Canhedo acusado de fraude

Correio braziliense, n. 18989, 23/05/2015. Cidades, p. 21

Renato Alves

Helena Mader

Antes líder do mercado de transporte público do Distrito Federal, a família Canhedo sofreu ontem o mais duro golpe desde a eliminação do sistema de ônibus da capital, em 2013. O conglomerado de empresas que tinha a Viplan como carro-chefe foi alvo de uma operação da Polícia Federal contra um esquema de fraude fiscal que pode chegar a R$ 875 milhões. Os donos são suspeitos ainda de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e falsidade ideológica. O grupo é dono de ao menos sete empresas ligadas aos ramos de transporte, turismo e hotelaria. Entre eles, o Hotel Nacional, que já foi o mais badalado de Brasília. Segundo as investigações, ele vinha sendo usado para sonegação, pois só recebia e fazia pagamentos em dinheiro, sem prestar contas ao Fisco.


O empresário Wagner Canhedo Filho, dono da extinta empresa aérea Vasp, foi preso. Em princípio, ele seria levado à Superintendência da PF apenas para prestar depoimento, por meio de condução coercitiva. Mas acabou detido por posse ilegal de arma. Na casa dele, agentes encontraram duas armas com registro vencido e uma sem registro. O empresário pagou R$ 38 mil de fiança e foi liberado por volta das 13h, após ser interrogado. Os policiais cumpriram 18 mandados de busca e apreensão e 11 mandados de condução coercitiva durante a Operação Patriota — uma referência ao Hotel Nacional.


Por decisão da Justiça, a administração das empresas ficará a cargo de um auditor fiscal indicado pela Receita Federal. Com o afastamento dos diretores, a PF pretende garantir o funcionamento das empresas e os empregos dos funcionários, além de assegurar o levantamento dos valores devidos ao fisco. Chefe da Delegacia de Combate a Crimes Financeiros da PF, o delegado João Thiago Oliveira Pinho contou que o grupo usava empresas de fachada em nome de laranjas para desviar o dinheiro que deveria ser recolhido para pagamento de impostos. “Essas empresas transferiam grande parte do patrimônio para empresas laranjas em nomes de familiares e ex-funcionários e faziam operações de empréstimos que eram de gaveta”, afirmou.

Defesa
O advogado de Wagner Canhedo Filho, Ticiano Figueiredo, explicou que a defesa ainda não teve acesso ao processo e, por enquanto, a decisão ainda não está clara. “Primeiro, precisamos entender o alcance desse afastamento. É muito complicado afastar gestores de um grupo empresarial e colocar interventores, como se o Brasil fosse um país comunista”, criticou. “Temos que entender se o auditor que ficará responsável pelo grupo vai apenas fiscalizar ou se ele vai gerir as empresas. Se for assumir o comando, é quase uma desapropriação”, acrescentou Ticiano. A defesa de Canhedo entrará com embargos para esclarecer a decisão e depois vai recorrer.


Os Canhedos vinham sendo investigados há um ano. “Mas ele (o grupo) vem fugindo da execução fiscal e cometendo diversas fraudes há décadas”, ressaltou o delegado João Thiago Oliveira Pinho. “Uma dívida de R$ 875 milhões é de difícil recuperação, mas medidas como essa vão ajudar a resgatar esse dinheiro, que é público, fruto de impostos não pagos”, ponderou. Ele observou que a substituição da gestão dos empreendimentos “é um caso relativamente inédito de forma que o gestor atual será substituído por um auditor da Justiça”. Ao menos dois carros foram apreendidos durante a operação.


A operação contou com a parceria da Procuradoria da Fazenda Nacional. O procurador Pablo Pedrosa disse acreditar que será difícil a recuperação do dinheiro supostamente desviado. “Somente a partir de 2014 a gente identificou esse processo de operação e obtivemos decisões judiciais favoráveis no âmbito da execução fiscal que acabaram resultando nessa parceria”, contou.

Esquema
O Ministério Público Federal chegou a pedir a prisão preventiva de Wagner Canhedo Filho e de Wagner Canhedo Neto. Mas a Justiça entendeu que o afastamento da gestão das empresas era suficiente para pôr fim ao esquema criminoso. “No momento, a medida (afastamento) mostra-se suficiente para impedir a continuidade dos supostos ilícitos, obstando a ocultação de receitas e evasão de divisas que frustrem a garantia dos credores”, diz trecho da decisão.


Por conta da posse da arma sem registro, a 6ª Vara Criminal de Brasília abriu inquérito criminal contra Wagner Canhedo Filho ontem à tarde. Ele foi indiciado por infringir o artigo 12 do Estatuto do Desarmamento. Esse dispositivo legal prevê pena de um a três anos de prisão para quem “possuir sob a guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal, no interior de sua residência”.


Wagner Canhedo Filho é alvo de 49 processos que tramitam na Vara de Execução do Tribunal de Justiça do DF, todas envolvendo a Viação Planalto (Viplan). A maioria está relacionada a dívidas tributárias, principalmente de ICMS. Além disso, correm na Justiça Federal do DF 43 processos de execução fiscal contra o empresário, boa parte deles por conta de débitos de INSS e de FGTS de empresas de Canhedo.