Leônidas Pires, 94 anos, general

Correio braziliense, n. 19002, 05/06/2015. Política, p. 3

André Shalders

Morreu ontem, no Rio de Janeiro, o general e ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, aos 94 anos de idade. Ele faleceu em decorrência de uma isquemia mesentérica. Leônidas Pires foi ministro do Exército entre 1985 e 1990, durante o governo do ex-presidente José Sarney (PMDB). Segundo relatos, Leônidas garantiu o fim do ciclo de generais na presidência, ao impedir uma contra-ofensiva de militares que não aceitavam a eleição de presidentes civis. Em suas últimas falas públicas, Leônidas fez questão de defender a necessidade do golpe militar e de criticar a Comissão da Verdade, que atuou no país entre 2011 e 2014.

Leônidas estava hospitalizado havia cerca de duas semanas, em decorrência de uma queda, na qual fraturou o fêmur. Ele se preparava para uma operação, quando sofreu a isquemia, no começo da tarde de ontem. O velório ocorrerá entre as 8h30 e as 11h30 de hoje, no Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste. Às 13h, o corpo segue para o Cemitério do Caju, no centro do Rio. A morte foi confirmada pelo Exército no começo da noite de ontem. Leônidas deixa a esposa, Dóris Pires Gonçalves, dois filhos, quatro netos e sete bisnetos.

Leônidas cumpriu papel fundamental ao garantir a posse de José Sarney em março de 1985, na esteira do adoecimento de Tancredo Neves, eleito indiretamente como o primeiro civil depois da ditadura militar (1964-1985). Com o adoecimento de Tancredo, que viria a falecer semanas depois, havia o temor de que militares da chamada “linha dura” tentassem pôr fim à transição para o poder civil, organizada por Ulysses Guimarães e pelo general João Batista Figueiredo, último presidente militar. “Se não fosse a determinação e a chefia dele à frente das Forças Armadas, não podemos saber o que teria acontecido. Ele foi de grande lealdade não só a mim, como às instituições democráticas”, disse ontem José Sarney ao Correio.

Em 2004, reportagem do Correio revelou como o então ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência, Leitão de Abreu, arquitetou a destituição do antecessor de Leônidas no Ministério do Exército, Walter Pires, na véspera da posse de Sarney, ocorrida em 15 de março de 1985. ‘‘A decisão deles (sobre a posse de Sarney) já está tomada’’, disse Leitão a Walter Pires na noite de 14 de março daquele ano. ‘‘Então, só me resta voltar daqui a pouco para o Ministério do Exército e preparar tudo’’, comentou Walter Pires.


‘‘O senhor não tem mais nada o que fazer no Ministério do Exército. O senhor não é mais ministro. Desde a meia-noite, o ministro do Exército é o general Leônidas Pires Gonçalves’’, respondeu Leitão. Leônidas assumiu de fato a pasta no dia seguinte. O objetivo era desmobilizar qualquer reação de Pires ou do então comandante Militar do Planalto, o general Newton Cruz.

Em suas últimas declarações públicas, Leônidas defendeu o “legado” do golpe de 1964 e criticou a Comissão Nacional da Verdade, que entregou o relatório final em dezembro passado. “O Exército não é um intruso da história brasileira, mas um instrumento da vontade nacional. Atendemos aos apelos veementes da sociedade. Se as coisas continuassem como eram no governo João Goulart, não teríamos democracia nem liberdade. Sou muito feliz por ter a nossa democracia, levamos vinte anos para chegar a ela”, disse ele, em março do ano passado, ao jornal Folha de S. Paulo.

Comissão da Verdade
Sobre a Comissão da Verdade, Leônidas disse ao jornal O Estado de S. Paulo, em maio de 2012, tratar-se de uma “injustiça que está sendo feita com o Exército”. “Embora o discurso seja de que não haverá punição com esta Comissão da Verdade, já estão promovendo a maior punição ao Exército, que está tendo o seu conceito abalado injustamente”, disse ele, que também rechaçou mudanças na Lei de Anistia.

Nascido em Cruz Alta (RS), em 1921, Gonçalves graduou-se como aspirante na Escola Militar do Realengo, no Rio, em 1942. Ele participou da 2º Guerra Mundial como um dos 2 mil militares que defenderam o litoral sul do país. Na ocasião do golpe, em 1964, servia no Estado-Maior do Exército sob o comando de general Humberto Castello Branco, que se tornaria o primeiro presidente do regime militar. Leônidas também ocupou o cargo de comandante militar da Amazônia e o de comandante do III Exército, no sul do país.