Valor econômico, v. 16, n. 3779, 18/06/2015. Brasil, p. A3

 

Governo vai deixar Congresso definir meta fiscal

 

Por Raymundo Costa e Leandra Peres | De Brasília

A estratégia do governo para viabilizar a redução da meta fiscal deste ano é deixar que o Congresso lidere a discussão do ajuste e evite, assim, um desgaste da equipe econômica. A alteração do superávit primário de 1,2% do PIB para 0,6% do PIB já foi apresentada pelos líderes do governo ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que não se opôs.

De acordo com um integrante da base aliada, Levy, na conversa, não fez nenhum comentário sobre a proposta do Congresso, o que foi entendido como um sinal velado de apoio. O Valor apurou que o ministro considera uma meta de 0,6% do PIB muito baixa.

A interlocutores, Levy tem demonstrado contrariedade com os resultados fiscais ruins que serão anunciados nos próximos meses. Em maio, a arrecadação ficou cerca de R$ 4 bilhões abaixo do previsto pela Fazenda. Os números preliminares de junho não trouxeram alento e, de acordo com uma autoridade, continuam "péssimos".

Há consenso no governo de que meta de 1,2% do PIB deste ano terá que ser revista. O ministro Levy, no entanto, não deu pistas de como conduzirá a discussão. Ao descrever o silêncio do ministro, a autoridade ouvida pelo Valor diz que é típico de Levy ficar fora da discussão quando quer ver um ideia testada e medir a receptividade no mercado financeiro e no próprio governo.

A intenção da área política é trabalhar com um superávit mais baixo na lei, mas reconhecer que o governo deve perseguir pelo menos 0,8% do PIB este ano. Além disso, aumentará o gradualismo na política fiscal. Em vez de um resultado de 2% do PIB em 2016, o governo trabalharia com uma meta de 1,5% do PIB, chegando aos 2% do PIB apenas em 2017.

Deputados e senadores podem alterar a meta da LDO do ano que vem, mas a revisão do superávit primário de 2015 depende de um projeto do Executivo, como foi feito em 2014.

Do ponto de vista político, o governo também busca uma forma de não aprofundar a recessão econômica. O aperto necessário para chegar a um primário de 1,2% do PIB seria, na visão da área política, um gatilho para aumentos ainda mais acentuados na taxa de desemprego, com consequências sobre a popularidade já deprimida da presidente Dilma Rousseff.

A outra consideração é de natureza legal. A definição do superávit primário está na LDO e se não for cumprida implica crime de responsabilidade. Ou seja, diante da impossibilidade de alcançar 1,2% do PIB, o governo também precisa que o Congresso aprove uma meta ajustada.

Até abril, o superavit primário acumulado pelo setor público é de R$ 32,4 bilhões para uma meta anual de R$ 66 bilhões no ano. No acumulado em 12 meses, as contas públicas mostram uma tendência bem menos favorável, com déficit primário de R$ 42,6 bilhões, o equivalente a 0,76% do PIB.

 

Investimentos da União diminuem quase 40% em 2015

 

Por Ligia Guimarães | De São Paulo

Nos primeiros cinco meses de 2015, o ajuste fiscal atingiu em cheio os investimentos públicos. Balanço feito pela associação Contas Abertas, com base nos dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), aponta que os investimentos da União, sem incluir as estatais, caíram de R$ 23,79 bilhões, de janeiro a maio de 2014, para R$ 14,44 bilhões em valores correntes este ano, queda de 39,3%.

O número se refere ao total pago na execução orçamentária e antecipa a tendência dos gastos do governo, já que o resultado fiscal de maio só será divulgado pelo Tesouro no fim de junho.

O corte atinge inclusive áreas prioritárias para o governo. No Ministério da Educação, setor que é a principal bandeira do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, os investimentos pagos no Orçamento caíram de R$ 3,8 bilhões para R$ 2,53 bilhões. No Ministério da Saúde, a redução foi de R$ 835,8 milhões, para R$ 1,093 bilhão; no Ministério do Desenvolvimento Social, o investimento executado no Orçamento caiu R$ 331,7 milhões entre janeiro e maio, de R$ 385 milhões para R$ 53,6 milhões. O programa Minha Casa, Minha Vida baixou a execução orçamentária no ano para R$ 6,1 bilhões, ante R$ 8,5 bilhões no mesmo período de 2014.

