Título: Muito além da corrupção
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2011, Política, p. 7

David Byrne é um visionário. Ex-líder do Talking Heads, uma das melhores bandas de música pop das décadas de 1970 e 1980, ele trata de disseminar ideias em contraposição à normalidade dos conceitos sociais preestabelecidos. A nova luta escolhida pelo homem de 59 anos é mudar os espaços urbanos.

Byrne virou um ativista. É a favor das bicicletas. Viaja pelo mundo a falar sobre a necessidade de governos e pessoas estimularem a construção de ciclovias. No início deste mês ele esteve em Paraty para lançar o livro Diários de bicicleta, da editora Manole, onde defende a inversão da lógica dos carros.

Ao longo das últimas três semanas, a política de transportes no país foi exposta. O que se viu e se vê é uma das imagens mais duras de como as indicações políticas aliadas à incompetência e à corrupção causam a desestrutura de algo raro ao cidadão e às empresas: a capacidade de se deslocar.

Homens instalados no Ministério dos Transportes podem ter usurpado mais do que verbas dos cofres públicos. Eles tiraram do país a capacidade de pensar políticas eficientes. Ou alguém imagina que ao longo dos oito anos esses camaradas se preocuparam com a qualidade de vida dos brasileiros?

O que ficou exposto foram negociatas, superfaturamentos e irregularidades em obras, estradas e ferrovias. É demais esperar algo que valorize sustentabilidade nas construções, iniciativas de mobilidade urbana ou qualquer coisa parecida. Nunca na história deste país apareceram tantas denúncias.

Em entrevista a Luiz Carlos Azedo, deste Correio, a presidente Dilma Rousseff disse que trocará todos os integrantes da cúpula federal e dos estados. É uma faxina, por mais que a petista fale em renovação. Mas bem que a nova turma que vai assumir poderia começar ouvindo as músicas do Talking Heads.

Prioridades A professora Liedi Bernucci, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), acredita que a corrupção atrapalha a execução de ideias das políticas públicas. Em entrevista à coluna, afirma que é necessário inverter prioridades:

Até que ponto a corrupção atrapalha o país? trapalha em vários aspectos. Como cidadão, acredito que com a corrupção qualquer política pública fica comprometida. As prioridades acabam, os preços se elevam, tudo se atrasa. Mas isso não quer dizer que não tenha gente séria, que pensa projetos, os verdadeiros técnicos e servidores do país, que acabam isolados pelo processo de corrupção. Isso é algo, evidentemente, muito danoso para o país.

Por que as ciclovias nunca são prioridade? nfelizmente, nosso país é atrasado nesse aspecto. Temos a cultura do atraso, a de quem usa bicicleta é pobre. Isso tem de mudar e se muda com educação. Por aqui, as pessoas valorizam os carros ao extremo. Assim, não é só um problema de gestão, mas cultural. É preciso mudar as duas coisas, rapidamente.

Quais os projetos alternativos de transportes? Em alguns países, a área de transporte está ligada ao ministério do meio ambiente, o que mostra uma outra maneira de pensar a política. Aqui, 60% do transporte de carga é feito por rodovias, que são necessárias, mas é preciso ter um aumento do transporte ferroviário. Inverter a matriz.