Título: BC aposta alto no corte de juro
Autor: Martis, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2011, Economia, p. 17

Turbulência econômica dá argumento para a instituição assumir a meta de garantir o crescimento, e não apenas o controle da inflação

O Banco Central está colocando em risco todas as suas fichas de credibilidade para mudar a condução da política monetária e reduzir a taxa básica Selic a patamares civilizados. Espelhando-se no modelo turco, o BC abandonou o sistema tradicional, no qual tem uma única missão: garantir a estabilidade de preços. Agora, além de manter a inflação sob controle, assumiu a obrigação de fazer o país crescer, mesmo que isso implique uma carestia maior. Com essa estratégia, Alexandre Tombini, presidente da instituição, colocou sua cabeça a prêmio. Se obtiver êxito, porém, será glorificado e seus críticos mais vorazes ficarão sem ação. Ainda entrará para a história como o chefe do BC que livrou o país do amargo posto de campeão dos juros altos.

A receita que Tombini segue, de endossar preços mais altos em troca de expansão, é dolorosa para o brasileiro traumatizado com o período da hiperinflação, quando a remarcação das etiquetas podia disparar quase 100% em um único mês. "A inflação, para nós, é uma obsessão porque vivemos uma experiência única no mundo", avalia o professor de economia da Universidade de Brasília Roberto Piscitelli. "Do governo de Juscelino Kubitschek até 1994, tivemos de inventar mecanismos sofisticados para sobreviver às oscilações de preços", lembra. Passados 17 anos do nascimento do Plano Real, o Brasil, segundo especialistas, atingiu maturidade suficiente para mudar sua política monetária.

"Tivemos uma queda estrutural da economia global em 2008, um tombo que botou de pernas para o ar toda a teoria econômica. O BC brasileiro agora está inserido em uma mudança de paradigma de política monetária no mundo inteiro", argumenta Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Arab Banking Corporation (ABC Brasil). A continuidade da crise, iniciada com a quebra do Lehman Brothers, há três anos, é a desculpa de que o BC precisava para derrubar a Selic. Na equipe econômica da presidente Dilma Rousseff, é consenso que uma taxa de 12% ao ano é elevada demais e precisa ser reduzida.

A reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), na semana passada, em Washington, foi o ponto de virada para Tombini e sua equipe. De lá, ele saiu com uma visão ainda mais pessimista sobre o destino da Europa. Para que a instituição não seja mais uma vez criticada, e novamente perca o momento certo de cortar juros, como ocorreu em 2008 ¿ sob a gestão de Henrique Meirelles ¿, a palavra de ordem no BC é antecipação. Tombini quer estar um passo à frente de qualquer agravamento na Zona do Euro. O mercado, porém, não está gostando e o acusa de ser dovish ¿ termo importado dos Estados Unidos para descrever um economista dócil como um pombo.

Confiança A certeza que Tombini tem de estar no caminho certo veio depois que o presidente do Banco Central da Turquia, Erdem Basci, sem meias palavras afirmou que o "sistema de metas de inflação está morto". A sentença, proferida no último domingo durante um evento do Citigroup, proclama que, depois da ruptura de 2008, os BCs têm de abandonar a luta obsessiva contra a carestia e assumir uma dupla missão: garantir a estabilidade e o crescimento, mesmo que isso leve a um pouco mais de inflação.

"O presidente do BC turco tem razão, o sistema de metas como o conhecemos está morto", afirma Leal. "Saí do encontro do FMI com a sensação de que a política monetária ao redor do mundo vai abandonar o modelo tradicional, que busca apenas a meta de inflação", resume. Para Carlos Kawall, do banco Safra, ainda é cedo para dizer que o BC está errado. "Depois do encontro, fiquei muito pessimista em relação à economia global", afirma. "Um calote da Grécia é iminente, independentemente de os governos da Europa e de o FMI concederem a próxima ajuda", explica, ao justificar o porquê de o BC brasileiro reduzir o juro com inflação tão elevada.

Os especialistas, entretanto, colocam o fim de 2012 como prazo para Tombini provar a eficiência da sua política monetária. "Se nesse ano a inflação ultrapassar os 6,5% do teto da meta e no próximo ficar muito distante dos 4,5%, será muito perigoso para um país com um histórico do Brasil", alerta Leal.

Queda vão continuar

O Relatório de Inflação de setembro, divulgado na semana passada, evidenciou a mudança de postura da política monetária. O documento deixou claro que a taxa Selic continuará a cair, mesmo com a previsão do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassando o teto da meta, definido em 6,5%. Os cortes terão continuidade, apesar de haver 45% de chance de rompimento desse limite no fim do ano.