escapar do acerto de contas com a Justiça, não raro por longos anos, como vinha sendo o caso de Estevão, e muitas vezes até o limite da prescrição da pena. Uma realidade da qual decorrem duas situações, ambas atentatórias contra o princípio da judicatura: uma, consolida a nociva, mas não falsa, noção de que os tribunais são lentos; outra, adjacente, leva a que tal morosidade estimule o desapreço pela lei.

O cumprimento da sentença a partir da decisão em segunda instância, a exemplo do que ocorre em outras nações, não fere o princípio da presunção de inocência, como querem fazer crer os críticos da decisão do STF. O pressuposto do direito a recursos até que se chegue a decisão transitada em julgado permanece preservado. O que o Supremo fez foi trazer para a realidade dos tribunais a eficácia do primado da lei.

Tanto quanto isso, a Corte procura acabar com a farra da impunidade. Juristas alertam que, após as fases de apreciação dos autos na primeira e segunda instâncias, o que se avalia num processo que chega a cortes superiores são mais filigranas jurídicas que méritos firmados a partir de inquéritos que informam as ações. Um desvão judicial sob medida para consagrar a inimputabilidade.

Também não se sustenta a tese de que, ao encurtar o caminho de réus rumo à prisão, o novo entendimento agravará o problema da superlotação dos presídios. Isso é uma questão de foro administrativo, que reclama adequação das leis e da execução penal à realidade do país. Esquivar-se de condenar alguém porque a cadeia está cheia resulta apenas em deixar de punir a criminalidade. A decisão do STF é crucial para corrigir o grave problema da impunidade.

 

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