 

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A maior retração foi observada no Ministério da Defesa, que aplicou R$ 2,8 bilhões a menos neste ano do que em 2014 em valores correntes, passando a R$ 2,1 bilhões. Transportes teve baixa de R$ 1,7 bilhão. O Desenvolvimento Agrário, que bateu recordes de investimentos em 2014, cortou em R$ 2,1 bilhões os desembolsos, para R$ 101,5 milhões.

As empresas estatais também apertaram os investimentos. Nos quatro primeiros meses do ano, R$ 24,6 bilhões foram investidos nas companhias computadas no Relatório de Execução Orçamentária do Ministério do Planejamento. Em 2014, R$ 29,2 bilhões foram gastos pelas empresas em obras e na compra de equipamentos.

Gil Castelo Branco, economista e um dos fundadores do Contas Abertas, atribui a redução dos aportes da União também ao atraso na aprovação do Orçamento de 2015. "E o atraso não é só culpa do Congresso, porque a equipe econômica anterior havia encaminhado um projeto totalmente descolado da realidade, a equipe atual teve que refazer", diz. "E, no caso dos investimentos, você não pode gastar enquanto o Orçamento não é aprovado", diz Castelo Branco.

Embora concordem que cortar investimentos em meio à recessão reforça as perspectivas de retração da economia e arrecadação tributária fraca, os economistas ouvidos pelo Valor afirmam que tal caminho era inevitável para a equipe econômica chefiada por Joaquim Levy. Para Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, "90% da despesa pública você não consegue reduzir rapidamente em um ano. O investimento é a única despesa que o governo consegue cortar de forma muito rápida, como o governo fez em 2003 e 1999", diz.

Nos cálculos de Mansueto, que além dos dados do Siafi utiliza os dados do Tesouro para monitorar as contas públicas, a média mensal de corte do investimento público do governo central em 2015 foi de R$ 2,75 bilhões até agora. Se essa média se mantiver até agosto, ele prevê que em oito meses deste ano o governo conseguirá cortar toda a expansão real do investimento público do primeiro governo Dilma.

Além disso, Mansueto estima que, se a média dos cortes se mantiver até o fim do ano, em 12 meses o corte do investimento será um pouco acima de R$ 30 bilhões, ou 0,6% do PIB, o que levará o investimento para 0,8% do PIB, patamar do investimento público do governo central de 2008.

Para Mansueto, o governo "gastou" suas políticas anticíclicas em momentos desnecessários e, por isso, não tem outro caminho em 2015. "Em um país normal, o ideal hoje era o país estar aumentando o investimento público para combater a crise, como o governo fez em 2009", diz. "Se não tivesse dado início a programas para os quais não tinha recurso fiscal, como as desonerações, neste momento era para se estar discutindo medidas que sinalizassem o controle do gasto ao longo do tempo, reduzindo o primário e aumentando o investimento público."

Sobre a distribuição dos cortes entre as pastas, a única crítica de Mansueto refere-se à redução em transportes, área que abriga as obras em infraestrutura que o governo vem tentando estimular com um novo pacote de concessões. "É uma anomalia, porque é um ministério que nos últimos quatro anos já teve queda muito forte na execução", afirma.

Mesmo prevendo que o governo não irá cumprir a meta e entregar superávit primário de 1,2% do PIB em 2015, Mansueto considera que qualquer resultado entre 0,3% e 0,8% mostrará uma mudança de política fiscal bastante expressiva.

"Se o governo entregar 0,6% é como se fosse 1,2%, se tivesse recebido o superávit primário em zero [em 2014], que era o que se esperava [o ano fechou com déficit primário de 0,6%]. " O planejamento fiscal também considerava que a economia crescesse 1% este ano, contra a previsão atual de queda de pelo menos 1,5%.

Dentro do cenário para este ano, Levy está cumprindo bem seu papel, avalia Mansueto. "O ano que vem vai ser possivelmente de queda de juros, o governo vai começar a aumentar investimentos, você vai estar possivelmente com algumas concessões andando, e o investimento privado pode aumentar um pouco. No próximo ano, vai começar a recuperação, mas uma coisa muito gradual, muito lenta."