Correio braziliense, n.19.109, 20/09/2015. Política, p. 2

Classe média do campo cresce e engorda o bolso

Viver no campo deixou de ser um sofrimento para milhões de brasileiros. O trabalho exaustivo nas lavouras, o baixo nível de remuneração e o atraso tecnológico são coisas do passado no agronegócio. Deram lugar, segundo especialistas, a um setor dinâmico, com altos índices de produtividade e mão de obra especializada. O Correio constatou isso em dois municípios goianos onde essa pujança se destaca: Porteirão e Chapadão do Céu.

Se, nas metrópoles, os trabalhadores sofrem com altos níveis de desemprego, no campo, a pujança da lavoura garante poder de compra. A estabilidade econômica dos últimos anos deu aos agricultores acesso a linhas de crédito para compra de máquinas modernas e de insumos, usados para a correção de solo e para a proteção das culturas. Com isso, passaram a produzir mais no mesmo espaço.

Esse processo levou ao enriquecimento de produtores rurais. Mas também à distribuição de renda nos municípios do campo, com a formação de uma classe média rural. O acesso à tecnologia exigiu a contratação de mão de obra capacitada, com melhores salários. Dados da consultoria Geofusion mostram que, nas cidades agrícolas, o número de domicílios do estrato sócioeconômico intermediário cresceu 39% entre 2010 e 2014. No Brasil, a expansão foi de 27% e, nas metrópoles com mais de 1 milhão de habitantes, a alta foi de 22%. A empresa classificou como residências desse segmento aquelas nas quais o orçamento familiar varia de R$ 1,9 mil a R$ 11 mil.

Perfil
A diretora de Inteligência de Mercado da Geofusion, Susana Figoli, explica que se enquadram no padrão de cidades agrícolas aquelas em que 40% do Produto Interno Bruto (PIB) têm origem no agronegócio. Pelas contas dela, dos 5.570 municípios brasileiros, 767 têm esse perfil. Suzana destaca a alta relação entre a pujança do setor rural e a elevação da renda de quem mora nessas cidades. Em média, uma família que reside no campo tem um orçamento de R$ 4.032,23, valor 16% maior do que o apurado em 2010, já descontada a inflação do período. No Brasil, o crescimento observado no mesmo período foi de 14% e, nas metrópoles, de 11%.

A executiva ainda ressalta os ganhos na qualidade de vida de quem mora no campo. Enquanto 25% dos municípios do país possuem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo do nível considerado desejável, essa proporção encolhe para 12% nas cidades agrícolas. “O alto PIB de uma localidade nem sempre reflete a riqueza das famílias que moram ali. Mas no campo isso acontece. Os níveis de instrução também melhoraram. O número de pessoas com diploma de ensino superior nessas áreas cresceu 14%. No Brasil, a alta foi de 11%”, explica.

Dos 767 municípios rurais, 39% estão na região Sul, 22% no Sudeste, 19% no Centro-Oeste, 11% no Nordeste e 9% no Norte. E, das 50 cidades rurais com maior proporção de domicílios de classe média, 40 estão no Rio Grande do Sul. Porteirão e Chapadão do Céu são as duas de Goiás, localidades que receberam grandes fluxos migratórios de gaúchos, por sua vez descendentes de europeus que chegaram ao Rio Grande Sul há mais de um século.

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL), Antônio da Luz, destaca que esses colonizadores conseguiram passar para as gerações seguintes o gosto pelo trabalho no campo. E muitos de seus filhos, netos e bisnetos migraram para produzir grãos nas fronteiras agrícolas — há algumas décadas, Goiás e Mato Grosso, hoje bem para além desses estados.

Luz comenta que, nas cidades em que o agronegócio é pujante, o desenvolvimento fica acima da média das capitais brasileiras. Apesar dos avanços observados nos últimos anos, ele alerta para o risco imposto pela recessão. A falta de previsibilidade afeta toda a cadeia de produção. “Sabemos que a demanda por alimentos continuará em alta, mas os investimentos devem diminuir nos próximos anos porque não é possível enxergar uma luz no fim do túnel. Isso vai brecar a expansão da classe média rural”, comenta.

