Escola de Música de Brasília (EMB) virou um terreno de insatisfações cultivadas ao longo do último ano e que afetaram o andamento administrativo e pedagógico da instituição. Descontente com a atuação de Ayrton Pisco, atual diretor da escola e eleito pelos membros da instituição no final de 2013, um grupo de professores e integrantes do Conselho Escolar quer a exoneração do atual gestor sob alegação de má gestão e difamação.

A guerra entre a direção e parte do corpo docente foi instalada no fim do ano passado, quando os professores decidiram não realizar o Curso Internacional de Verão da Escola de Música (Civebra) caso fosse feito no modelo proposto pela Secretaria de Educação. Na semana passada, a situação piorou quando Pisco conseguiu na Justiça uma liminar para impedir a realização de uma assembleia do Conselho Escolar durante a qual os professores votariam um documento para sugerir ao governador a exoneração do diretor. Desde então, uma lista de problemas e desentendimentos veio à tona e opôs um grupo de 193 professores à direção da escola. No total, a EMB conta com um corpo docente de 220 pessoas.

Os professores acusam Pisco de ferir a Lei da Gestão Democrática 4.751/2012 ao não acatar as recomendações do Conselho Escolar sobre a gestão e administração da entidade. Segundo eles, Pisco não nomeou os sete coordenadores responsáveis por orientar os alunos, não participa das reuniões de coordenação, mudou o nome da escola à revelia da comunidade e ignorou o plano de distribuição de aulas proposto pelo corpo docente, o que já teria perturbado o primeiro semestre de aulas. “Estamos sofrendo com a falta de visão do que a escola precisa. A nossa insatisfação ficou maior a partir de abril de 2014, porque ele não participava das reuniões”, diz Oswaldo Amorim, professor de contrabaixo elétrico.

Difamação

Para o diretor, os professores estariam enfurecidos porque ele decidiu cobrar presença e cortar o ponto dos faltosos. “Uma vez na direção, me vi diante de práticas que eram lesivas à boa administração: não ter rigor na assinatura do ponto nem no cumprimento de horário de trabalho. Fiquei chocado com isso. Não sou um representante para defender o interesse corporativo, sou um gestor público”, garante Pisco. A acusação indignou os professores, que se sentiram difamados. “É fácil fazer uma acusação dessas e não apresentar provas. Nunca defendemos privilégio nem picaretagem, porque isso faz mal para toda uma classe”, diz Amorim.

Para o violonista Roberto Corrêa, a situação é catastrófica. No ano passado, ele chegou a ser devolvido para a Secretaria de Cultura por “não ter habilitação específica”, segundo um procedimento de remanejamento assinado pela então assessora da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto, Sirley Azevedo. “O que a gente está vivendo aqui é um clima de opressão”, diz Corrêa, que pede ao diretor que, se há professores que não dão aula e assinam o ponto, que ele se dirija a eles e não à classe.

“Se isso acontece na escola, devem ser casos isolados, que precisam ser apurados e resolvidos. É uma questão simples, de controle de ponto. Acho muito triste que o diretor esteja buscando desqualificar o corpo docente para desviar o foco das discussões e das necessidades essenciais da escola, que ele não está conseguindo gerir”, destaca Corrêa.

Protesto

O músico e compositor aponta ainda que o movimento não é apenas dos professores, mas também dos alunos. Estes, inclusive, organizam para esta semana um ato de protesto contra a gestão de Pisco. “Essa é a maior demonstração de falta de gestão democrática e de ética. Estamos vivendo a desconstrução de um patrimônio. Isso prejudica os alunos. O clima é ruim e os professores estão à flor da pele”, diz Valéria Fajardo, matriculada em canto popular e representante dos alunos no Conselho Escolar.

Ela também ficou indignada com a liminar que suspendeu a assembleia do órgão. “Não foi uma simples liminar para suspender”, explica. “Ele fez um mandado, uma intimação na qual temos 15 dias para contratar advogado e apresentar defesa. Fazemos um trabalho voluntário! Quem fez toda a gestão disso, o advogado, é da família dele, o escritório de advocacia é da família dele e a família dele vem para cá e intimida as pessoas, ameaçando. Fomos parar na polícia no último dia 22 porque eles intimidaram as pessoas.”

