DELEGADOS DIZEM QUE HÁ ‘DESMONTE DA PF’

André de Souza, Renato Onofre 

08/01/2015

Delegados da Polícia Federal voltaram a reclamar do governo federal e dos cortes no orçamento do órgão. Em manifesto divulgado ontem, eles se dizem indignados com o tratamento recebido, em especial do Ministério do Planejamento, e afirmam que está
em curso a chamada “operação desmonte da Polícia Federal”. Os delegados dizem que a redução de investimentos ocorre há anos e que faltam recursos para atividades rotineiras, como aluguel e conta de energia. “Diante desse cenário, os delegados de Polícia Federal se veem obrigados a levar à sociedade o sentimento de que pode estar em curso o que já se denomina ‘operação
desmonte da Polícia Federal’, para que todos os brasileiros permaneçam atentos e se engajem na defesa da instituição mais bem avaliada do país”, diz trecho do manifesto. 

ASSEMBLEIAS EM TODO O PAÍS
Anteontem, os delegados fizeram assembleias pelo país para tratar de reajuste salarial e autonomia da instituição. O manifesto ainda não teve a chancela da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), mas alguns delegados já estão divulgando o texto. “Somente com a garantia de autonomia orçamentária, financeira e funcional a Polícia Federal estará imune às situações nesse manifesto descritas”, diz trecho do documento. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a quem a PF é subordinada, nega que haja um sucateamento da PF. — Estamos preparando aqui um relatório do Ministério da Justiça, e a direção da Polícia Federal está preparando outro, mostrando que não há sucateamento da Polícia Federal. Ele vai ficar pronto Isso será divulgado amanhã (hoje). Vou mandar uma carta à APDF mostrando que não há sucateamento, mostrando a elevação do
orçamento que houve no último período. A demonstração da comparação em relação a outros órgãos do Ministério da Justiça. A Polícia Federal foi favorecida. Tudo isso será demonstrados à Associação dos Delegados — disse Cardozo. O manifesto dos delegados foi mais um capítulo da guerra de versões sobre a liberação de verba do Ministério da Justiça para a Polícia Federal. Após o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ter garantido na última terça-feira que a Superintendência da PF no Paraná devolveu ano passado R$ 3 milhões (a assessoria de imprensa da PF informou ontem que o valor correto é R$ 1,4 milhão), a polícia
paranaense garantiu que não fez essa devolução. Em novembro do ano passado, os policiais paranaenses pediram ao juiz Sérgio Moro a liberação de R$ 172 mil, recuperados pela Justiça, para pagar contas de luz e consertos de carros. Moro concordou, alegando que a falta de verba ameaçava a continuidade da Operação Lava-Jato.
No despacho em que liberou os recursos para a PF do Paraná, Moro disse que as investigações não poderiam ser “interrompidas por falta de dinheiro para despesas básicas”. O ministro da Justiça, no entanto, disse que pode ter havido um “contingenciamento normal”, mas negou que tenha havido falta de verba:
— Não faltou verba nenhuma. Tanto que a Superintendência do Paraná devolveu R$ 3 milhões no final do ano passado — afirmou Cardozo em entrevista ao GLOBO na terça-feira,
“Contrariamente ao que foi divulgado pelo ministro da Justiça, não ocorreu a devolução de tal montante e a aceitação dos valores repassados pela Justiça Federal deu-se em face da real necessidade por parte da Polícia Federal no Paraná, vez que o não pagamento das despesas vencidas poderia acarretar prejuízos irreparáveis”, diz a nota assinada pelo presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal no Paraná, Algacir Mikalovski, e por Jorge Luiz Fayd Nazário, diretor da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal no Paraná.
Na guerra de versões, a direção nacional da Polícia Federal acabou por responsabilizar o Congresso e o deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator-geral do Orçamento de 2016, pelos cortes de verba do órgão, isentando de culpa o Ministério da Justiça.

 

RELATOR DO ORÇAMENTO REAGE
Em nota, a PF informou que o diretor-geral da corporação, Leandro Daiello, se reuniu com o secretário executivo do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira. Segundo a PF, Marivaldo pediu ao Ministério do Planejamento a recomposição do orçamento “para que não ocorra nenhum prejuízo às operações e projetos de melhoria e desenvolvimento da PF”.
O relator do Orçamento reagiu ontem: “Este relator nunca foi procurado por interlocutores do MJ (Ministério da Justiça), da PF ou da ADPF para tratar do assunto. Durante a tramitação da LOA (Lei Orçamentária), diversos chefes de poder, ministros governadores, representantes de associações/sindicatos e assessores o procuraram para discutir o orçamento, sendo todos recebidos e por meio de negociações políticas ajustes foram promovidos”, disse em nota.

O globo, n. 30104, 08/01/2016. País, p. 5