Maioridade penal rejeitada na Câmara

01/07/2015 

MARCELLA FERNANDES E ANDRÉ SHALDERS 

Em um clima de muita tensão, manifestações e até agressões físicas, a Câmara rejeitou, por 303 a 184 com quatro abstenções, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal para 16 anos.

Para ser aprovada, a proposta precisava receber 308 votos favoráveis. A discussão começou às 20h, com dezenas de deputados contrários e favoráveis ao relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) se revezando no microfone, e terminou à 0h33. PT, PSB, PCdoB, PDT, PPS, PV, PSol e Pros orientaram a bancada contra a redução, e todos os demais partidos foram favoráveis. O texto rejeitado previa que adolescentes de 16 e 17 anos pudessem ser punidos por crimes hediondos e dolosos contra a vida, como homicídios e latrocínios. Roubo qualificado e lesão corporal grave também teriam a idade reduzida.

A derrubada da PEC é uma derrota do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). No fim da sessão, Cunha disse que deve votar nos próximos dias o texto original da PEC, apresentado em 1993 pelo então deputado federal Benedito Domingos (DF), e que reduz a maioridade para 16 anos em todos os crimes. O assunto será discutido na reunião de líderes. No fim da noite de ontem, o Senado iniciou a discussão de um projeto de José Serra (PSDBSP).

O substitutivo apresentado pelo deputado José Pimentel (PT-CE) altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ampliando de três para oito anos o tempo máximo de internação dos menores infratores. A decisão da Câmara foi comemorada com palavra de ordem por manifestantes, inclusive no gramado em frente ao Congresso.A tensão começou cedo no Congresso. O momento mais crítico ocorreu por volta das 18h, quando cerca de 200 manifestantes e a Polícia Legislativa entraram em confronto na entrada do Anexo II da Câmara. Estudantes contrários à redução gritavam palavras de ordem e tentavam entrar no prédio. Em resposta, cerca de 50 policiais usaram spray de pimenta para dispersar o protesto. Em seguida, outros 300 manifestantes que estavam na Esplanada foram para o local. Um trecho da pista S1 foi fechado e cerca de uma hora depois o protesto se dispersou.Durante a confusão, o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) acabou derrubado por manifestantes. O incidente ocorreu em um dos acessos ao salão verde da Câmara dos Deputados. Fortes subiu à tribuna à 0h25 e discursou sobre o episódio. “A maneira como eles agiram foi precipitada, lamentável. Mas tivemos aqui uma noite de insensatez dos dois lados”, disse o socialista, ao anunciar que foi um dos quatro deputados que se abstiveram de votar sobre a PEC.

Por determinação da Presidência da Câmara, a entrada no plenário foi limitada a 200 senhas distribuídas pela manhã a lideranças partidárias de forma proporcional para que fosse repassadas ao público. A capacidade da galeria do plenário é de 300 pessoas. De acordo com Cunha, a restrição visava preservar a segurança. “É a garantia que é colocada pelos bombeiros à segurança da Casa. Não é questão de ter espaço. Você tem que ter possibilidade de evacuação sem risco de vida de ninguém”, afirmou o parlamentar.A votação da PEC foi atrasada ainda pela discussão de matérias da área econômica.

No começo da sessão, iniciada às 17h, a Casa aprovou um requerimento de urgência para um projeto que altera as regras da correção do FGTS, aumentando o índice de aumento desses recursos. Na sequência, a Câmara votou as alterações feitas pelo Senado a um projeto de lei que muda as regras para a renegociação das dívidas dos estados com a União (leia abaixo).Ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro, o deputado Wadih Damous (PT-RJ) disse que a PEC tornaria ainda mais vulneráveis menores de idade que se encontram em situação precária. “Esta PEC, se aprovada, criaria lacunas que seriam preenchidas pela interpretação. Quem vai interpretar? Os delegados de polícia, os promotores, os juízes, que vão, como sempre, interpretar desfavoravelmente aos mais vulneráveis”, disse Damous na tribuna.Para a deputada Keiko Ota (PSB-SP), era preciso dar uma resposta à sociedade, uma vez que quase 90% da população defendem a redução da maioridade penal. “Esse é um reflexo do medo, do pavor de ser vítima de menores que matam, estupram crianças, jovens e até idosos”, afirmou a parlamentar, que teve o filho de 8 anos, Ives Ota, assassinado em 1997.