Valor econômico, v. 16, n. 3798, 15/07/2015. Opinião, p. A10

Ajuste externo, uma boa notícia, mas nem tanto

 

A recessão está ajudando o ajuste das contas externas do país. As importações caem mais que as exportações, há menos lucros sendo remetidos e a conta de serviços contratados do exterior diminuiu. Na soma, o déficit em conta corrente recuou 20% no acumulado dos primeiros cinco meses do ano em relação a igual período do ano passado. Para o ano, após encerrar 2014 em 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB), projeções do mercado apontam para um resultado em torno de 3,5% do PIB, já considerando a nova metodologia do balanço de pagamentos.

Nos primeiros seis meses do ano passado, a balança comercial registrou um déficit de US$ 2,5 bilhões, valor que foi positivo em US$ 2,2 bilhões em igual período de 2015, uma "virada" de quase US$ 5 bilhões para as contas externas. Em decorrência da economia fraca, as subsidiárias de multinacionais reduziram a remessa de lucros (de janeiro a maio, último dado disponível) de US$ 12,3 bilhões para US$ 6,9 bilhões entre 2014 e 2015, enquanto a conta de serviços melhorou em US$ 1,8 bilhão, com ajuda de menos viagens internacionais e menos gastos com transporte e de pagamento de royalties.

Embora seja puxado pela recessão, e por isso embuta um forte componente de volume, esse ajuste também traduz uma mudança de preços relativos, influenciada pela desvalorização do real. Como observou o economista Mário Mesquita, ex-diretor do Banco Central e hoje sócio do banco Brasil Plural, em artigo publicado no Valorno dia 10 de julho ("Recessão e ajuste externo"), entre março e maio houve depreciação média de 18% em relação a igual período do ano passado, considerando a taxa de câmbio efetiva real calculada pelo BC.

A redução do déficit em conta corrente é uma boa notícia para o país, embora esteja sendo feita às custas de notícias ruins. A recessão favorece o ajuste externo, mas não o assegura. Uma trajetória duradoura e benigna nas contas do Brasil com o exterior depende da manutenção de um câmbio equilibrado e de ganhos de produtividade que tornem a economia mais competitiva. O ajuste precisa vir não da queda das importações, mas da reconquista do mercado externo pelas exportações brasileiras. Ele não deve vir da redução do lucro, mas da ampliação da atuação de multinacionais brasileiras no exterior. Ele também não deve vir da redução das viagens dos turistas brasileiros, mas da atração de turistas ao Brasil. Ele precisa vir de um Brasil mais barato, e não de uma economia destroçada.

As crises grega e chinesa, essa última em especial, colocaram um sinal de alerta nessa recente melhora da conta corrente do Brasil. O Brasil já sentiu fortemente no primeiro semestre deste ano a desaceleração da economia chinesa. A queda no preço da soja e a redução no volume importado e no preço do minério ferro reduziram o superávit comercial do país com o parceiro asiático em 69%, fazendo com que recuasse de US$ 5,5 bilhões para US$ 1,7 bilhão, entre janeiro e junho de 2014 e 2015.

Ainda há muitas dúvidas entre os analistas sobre qual será o impacto da crise na bolsa chinesa sobre a economia real daquele país. Além da saída de cerca de 1,3 mil empresas da bolsa, as últimas semanas acenderam a preocupação global sobre qual o real grau de controle do governo chinês sobre a economia do país. Sabe-se, contudo, que quanto mais forte a crise for, mais afetará o Brasil, tanto pela redução das importações, quanto pelo impacto no preço das commodities.

O risco-China soma-se ao futuro aumento da taxa de juros nos Estados Unidos para delimitar o tempo que o país tem para fortalecer as defesa da economia antes da potencial volatilidade que virá com o movimento do Federal Reserve.

Espera-se que o radar esteja mesmo ligado em Brasília. Conforme apurou o repórter Assis Moreira, as autoridades brasileiras querem garantir que a expectativa de inflação esteja realmente ancorada na meta quando o Fed aumentar os juros, e que nesse momento o ajuste fiscal esteja implementado e haja conforto com o programa de swaps. Na prática, é esse conjunto que fará com que o ajuste interno - hoje ainda uma intenção - esteja caminhando em uma velocidade clara como a que se vislumbra hoje no setor externo. Afinal, é ele que dará sustentação às contas externas do país e fará com que a boa notícia tenha outra causa que não a recessão.