O globo, n. 30.178, 22/03/2016. País, p. 3

Base se deteriora

Governo avalia que perdeu folga e que hoje está no limite para barrar processo na Câmara
Por:Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut, Simone Iglesias, Leticia Fernandes Eduardo Barretto

 

- BRASÍLIA- O governo está preocupado com a deterioração da situação nos últimos 15 dias e avalia que está no limite para conseguir impedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na reunião comandada por Dilma com dez ministros e quatro líderes aliados no Congresso foi feita uma avaliação de que o governo perdeu a margem de votos que tinha antes do acirramento da crise política, a partir da divulgação da delação do ex- líder do governo Delcídio Amaral, e hoje teria pouco mais do que os 172 votos para conter o processo no plenário da Câmara.

Um participante da reunião contou que até o fim da semana retrasada, a conta era que o governo tinha entre 240 e 250 votos. Já na comissão especial do impeachment, o governo contabiliza apenas metade dos votos, algo entre 32 e 33 dos 65, além de dois indecisos na base aliada.

O líder do governo no Senado, Humberto Costa ( PT- PE), admitiu que o governo tem pequena margem de vantagem e que a tarefa agora será ampliála. Para isso, Dilma quer montar uma força- tarefa. O ex- presidente Lula, ainda que não consiga assumir a Casa Civil, tem papel- chave para arregimentar parlamentares na guerra contra o impeachment. Os outros soldados são Jaques Wagner ( chefe de gabinete de Dilma), Ricardo Berzoini ( ministro da Secretaria de Governo), líderes aliados e ministros do PMDB, que foram chamados a ajudar. A própria Dilma conversará com os integrantes da comissão. A presidente pretende se reunir com integrantes do PMDB e em seguida com os do PSD, partido do presidente da comissão, Rogério Rosso ( DF).

— Pelo primeiro placar, temos uma pequena vantagem, mas nada que não possa ser ampliado durante o processo de discussão. Vamos trabalhar junto a cada deputado — disse Costa.

Na reunião, também foi dado um informe sobre as atuações jurídicas para garantir a posse do ex- presidente Lula como ministro. Ele continua tentando um encontro com o vice- presidente Mibém Temer, presidente do PMDB. O partido, o maior da base aliada, marcou para dia 29 uma definição sobre sua permanência no governo. Embora aliados de Dilma ainda nutram a expectativa de que o PMDB permaneça no governo, expoentes do partido garantem que o desembarque daqui a uma semana será “quase unânime”.

— Não haverá duas chapas, será chapa única. Mais de 90% do PMDB são a favor do rompimento — disse um cacique peemedebista anti- Dilma.

 

SITUAÇÃO É TIDA COMO DELICADA

Depois do relato que recebeu, Dilma buscou saber ontem à tarde como está o placar junto às bancadas aliadas. A presidente chamou ao seu gabinete os ministros André Figueiredo ( Comunicações), do PDT; Antônio Carlos Rodrigues ( Transportes), do PR; e Eduardo Braga ( Minas e Energia), do PMDB. Nestas conversas, segundo relato de participantes ao GLOBO, Dilma disse saber que sua situação é “delicada” e “difícil”, mas que lutará até o fim e que não renunciará em hipótese alguma.

— A presidente quer ter clareza absoluta sobre os votos que tem na Câmara. Está serena, mas consciente de que a situação não é fácil. Ela pediu apoio e que a gente converse com todos os deputados — relatou um dos participantes dessas reuniões.

Pelo PR, a presidente foi informada de que enfrenta uma dificuldade significativa. Dos quatro parlamentares na comissão do impeachment, Rodrigues disse não ser possível garantir hoje, com 100% de certeza, nenhum voto a seu favor. Em plenário, dos 40 deputados, 20 são a favor do impeachment. Entre os peemedebistas, o cenário também é de divisão. Os ministros do PMDB decidirão na próxima terça- feira, após reunião do Diretório Nacional, que rumo tomarão.

De André Figueiredo, Dilma ouviu que os dois pedetistas na comissão do impeachment votarão contra o afastamento, e a bancada de 19 deputados está fechada com ela. Em uma operação casada para tentar sobreviver na aguda crise política, Dilma recebe hoje no Planalto um grupo de juristas que condenam as últimas ações do juiz da 13 ª Vara Federal, Sérgio Moro.

A primeira reunião após a eleição da mesa da comissão do impeachment começou conturbada ontem. Convocada para que o presidente, Rogério Rosso ( PSD- DF), e o relator do processo, Jovair Arantes ( PTB- GO), anunciassem o cronograma dos trabalhos, a reunião logo recebeu 17 pedidos de questão de ordem, a maioria de parlamentares do PT e partidos da base aliada, mas tamchel do PSOL. O questionamento é sobre a inclusão da denúncia da delação premiada do senador Delcídio Amaral. Argumentam que a petição original e a denúncia acatada em plenário pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), dizem respeito apenas ao suposto crime de responsabilidade em razão das chamadas pedaladas fiscais, e que seria desvio de finalidade anexar outros elementos, o que também prejudicaria o direito de defesa da presidente.