Para o economista-chefe da Farsul, com o uso intensivo de tecnologia nas lavouras, os profissionais precisaram se capacitar para operar máquinas modernas. Além disso, a presença constante de técnicos agrícolas, agrônomos e de consultorias especializadas para análise e mapeamento de solo elevou o nível de remuneração dos trabalhadores. “Não há mais necessidade de contratar um exército de pessoas para colher e plantar. Mas, para manter o profissional no campo, os produtores precisam pagar bem. No Rio Grande do Sul, um trabalhador rural não ganha menos de R$ 2 mil”, diz.

A classe média rural é jovem, tem alcançado níveis maiores de escolaridade e aproveita a pujança do agronegócio em relação à crise para manter os ganhos de renda, detalha Maurício de Almeida Prado, sócio-diretor da empresa de pesquisa Plano CDE. Ele aponta que os moradores do campo são tão exigentes quanto os das metrópoles. Segundo ele, os televisores e os smartphones estão entre os itens mais procurados pela classe média rural. “No caso dos computadores, como em muitos lugares, a infraestrutura de banda larga por fio é precária, a venda ainda é pequena. Mas muitos aproveitam o celular para se conectar”, afirma.

Produção recorde
Foram colhidas 209,5 milhões de toneladas de grãos na safra 2014/2015. Esse montante recorde é 8,2% maior do que a produção das lavouras no ciclo 2013/2014. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam que foram plantados 58 milhões de hectares no período, 1,7% mais do que na safra anterior. A produção de milho chegou a 54,5 milhões de toneladas, um aumento de 12,6% no ano agrícola. A soja teve aumento ainda mais expressivo, de 11,8%, com produção de 96,2 milhões de toneladas.

Maranhão lidera alta
A necessidade de aumentar a produção de grãos no país levou os agricultores a desbravar novas fronteiras agrícolas no Brasil. No Maranhão, a expansão das lavouras e da pecuária deu oportunidade para que milhares de brasileiros mudassem de vida.

Das 50 cidades agrícolas que apresentaram maior crescimento no número de domicílios da classe média, entre 2010 e 2014, 45 estão no Nordeste, conforme um estudo da Geofusion. E, desse total, 44 estão no Maranhão.

Quando analisado o período entre 2000 e 2014, 50% das cidades agrícolas que mais ganharam domicílios da classe média são do Nordeste, sendo 46% só no Maranhão. Segundo Maurício de Almeida Prado, sócio-diretor da empresa de pesquisa Plano CDE, a classe média rural é distinta nas regiões do país.

Ele explica que, mesmo com a distribuição de renda que teve origem com a expansão das lavouras, no Nordeste e sobretudo no Norte, parte das famílias têm garantido o sustento por meio das aposentadorias rurais. Elas complementam a renda com o trabalho em lavouras.

Benefícios sociais
Prado detalha que os rigorosos períodos de seca ou o excesso de chuvas ainda são um problema para quem cultiva nessas localidades. Assim, a dependência dos programas sociais é grande.

“O gasto com benefícios rurais é duas vezes maior do que com o Bolsa Família. O aumento do salário mínimo garante renda para muitas famílias do campo. Por outro lado, no Centro-Sul, temos observado um grande desenvolvimento. A demanda por mão de obra especializada eleva a renda e garante o desenvolvimento das cidades rurais. Com isso, o potencial para o desenvolvimento do comércio aumenta”, detalha.

Na avaliação do ex-ministro da Agricultura Alysson Paullineli, o agronegócio passou por profundas transformações para se manter competitivo. Ele afirma que essas mudanças obrigaram os produtores rurais a buscar uma mão de obra mais qualificada para aumentar os níveis de produtividade das lavouras.

Isso implicou aumento dos salários médios pagos aos trabalhadores do campo. Apesar dos avanços dos últimos anos, Paullineli diz que o país deve aumentar os investimentos em infraestrutura para que o escoamento dos grãos seja feito de maneira mais dinâmica. “O Brasil precisa ser mais competitivo da porteira para fora. Dentro das propriedades, não deixamos a desejar. Mas sem mudanças, vamos frear o desenvolvimento”, alerta. (AT)

Fonte: Antônio Temóteo, do Correio Braziliense