Título: Acidentes de trabalho se multiplicam
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Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2011, Opinião, p. 20

Fortes indícios apontam para criminosa negligência nas três mortes ocorridas na manhã de quinta-feira no canteiro de obras do Instituto da Criança e do Adolescente (ICA), no câmpus da Universidade de Brasília. Havia quase quatro meses, "tamanho desrespeito às normas de higiene e segurança" no local fora denunciado à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego por diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Brasília. No ofício, em que solicita inspeções, o sindicalista relaciona nada menos do que 13 irregularidades. Não bastasse, menos de 24 horas antes do soterramento dos operários, um fiscal da UnB determinara a interdição dos trabalhos, que teriam sido retomados tão logo ele deixou a área. Também há testemunhos de empregados e familiares dos mortos atestando a insegurança com que eram obrigados a conviver.

As causas do acidente serão definidas em laudo pericial previsto para ficar pronto em 30 dias. Só a conclusão do inquérito aberto na 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte) determinará a responsabilidade da Construtora Anhanguera Ltda., do engenheiro-chefe e do mestre de obras. Incriminados, poderão responder por homicídio culposo (sem intenção de matar), cuja pena varia de um a três anos de cadeia para cada uma das mortes. As perdas são irreparáveis. Mas a lei assegura aos beneficiários de cada acidentado o direito a receber o equivalente a dois terços do salário a que ele faria jus até a data em que completaria 72,5 anos, mais danos morais e eventuais. Por fim, há que apurar também a omissão do Ministério do Trabalho.

O fato é que as três vítimas faziam escavações e limpeza de buraco com seis metros de profundidade, sem que os barrancos estivessem escorados. Resultado: a terra cedeu e eles foram soterrados. Agora contam-se 11 mortes em canteiros de obras este ano no DF, quase o dobro do total de 2010 (seis). Sem efetivo combate ao descaso, com fiscalização e prevenção rigorosas, o quadro macabro tende a se agravar. Não só na capital da República. Em maio, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Oreste Dalazen, alertou para o crescimento das estatísticas em âmbito nacional. Depois de uma queda constante entre 1975 e 2000, os casos aumentaram 84% de 2002 a 2009. O ministro considera urgente a adoção de uma política de prevenção, com ações concretas ¿ teme que as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 piorem a tragédia.

A cada 24 horas, 43 trabalhadores morrem ou se tornam inválidos no Brasil em decorrência de acidente de trabalho. As consequências mais dolorosas recaem, naturalmente, sobre os trabalhadores e famílias. Mas as empresas e o Estado também são afetados, econômica e financeiramente, seja com despesas médicas e hospitalares, seja com indenizações e seguros, sem contar o preço dos dias parados de cada acidentado. Se o mercado está aquecido, em especial o da construção civil, não é motivo para negligenciar a segurança. O ritmo crescente das contratações precisa ser acompanhado, na mesma marcha, por mais investimentos na proteção dos empregados. E também por mais fiscalização pública e celeridade da Justiça, pois a impunidade alimenta a incúria.