Correio Braziliense, n. 19267, 25/02/2016. Economia, p. 10

Brasil perde o último selo de bom pagador

Paulo Silva Pinto

Nada mais resta a ser preservado no conceito do Brasil entre as três grandes agências globais de classificação de risco: o país perdeu o grau de investimento da Moody’s, a última que ainda lhe conferia o selo de bom pagador. Analistas de mercado destacaram que país tem agora a tríplice coroa do rebaixamento.
A agência rebaixou ontem o país em dois degraus: de Baa3, o último nível na escala de bom pagador, para Ba2 (veja quadro ao lado). Além disso, manteve a perspectiva negativa, o que indica que o risco soberano — dos títulos do governo — poderá sofrer um novo corte em breve. Em nota, a vice-presidente da Moody’s Samar Maziad aponta duas razões para a dupla queda de ontem: “a perspectiva de deterioração adicional dos indicadores de dívida do Brasil em um ambiente de baixo crescimento, com a dívida provavelmente excedendo 80% do PIB nos próximos três anos; e a desafiadora dinâmica política, que continua dificultando os esforços de consolidação fiscal das autoridades e adiando reformas estruturais.”
O que preocupa a Moody’s é ver um país “anêmico”, com queda no Produto Interno Bruto (PIB) de 0,5% ao ano, em média, entre 2016 e 2018. O governo deverá gastar 20% de sua receita para pagar juros no período, destacou a agência. A classificação de risco é um serviço contratado pelo emissor dos papéis para indicar ao mercado as chances de os compromissos serem honrados. A queda significa que o país terá de pagar mais para rolar sua dívida. E as empresas brasileiras também terão de aumentar os desembolsos para obter financiamento.
Analistas destacam, porém, que o movimento já era esperado, depois de a Fitch e a Standard & Poor’s (S&P) terem jogado o Brasil na categoria lixo. Na semana passada, o país desceu mais um degrau na escala da S&P, mergulhando ainda mais na categoria especulativa. E a própria Moody´s colocou o Brasil em perspectiva negativa ainda em dezembro.
“O mercado não está ligando muito para o rebaixamento, o que em si é já péssimo: mostra a que nível nós chegamos”, disse o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito. A S&P foi a primeira agência a retirar o grau de investimento, em setembro do ano passado, pouco depois de o governo entregar o orçamento de 2016 com previsão de deficit.
Na avaliação de Perfeito, a mudança da Moody’s reflete a perda de confiança no governo da presidente Dilma Rousseff para a superação da crise que o país atravessa, algo que independe de quem está na equipe econômica. “Mesmo que a Dilma chame Jesus Cristo para ser seu assessor, ninguém vai botar fé”, avisou. Ele destacou que a decisão da Moody’s é resultado de uma “piora sistêmica e continuada das condições fiscais e da economia como um todo”.
O economista teme que, se a crise política continuar, a deterioração se agrave, com novos cortes pelas agências, o que pode colocar o país em um grau altamente especulativo. O CDS, principal indicador de risco do país estava ontem em 454 pontos (4,54 pontos percentuais acima dos papéis norte-americanos). Em 2014, a diferença era de apenas 180. A expectativa é de que a falta de credibilidade na retomada da economia intensifique a recessão. O economista Affonso Celso Pastore avalia queo PIB brasileiro tenha caído 4% em 2015 e espera um tombo de 4,2% neste ano.
Para Fernando Barroso, responsável pelos mercados de derivativos institucionais da CM Capital Markets, embora o rebaixamento já fosse dado como certo, ainda não foi precificado completamente. “Não é irrelevante. Vai ficar cada vez mais caro para as empresas obter crédito. É um processo de deterioração progressiva que já vinha acontecendo e que vai continuar, agravado pela perda de mais um grau de investimento do risco soberano”, afirmou.
O encarecimento vale para novas emissões, mas também para o que já está no mercado. Um exemplo são as debêntures da Multiplan, que pagavam CDI mais um ponto percentual ao ano dois meses atrás. Há uma semana, a taxa já estava 2,40 pontos percentuais acima do CDI. Assim, quem quis se desfazer do papel recebeu menos do que pagou. Vender também está ficando cada vez mais difícil, alertou Barroso, com a perda de liquidez do mercado. A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) tinha giro de R$ 10 bilhões por dia há seis meses, e atualmente mal chega à metade disso — ontem, foram negociados R$ 4,79 bilhões.
“Os estrangeiros, que puxavam nosso mercado, estão saindo. Instituições de previdência privada no exterior já tiraram recursos de fundos que investem em papéis brasileiros. E vão tirar mais”, explicou. Os maiores fundos de pensão dos Estados Unidos são obrigadas por lei a direcionar recursos apenas a papéis que têm grau de investimento em pelo menos duas das três principais agências de classificação de risco.
Na avaliação do presidente da Bullmark Financial Group, Renato Nobile, o rebaixamento pela Moody’s contribui para piorar as perspectivas de investimentos de estrangeiros no país. “Os ativos estão baratos. Mas o que muita gente está se perguntando lá fora é se, mesmo com esse preço, poderão ter retorno”, afirmou. O risco é que a situação se deteriore ainda mais.

