O Estado de São Paulo, n. 44505, 24/08/2015. Política, p. A4

BR alterou licitação para incluir cartel que lesou Petrobrás, aponta auditoria

ANDREZA MATAIS

 

 

Auditoria da BR Distribuidora em contratos investigados pela Operação Lava Jato descobriu que a empresa direcionou quatro licitações vencidas pela UTC Engenharia no valor de R$ 574,1 milhões em 2010. Até agora, havia sido descoberto apenas que a empreiteira pagou R$ 20 milhões em propina para ter acesso antecipado a estimativas de preços, o que lhe garantiu apresentar a melhor proposta nos certames.

Mas o relatório de auditoria, finalizado em março deste ano e inédito até agora, apontou, no entanto, que a BR também facilitou a vitória ao substituir uma lista inicial de empresas que seriam convidadas a participar das licitações por outra relação que incluiu empreiteiras do chamado “clube da propina” – que já fraudavam, com a UTC, as licitações na Petrobrás.

O resultado da auditoria reforça a tese da força-tarefa da Operação Lava Jato de que as empreitaras investigadas atuavam em conjunto, como um cartel, para lesar a Petrobrás e suas subsidiárias.

Um e-mail enviado pelo gerente de Logística da BR na época, Sérgio Barbosa, ao então diretor de Operações, José Zonis, revelou aos auditores que a lista inicial tinha dez empresas que já haviam trabalhado para a BR e que poderiam fazer as obras. A relação que foi à votação continha dez nomes. Mas cinco dos sugeridos inicialmente desapareceram da listagem. 

Foram incluídas empresas que estavam fora do cadastro da BR como: Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS e Skanksa Brasil. A UTC Engenharia, a Andrade Gutierrez e a Mendes Júnior constavam da primeira relação e foram mantidas entre as convidadas a participar. O atual presidente da BR, José Lima de Andrade Neto, e os diretores à época aprovaram os nomes dos convidados sem contestações durante reunião de diretoria. 

Os auditores concluíram que, ao editar a lista inicial de convidados e limitar em dez o número de empresas, a BR direcionou a licitação, uma vez que ao menos 30 empresas teriam condições de prestar os serviços. Os auditores também contestaram justificativa de que foram chamadas apenas empresas de “grande porte”, termo muito amplo que permitiu ao comando da BR colocar ou retirar empresas sem a verificação de condições objetivas. 

A auditoria não concluiu quem produziu a lista final de convidados para os certames, mas indicou haver indícios de que o ex-diretor José Zonis teria influenciado a relação final. Além do direcionamento e do acesso antecipado à planilha de preços, a auditoria também diz que a BR, antes de licitar, subiu preços de acordo com os interesses de Ricardo Pessoa.

Segundo a auditoria, não havia controle sobre quem tinha acesso à planilha de valores.

As obras. Sem tradição em grandes obras de infraestrutura, a decisão da BR em fazer as licitações coincidiu com o início da influência na empresa dos senadores Edison Lobão (PMDB-MA), então ministro de Minas e Energia, e Fernando Collor (PTB-AL). O atual presidente, Lima Neto, deixou a secretaria de Petróleo e Gás do ministério para assumir a BR, em agosto de 2009.

Mal Lima Neto se sentou na cadeira, recebeu um telefonema do ex-chefe avisando que dois dos diretores seriam substituídos para dar lugar a José Zonis (Operações) e Luiz Sanches (Rede de Postos), ambos indicados pelo senador Collor. Os únicos mantidos nos cargos na época foram Nestor Cerveró e Andurte de Barros Duarte Filho. Este último, indicado pelo PT. 

Ex-presidente da UTC, Ricardo Pessoa disse em delação premiada que pagou R$ 20 milhões a Pedro Paulo Leoni Ramos, amigo de Fernando Collor, para conseguir as obras na BR tocadas na diretoria de Zonis. Zonis, Sanches e Cerveró são hoje investigados na Lava Jato em casos de corrupção na Petrobrás.

Um ano e um mês após essa nova configuração na BR, a diretoria da empresa decidiu licitar as obras vencidas pela UTC para construção de tanques de distribuição de combustível no Acre e no Tocantins, além de ampliar os terminais de Duque de Caxias (RJ) e da Amazônia, sob a justificativa de que a demanda por combustíveis havia aumentado. Foram as únicas obras em décadas na empresa, que tem como principal função comercializar e distribuir derivados de petróleo a seus 7,5 mil postos de serviço.

