Valor econômico, v. 16, n. 3955, 03/03/2016. Brasil, p. A3

Irã sonda o Brasil para 'megaencomenda' na indústria automotiva

Daniel Rittner 

De volta à arena internacional após um acordo nuclear com as grandes potências, que retiraram suas sanções econômicas, o Irã cogita fazer uma megaencomenda às empresas brasileiras. A sondagem ao Brasil envolve o fornecimento de até 140 mil automóveis para renovar a frota de táxis, 65 mil caminhões e 17 mil ônibus. O valor do negócio pode alcançar US$ 5 bilhões, conforme revela o ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro Neto.

Em entrevista ao Valor, o ministro disse que a intenção do governo brasileiro é assegurar uma parte ou mesmo a totalidade dos contratos. Para isso, os fabricantes nacionais já começaram a ser mobilizados. "Estamos articulando com a iniciativa privada para ver eventuais fornecedores e colocando-os em linha direta."

Segundo ele, graças à proximidade política construída nos últimos anos, o Irã sinaliza que pretende ter no Brasil um parceiro preferencial de comércio. "Eles querem comprar e estão se dirigindo a fornecedores potenciais. Sabem que o Brasil pode oferecer soluções adequadas e têm simpatia por nós. Temos, inclusive, toda a tecnologia para fazer a conversão dos sistemas", disse Monteiro, lembrando que o país quer resolver os problemas de poluição nas grandes cidades e possui oferta abundante de gás.

O ministro deixou claro que a encomenda, se for concretizada, não é para entrega em apenas um ano e pode dar fôlego às exportações para o Irã até o fim desta década. Ele cogita a possibilidade de vender não apenas produtos acabados, mas CKDs - termo em inglês para os conjuntos de partes de automóveis que são embarcados para montagem local. "O Irã tem uma indústria automobilística e pode haver associação de interesses conosco."

Uma potencial encomenda de cerca de 50 jatos da Embraer para uso na aviação regional já havia sido divulgada na semana passada. As tratativas foram confirmadas pelo presidente da empresa, Frederico Curado, que ponderou o caráter ainda preliminar das tratativas. Em janeiro, o Irã assinou um protocolo de intenções para a compra de 118 aeronaves da Airbus, em viagem do presidente Hassan Rouhani à França.

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) apontam que o Brasil ainda vem mantendo superávits robustos, mas decrescentes, no intercâmbio comercial. As exportações ao Irã encolheram de US$ 2,332 bilhões em 2011 para US$ 1,666 bilhão no ano passado. Milho e carne bovina lideram a pauta exportadora.

Monteiro, que esteve em Teerã no ano passado à frente de uma missão empresarial, tem expectativa de uma visita da própria presidente Dilma Rousseff neste ano. Ela recebeu há três semanas o embaixador do país em Brasília, Mohammad Ali, está pessoalmente engajada no fortalecimento das relações econômico-comerciais.

O Brasil, que importou meros US$ 3 milhões no ano passado em função das sanções, também se coloca na posição de potencial comprador. Há interesse em trazer para o país mais gás natural liquefeito (GNL) do Irã para abastecer usinas térmicas. Boa parte do fornecimento é da África e de Trinidad e Tobago.

A aproximação com o Irã faz parte de uma ofensiva comercial liderada pelo ministro do Desenvolvimento que tem outras frentes com boas perspectivas de colheita. Recém-chegado de duas viagens pela América Latina, ele garante que o Brasil fechará uma ampliação do acordo comercial que tem com o México até o fim deste ano. A cobertura passará dos 800 produtos atuais com descontos nas tarifas de importação para pelo menos 5 mil.

Depois de uma passagem por Buenos Aires, Monteiro comemora o aval da Argentina para tirar da geladeira duas negociações importantes no Mercosul. Uma é o acordo para dar preferência a fornecedores do bloco nas compras públicas dos demais sócios. Outra envolve um tratado de facilitação de investimentos. Para o ministro, não deixa de ser um paradoxo fazer esse tipo de negociação com outros parceiros enquanto o Brasil não tem acordos do gênero com seus vizinhos.