Título: Avenida aberta
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 29/09/2011, Política, p. 4

Nas entrelinhas Sem se opor radicalmente a ninguém e presente nas contas de todo mundo como possível aliado, o PSD enxerga uma avenida aberta. Um dia ela afunilará, mas, até esse dia chegar, Kassab poderá ter acumulado boa musculatura

Saiu o registro do Partido Social Democrático (PSD), do prefeito Gilberto Kassab. Quem tentou inviabilizar a construção da nova legenda travou uma luta desigual. O prefeito é conhecido pelas qualidades de articulador político, e escolheu caminho lógico.

Articulou-se com o poder, em Brasília e nos estados. E não se pode acusá-lo de ingratidão: consumado o registro, Kassab tratou de agradecer à presidente da República e ao governador de Pernambuco pela força. Foram os dois principais padrinhos.

A mãozinha pernambucana chegou antes das demais, mas não foi exceção nos estados.

O PSD nasceu também empurrado por governadores em busca de opção para acomodar a base local de apoio. Na vigência da fidelidade partidária, o PSD acabou como "partido da janela".

A "janela de infidelidade" que não pôde ser aberta para todos foi escancarada assim: ao ir para um partido novo, ninguém perde o mandato.

Comprova-se novamente que os fatos não costumam ser contidos indefinidamente por burocratismos.

O PSD é mais um partido que nasce em São Paulo, mas a conexão pernambucana e os vasos comunicantes nos demais lugares evitam que se acuse Kassab de ser mais um político paulista em busca apenas de alavancagem nacional.

O PT não ataca o PSD, pois vê a oportunidade histórica de dividir o campo tucano de alianças no maior colégio eleitoral, que o PSDB comanda desde 1995.

Já os tucanos olham de lado, mas estão algo constrangidos por uma circunstância: aqui e ali, governadores do PSDB constroem a nova legenda de mãos dadas com Kassab.

Só quem dá combate efetivo é o Democratas, vítima principal da sangria. Mas o DEM está fraco para ser um adversário decisivo.

Certas circunstâncias da política paulista estão na origem do PSD.

O PT comandava a prefeitura da capital em 2004, quando o PSDB de José Serra se aliou ao então PFL de Gilberto Kassab para tomar a cidadela. Em 2006, Serra saiu para disputar e vencer o governo estadual e deixou Kassab na cadeira.

Em 2008, o natural seria o PSDB apoiar a reeleição do aliado, mas o então ex-governador Geraldo Alckmin decidiu concorrer.

Enquanto em Minas Gerais os tucanos evitavam o isolamento e apoiavam a chapa PSB-PT em Belo Horizonte, o PSDB de São Paulo abria a fenda de ruptura com o principal aliado.

Em 2010 caminharam todos juntos, mas a ferida nunca cicatrizou. E agora o projeto de Kassab parece desafiar a liderança de Alckmin e do PSDB no estado em 2014.

E o primeiro capítulo acontece ano que vem, na luta pela prefeitura da capital. Onde todas as alianças são possíveis, mas a complicada mesmo de costurar é a PSDB-PSD.

É uma oportunidade para o PT, mas também um risco. Em São Paulo e nacionalmente.

Em São Paulo, o PT aposta que a cisão no campo adversário permitirá ao petismo sair do isolamento em que ficou desde que o malufismo deixou de existir como força polarizadora, desde que o voto centrista e conservador se deslocou para o PSDB.

O risco é surgir do PSD uma força conservadora não identificada diretamente com o desgastado malufismo e capaz de articular uma nova hegemonia.

Nacionalmente, o PT aposta no estreitamento ainda maior do campo de alianças potenciais do PSDB-DEM, pois o nascente PSD abriga-se sob as asas do dilmismo.

O risco é surgir mais um jogador capaz de agregar massa crítica a uma alternativa no campo governista, mas fora do PT. Como o PSB. Que ganharia um "PMDB" novo em folha.

Pois se a oposição fica fraca demais, as opções passam a surgir de dentro.

E o PSD não carrega, por enquanto, as dificuldades do PMDB, sensíveis no perene deficit de imagem do peemedebismo.

Sem se opor radicalmente a ninguém, e presente nas contas de todo mundo como possível aliado, o PSD enxerga uma avenida aberta.

Um dia ela afunilará, mas, até esse dia chegar, Kassab poderá ter acumulado boa musculatura.