Título: Aprendiz de Lula
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Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2011, Mundo, p. 14

Ollanta Humala toma posse no Peru e reafirma a opção pelo exemplo de moderação do ex-presidente brasileiro

O nacionalista Ollanta Humala assumiu ontem a Presidência de um Peru politicamente dividido: ouviu algumas vaias no Congresso e não recebeu a faixa do antecessor, Alan García, que faltou à cerimônia, alegando que receava ser hostilizado. Humala, militar reformado de 49 anos, fez questão de aproveitar o discurso de posse para reafirmar que, embora não acredite em importar modelos, elegeu como exemplo a imitar o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva ¿ e não mais o colega venezuelano, Hugo Chávez, cuja simpatia lhe custou a vitória em 2006.

Eleito em segundo turno com 52% dos votos, o presidente inicia o mandato com aprovação de apenas 41%. E, embora empenhado em apaziguar os ânimos, provocou reações explícitas de descontentamento ao pronunciar o juramento de posse, no qual rejeitou explicitamente a Constituição de 1993, redigida sob regime de exceção durante o governo de Alberto Fujimori, hoje preso por corrupção e violação dos direitos humanos. "Defenderei a soberania nacional, a ordem constitucional e a integridade física e moral da República e suas instituições democráticas, honrando o espírito, os princípios e os valores da Constituição de 1979", disse Humala, no Congresso, sob os protestos de deputados simpáticos ao ex-governante. A líder da bancada fujimorista, Martha Chávez, chegou a exibir uma cópia da Carta de 1993, e acusou o presidente empossado de "ignorar o ordenamento jurídico".

Antes mesmo do incidente com os adversários de direita, Humala já tinha enfrentado outro incômodo. O presidente Alan García, acusado pela campanha do vencedor de ter apoiado veladamente no segundo turno a direitista Keiko Fujimori, negou-se a comparecer ao Congresso para colocar a faixa no sucessor. Ele preferiu entregar o símbolo de poder ao chefe da Casa Militar, que o passou ao presidente do Congresso, Daniel Abigattás. García alegou que não recebeu "garantias" de que não seria vaiado na sede do Legislativo. Quando passou o cargo para Alberto Fujimori, em 1990, depois de um governo considerado catastrófico, o país amargava hiperinflação, paralisia econômica e uma escalada de violência da guerrilha comunista Sendero Luminoso ¿ e García, então um populista de esquerda, foi alvo de protestos.

"Para todos" Humala procurou aparentar força e mostrar-se confiante no futuro. No discurso, afirmou o compromisso de acabar com o "dilacerante rosto da exclusão e da pobreza" e construir "um Peru para todos" ¿ bordão inspirado no slogan publicitário oficial do governo Lula, "Brasil, um país de todos". O presidente peruano foi orientado na campanha eleitoral pelo publicitário João Santana, ligado à campanha de Lula, e pelos dirigentes petistas Luís Favre e José Dirceu. Além da orientação social, o novo governante remeteu-se a Lula também ao prometer formalmente o respeito aos contratos firmados pelos antecessores com empresas peruanas e estrangeiras.

"Os acordos comerciais com países amigos serão honrados", disse Humala, endereçando-se em especial à colega brasileira, Dilma Rousseff ¿ a quem fez a primeira visita oficial depois de eleito. A fala ajudou a reduzir um pouco a apreensão de investidores como a estatal Petrobras, a construtora Odebrecht e os exportadores brasileiros quanto ao risco de mudanças e atitudes extremadas num país que cresceu em média de 6% ao ano, na última década, e atrai cada vez mais o capital brasileiro.