 

PT COGITA RECURSO AO STF

Sílvio Costa ( PTdoB-PE) disse que o aditamento foi feito por “má vontade” de Cunha:

— Um médico, quando vai fazer uma cirurgia de coração, ele sabe que o diagnóstico é para cirurgia de coração. Qual foi, presidente, o motivo do pedido de impeachment? Pedalada fiscal e ponto. Aí o presidente Cunha, por má vontade, vem agora fazer um aditamento? Me parece que Vossa Excelência não é um empregado de Eduardo Cunha, tem o dever regimental de decidir.

Chico Alencar ( PSOL- RJ) também criticou a possibilidade de se anexar a delação ao processo:

— Começaríamos muito mal se essa decisão do presidente Eduardo Cunha tiver amparo. Isso só pode ser um novo pedido de impeachment. Pedalada fiscal não tem nada a ver com a delação do Delcídio. Pão é pão, queijo é queijo.

Vice- presidente da comissão, Carlos Sampaio ( PSDB- SP) argumentou que as novas informações não alteram o andamento do processo, já que elas não poderão, segundo ele, ser usadas como elemento de decisão.

Após a reunião da comissão, Wadih Damous ( PT- RJ) disse que o PT vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso o aditamento da delação de Delcídio não seja anulado por Rogério Rosso.

À noite, a oposição decidiu retirar o aditamento. A tendência é que um novo pedido seja apresentado incluindo as acusações de Delcídio.

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

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Planalto tira projetos da gaveta

 

Tirar projetos da gaveta e lançar o que for possível durante o andamento do processo de impeachment na Câmara. Esta foi a ordem dada nos últimos dias pela presidente Dilma Rousseff aos seus ministros.

Mesmo com os cortes feitos nos últimos meses e que contingenciaram substancialmente os orçamentos dos ministérios, Dilma busca mostrar que o governo não está paralisado. A toque de caixa, sairão do papel medidas já anunciadas e que estavam suspensas aguardando verba, como a terceira fase do Minha Casa Minha Vida e do Banda Larga para Todos, agora rebatizado de Brasil Inteligente. Esse programa era tratado como prioridade na campanha à reeleição, em 2014, e já havia sido lançado na campanha de 2010. A nova versão do Minha Casa vem sendo anunciada desde setembro do ano passado.

Na área de infraestrutura, o governo publicará nos próximos dias decretos para destravar leilões de rodovias do Plano de Investimentos e Logística.

Órgãos relacionados:

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Após grampo, ninguém telefona para Lula

Depois de divulgação de conversas gravadas, petista teve de viajar a Brasília para tratar pessoalmente de articulação contra impeachment de Dilma
 
Por: Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut e Eduardo Barretto
 
Diante da impossibilidade de comandar a articulação política longe de Brasília, como foi aconselhado por amigos, o ex- presidente Lula resolveu ir para a capital federal ontem. Aliados comentam que, se não fosse, ele não conseguiria levar a cabo a missão de arrebanhar votos contra o impeachment, o que envolve longas conversas. O motivo é pitoresco: depois da divulgação de ligações telefônicas de Lula, ninguém mais se dispõe a falar com ele pelo telefone.

Apesar dos apelos para que ficasse longe do Planalto para evitar interpretações de que estaria desafiando decisão de Gilmar Mendes, do Supremo, que suspendeu sua nomeação na Casa Civil, Lula foi convencido a ir a Brasília. A tendência é que despache do hotel onde está hospedado e mantenha reuniões no Alvorada, residência oficial da Presidência, como ocorreu ontem à noite, e na residência de políticos. Ontem, ele chegou no fim do dia e foi direto para o hotel onde costuma se hospedar na capital, a poucos metros do Alvorada, onde jantou com Dilma à noite.

Interlocutores do petista contam que ele deve ficar a semana toda em Brasília, quando manterá reuniões políticas. Enquanto isso, aguarda o desenrolar de seu destino político, no Supremo Tribunal Federal ( STF). A vinda dele foi cercada de mistério. Ao chegar ao hotel, o carro que o levava deixou outro carro passar na frente, dificultando o registro de imagens. Ele ficou cerca de uma hora no local, esperando o chamado da presidente para o Alvorada. Ao partir para o encontro de Dilma, o ex- presidente procurou se ocultar dentro do carro, colocando a mão sobre o rosto.

O líder do PT no Senado, Paulo Rocha ( PA), foi um dos que disseram a Lula que ele precisava comandar pessoalmente as negociações para conter o processo de impeachment na Câmara. O líder do governo no Senado, Humberto Costa ( PT- PE), também defendeu a ida de Lula a Brasília, para conversar diretamente com os integrantes da comissão do impeachment. Nos bastidores, petistas brincavam que “falar com Lula por telefone não dá mais”.

Na Casa Civil, os trabalhos foram tocados pela secretária- executiva, Eva Maria Chiavon, que atendia como ministra da Casa Civil substituta. Diante da vacância do chefe da pasta, o advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, passou boa parte da tarde em reuniões no 4 º andar do Planalto, onde Lula ficará caso assuma definitivamente o cargo. Cardozo se reuniu com o subchefe de Assuntos Jurídicos, Rodrigo Messias, escalado por Dilma para levar a Lula o polêmico termo de posse para que ele assinasse antes de embarcar para São Paulo, na última quinta- feira. (Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut e Eduardo Barretto)

Senadores relacionados:

  • Humberto Costa
  • Paulo Rocha

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados
  • Senado Federal