A reportagem não conseguiu localizar Collor e Lobão neste domingo. Collor tem negado as denúncias de que recebeu propina em troca de conseguir contratos na BR Distribuidora. Lobão também refuta qualquer tipo de envolvimento com as irregularidades na Petrobrás.

 

 

Empresa nega ter tratado de obras em reunião

 

A BR Distribuidora afirmou em nota ao Estado que o presidente da empresa, José Lima de Andrade Neto, ao saber das denúncias envolvendo licitações vencidas pela UTC, determinou a "averiguação interna" dos contratos e informou que o resultado da auditoria foi enviado ao Ministério Público, à Procuradoria-Geral da República e aos escritórios de advocacia contratados pela Petrobrás para auditar a empresa. "A companhia atuará como assistente de acusação do MPF (Ministério Público Federal) em eventual ação de ressarcimento de prejuízos", diz a nota.

A BR informou que adotou procedimentos mais rígidos para elaboração de estimativas de preços, controle de acesso a dados e valores e participação de comissões de licitação - "medidas de reforço na fiscalização das concorrências." Sobre a mudança na lista das empresas convidadas para os certames, disse que não comentará a auditoria por se tratar de documento confidencial.

Visitas. Quanto às reuniões do presidente da BR com o senador Fernando Collor (PTB-AL), a empresa informou que as obras da BR tocadas pela UTC "não foram tratadas em nenhuma reunião entre Lima e qualquer político, incluindo o senador", e que o executivo, "eventualmente, recebe e visita parlamentares, governadores, prefeitos e representantes de entidades da sociedade civil". "Os contatos e reuniões têm tratamento técnico." A defesa de Ricardo Pessoa não foi localizada. / A.M. 

 

 

Executivo visitou Collor no Senado ao menos 5 vezes

Senador foi denunciado pela PGR por corrupção em obras na gestão de Lima Neto

 

O presidente da BR Distribuidora, José Lima Neto, esteve ao menos cinco vezes no gabinete do senador Fernando Collor (PTB-AL) no Senado desde que assumiu o cargo no final de 2009. Os encontros foram a pedido de Collor, denunciado na última semana pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por envolvimento em esquema de corrupção envolvendo a subsidiária da Petrobrás. Ex-presidente da UTC Engenharia Ricardo Pessoa disse que repassou a Collor R$ 20 milhões para conseguir obras de infraestrutura na BR licitadas na gestão de Lima Neto.

O presidente da BR conheceu Collor quando era secretário de Petróleo e Gás, nomeado pelo então ministro das Minas e Energia Edison Lobão. Antes disso, comandou a Petroquisa, subsidiária da Petrobrás subordinada a diretoria de Paulo Roberto Costa. Collor e Paulo Roberto são alvos da Lava Jato.

A pessoas próximas, Lima Neto diz que chegou na BR pelas mãos do seu antecessor, o ex-presidente do PT e da Petrobrás José Eduardo Dutra, e nega ter recebido apoio político de Collor e Lobão. Apesar disso, vai perder o cargo na BR no mesmo momento em que os dois senadores deixaram de ter controle político da empresa. Lima Neto não é citado nas investigações da Lava Jato, mas já disse a interlocutores que o fato de ter presidido a empresa quando ocorreram as ilegalidades nas licitações o enfraqueceram. O governo contratou um headhunter para buscar um nome no mercado para substituí-lo. Oficialmente, a justificativa é que a empresa esta abrindo 35% do seu capital e necessita de um nome forte. No mês passado, toda diretoria foi substituída, apenas ele foi mantido no cargo.

Entre os que já deixaram a empresa no rastro da Lava Jato estão dois nomes apadrinhados por Collor: o ex-diretor de Operações e Logísticas José Zonis e o ex-diretor de Rede de Postos Luiz Sanches. Relatório de auditoria sobre as licitações sucessivas vencidas pela UTC tocadas pela diretoria de Zonis indica que ele teve dois encontros com Ricardo Pessoa em datas consideradas chaves para o certame.

Uma das reuniões na sede da BR, no Rio de Janeiro, ocorreu no mesmo dia em que houve o lançamento do convite para as obras do Basul, 5/8/2010. À comissão de auditoria, Zonis disse que não se recordava que assunto trataram. Zonis também já recebeu Collor na BR.