O barítono Francisco Frias, que já foi diretor da escola e há 30 anos dá aulas de canto erudito na instituição, também se sentiu ofendido. “Sei que existem professores que não cumprem carga, mas é porque não tem aluno. Quem abre vaga na escola é o diretor e cabe à Secretaria de Educação perguntar por que essas vagas foram abertas”, diz Frias. “Um dos problemas que tive quando fui vice-diretor foi com o Ayrton, que não cumpria os horários dele.”

Turmas

Pisco diz não ter aceitado o plano de aulas proposto pelos professores porque queria otimizar a eficiência da escola impondo as mesmas regras que regem as outras instituições da Secretaria de Educação. Ou seja, determinar números fixos de turmas e deixar que os professores escolham em quais dar aulas. No modelo atual, os alunos podem escolher com que professores querem ter aula, uma estrutura comum em conservatórios e escolas de música. “Houve uma reação descomunal”, garante Pisco. “Quando você organiza, você otimiza a escola. No serviço público, tem que ter regra .”

Professora de piano, Ana Cândida lembra que o plano de distribuição de aulas foi feito levando em conta as instalações da escola e as carências do espaço. “Mesmo com o espaço sucateado, conseguimos fazer uma distribuição. Ele ignorou essa previsão”, diz Ana.

O violinista Raimundo Nilton, professor da EMB há 29 anos, aponta os conflitos na escola como fruto de uma briga política. Ele confessa não ter votado nem apoiado Ayrton Pisco durante as eleições para a direção, mas decidiu defender a postura do diretor por convicção institucional. “A EMB reflete o que está acontecendo no Brasil”, diz Nilton. Pisco foi eleito e empossado pelo governador, ele é legítimo. E ele está seguindo as portarias da secretaria, que já disse ‘vocês o elegeram, vocês que resolvam’

“Essa é a maior demonstração de falta de gestão democrática e de ética. Estamos vivendo a desconstrução de um patrimônio. Isso prejudica os alunos”

Valéria Fajardo, representante dos alunos no Conselho Escolar


220
Número de professores na escola


Queixas

Civebra

l Os professores alegam que o 37ª Civebra teria sido realizado com dinheiro do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (Pdaf), dinheiro destinado a ser usado para consertos e necessidades da escola. Ayrton Pisco diz que o valor de R$ 1,4 milhão utilizado no curso não veio do Pdaf e sim do orçamento da secretaria de cultura. No entanto, um decreto do governadorRodrigo Rollemberg publicado no Diário Oficial em 26 de janeiro autoriza a utilização do orçamento do Pdaf no curso de verão. Em 2015, a contrapartida para a EMB foi a maior dos últimos quatro anos. Graças à realização do Civebra, a escola comprou harpa, tímpano e trompas, além de cadeiras novas no Auditório Maestro Levino de Alcântara.

Conselho escolar

l É um instrumento de fiscalização e mobilização da comunidade escolar, previsto na Lei 4.751 e destinado a resolver conflitos nas escolas. Os professores da EMB reclamam que Ayrton Pisco ignora todas as deliberações do conselho, hoje formado por nove representantes de pais, alunos, professores e servidores da instituição. “O conselho quer assumir o papel de direção da escola. Ele existe para apreciar planos de gestão, para fiscalizar, para servir de instância recursal, não é órgão de direção da escola”, diz Pisco.

Atividades culturais

l Desde o segundo semestre de 2014, as apresentações nos auditórios da EMB, espaços conhecidos como redutos da música de câmara na cidade, rarearam. Segundo o diretor, isso aconteceu porque a secretaria de Educação não aprovou as horas extras dos professores destinadas a esse tipo de atividade. Conhecidas como concertos didáticos, essas apresentações ajudam na formação da plateia e dos próprios músicos. Pisco sugere que os professores utilizem os horários destinados aos ensaios e à preparação de aulas para realizar os concertos, mas os professores alegam que esse tempo deve ser destinado ao preparo do conteúdo pedagógico.

Nome da escola

l Quando voltaram de férias no ano passado, os professores constataram que o diretor havia mudado o nome da instituição paraEscola Maestro Levino de Alcântara. Descontentes, alunos e professores fizeram um abaixo-assinado para reverter o fato. O nome da escola tem reconhecimento nacional e os professores acharam que a retirada de Brasília do nome da instituição iria ofuscar o reconhecimento. “Podia ser uma escola de qualquer lugar”, diz Oswaldo Amorim. O nome da escola foi alterado e passou a serEscola de Música de Brasília — Maestro Levino de Alcântara.