 

 

Petrobras cai
A Moody’s também rebaixou a nota da Petrobras, que possui a maior dívida coprporativa do mundo, dos estados do Paraná e do Maranhão, além do município do Rio de Janeiro. A agência explicou que a dependência em relação ao governo federal deve piorar as contas da duas unidades da Federação e da capital fluminense.

Mercados tranquilos
Um sinal de que o rebaixamento já estava precificado foi o recuo de 0,15% do dólar, que encerrou o dia a R$ 3,957, acompanhando o movimento de mercados externos, nos quais a moeda norte-americana também fechou em queda. A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) teve queda moderada, de 1,03%.

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Planalto vê decisão "precipitada"

 

No Palácio do Planalto, a decisão da Moody’s de retirar o grau de investimento do Brasil foi considerada “precipitada” por interlocutores da presidente Dilma Rousseff, para os quais a agência ignorou sinais positivos, incluindo a melhora das contas externas do país e o que veem como um quadro político mais favorável.
Segundo esses interlocutores, o governo já havia sido alertado na semana passada sobre o risco do rebaixamento. No Planalto, ainda há expectativa de que o país retome o grau de investimento por parte das agências de classificação de risco até o fim deste ano, algo que, segundo analistas de mercado, tem chance nula de ocorrer.
O coordenador-geral de operações da Dívida Pública do Tesouro Nacional, José Franco, fez declarações em outra linha. Ele minimizou os efeitos da decisão, que, disse, não vai atrapalhar o programa de gestão dos títulos públicos. Segundo o técnico, o rebaixamento já estava previsto no Programa Anual de Financiamento (PAF).
“O Tesouro trabalha com vários cenários no PAF.: o básico, o otimista e o conservador. Nesse último, temos que fazer uma previsão para coisas como o rebaixamento (da Moody’s). O governo está preparado para administrar a dívida pública com a perda do grau de investimento”, garantiu Franco.
O chefe do Departamento Econômico do Banco Central (BC), Tulio Maciel, também procurou ontem se mostrar despreocupado com a decisão da Moody’s. Segundo ele, o impacto já ocorreu com o rebaixamento pelas outras agências.(RH)

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Promessa de ajuste

Após a notícia de que a Moody’s decidiu rebaixar o país, o Ministério da Fazenda divulgou nota em que afirma estar empenhado na consolidação das contas públicas. “O governo reitera que a posição das agências de rating não altera o comprometimento com o ajuste fiscal necessário para a estabilização da trajetória da dívida pública e na perspectiva de recuperação da economia brasileira no médio prazo”, diz o comunicado.
Segundo o ministério, ao explicar o corte da nota do país, a agência enfatizou o esforço do governo na formulação e no encaminhamento de reformas estruturais importantes ao Congresso. “A consolidação fiscal e a aprovação de reformas para reduzir a rigidez orçamentária, a indexação de receitas e o crescimento de gastos obrigatórios, entre outros pontos, contribuiriam para uma melhora do rating no futuro”, destacou a pasta.
Na nota, a Fazenda relaciona ainda as medidas que já tomou para reequilibrar as contas fiscais e lembra que, até o fim de março, encaminhará ao Legislativo proposta para limitar o crescimento das despesas públicas. Além disso, ainda neste semestre deve ser enviado ao Congresso um projeto de de reforma da Previdência.

Críticas
Líderes de partidos da oposição na Câmara dos Deputados criticaram o governo. Para opositores, o rebaixamento reforça a necessidade de afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo. O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou que o projeto de Dilma é se manter no poder, e as agências percebem esse movimento. “É o pior sinal possível e, ao contrário do que o PT gosta de afirmar, a responsabilidade por mais esse rebaixamento é exclusivo do governo brasileiro, dos inúmeros equívocos do governo do PT”, disse Aécio. Para o tucano, o Executivo não tem mais perspectiva de apresentar e aprovar no Congresso uma agenda por não conseguir mobilizar sua base em favor de reformas estruturantes.
O líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), disse que Dilma “não tem mais credibilidade para aprovar um ajuste fiscal no Congresso”. Para o líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), o rebaixamento reflete a situação “calamitosa” das contas públicas do Brasil. “Isso ratifica a percepção de que a situação fiscal do País é dramática.”
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a retirada do selo de bom pagador do Brasil é reflexo da demora do governo em tomar as medidas para reverter as expectativas negativas. Para ele, o Executivo deveria mandar “rapidamente” ao Congresso as propostas de reforma que pretende fazer.