Na trilha da Operação Lava-Jato, a Receita Federal criou um grupo para investigar sonegação fiscal e outros crimes tributários cometidos por empreiteiras, doleiros e servidores públicos a partir do esquema de desvio de dinheiro na Petrobras. A informação foi revelada ao GLOBO por uma autoridade que acompanha as investigações.

A fiscalização especial poderá resultar em multas pesadas para empresas e pessoas físicas que movimentaram somas expressivas não declaradas ao Fisco. Na segunda etapa, a fiscalização poderá atingir partidos políticos beneficiados com recursos desviados de contratos de empreiteiras com a estatal.

A força-tarefa já começou a atuar. A base do trabalho, por enquanto, são os inquéritos e processos franqueados pela 13ª Vara Federal de Curitiba desde o início da Operação Lava-Jato. Os fiscais da Receita estão fazendo a investigação na ordem cronológica em que cada caso de corrupção apareceu nos inquéritos criminais. As propinas depositadas em contas no exterior estão na mira.

— Algumas fiscalizações começaram mais cedo, outras um pouco mais tarde. É muito trabalho. Estão na ordem das operações os doleiros, os operadores do esquema e por aí vai — disse ao GLOBO uma fonte vinculada ao caso.

SÓ COM OS DELATORES, R$ 500 MILHÕES

Pelas informações da Receita, caso seja comprovada a sonegação fiscal, as multas serão de, no mínimo, 75% do valor devido e não informado ao Fisco — além da devolução dos valores devidos já corrigidos. Ainda não há um cálculo do valor sonegado, mas só os bens e valores acumulados por cinco delatores estão na casa dos R$ 500 milhões, conforme o Ministério Público Federal.

Nesta primeira etapa, a fiscalização está concentrada nos negócios dos quatro doleiros que foram alvo da Lava-Jato, e nas empresas e empreiteiras que fizeram transações com eles, especialmente com Alberto Youssef. O doleiro é apontado como um dos chefes de uma das organizações acusadas de fraudar contratos com a Petrobras. Os outros doleiros são Nelma Kodama, Raul Sour e Carlos Habib Chater, que, assim como Youssef, estão presos.

A investigação sobre os partidos e os políticos acusados de receber propina do esquema na Petrobras dependerá dos desdobramentos da investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já está preparando os pedidos de abertura de inquérito contra políticos. Nessa frente, uma força-tarefa criada pelo procurador está depurando os 42 casos de corrupção relatados por Youssef e Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras.

As investigações do Fisco deverão se limitar a movimentação financeira dos últimos cinco anos. Transações registradas em data anterior a este prazo perdem efeito para fins fiscais. Ou seja, estão fora do alcance do Leão. A Receita só poderia colaborar nas investigações do crime de evasão fiscal, que prescreve depois

LIGAÇÃO COM O "SWISSLEAKS"

Numa outra frente, a Receita Federal vai pedir a autoridades francesas informações adicionais sobre brasileiros que fizeram movimentação na filial suíça do HSBC, que é acusada de acobertar um grande esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas de parte de seus clientes. Segundo o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, que realiza uma apuração batizada de “SwissLeaks”, 5,5 mil brasileiros mantinham contas no HSBC, parte delas com dinheiro não declarado ao Fisco. Pelo menos 11 dessas pessoas estão sendo investigadas na Lava-Jato, como O GLOBO publicou sábado.

Só entre 2006 e 2007, o saldo das contas de brasileiros estaria em torno de R$ 7 bilhões. Fiscais tiveram acesso a parte dos dados divulgados. Em nota divulgada sexta-feira, a Receita informa que “análises preliminares de alguns contribuintes já revelam hipóteses de omissão ou incompatibilidade de informações prestadas ao Fisco brasileiro, entre outros casos”

A Receita quer saber se os titulares das contas fizeram movimentações adicionais, especialmente nos últimos anos. Isto porque, a exemplo do que acontecerá com os réus da Lava-Jato, valores sonegados há mais de cinco anos não podem mais ser cobrados.

Ainda não existem cálculos oficiais sobre os valores desviados da Petrobras. Para procuradores e delegados, isso só será possível na fase final das investigações. Mas, de qualquer forma, já se sabem que as cifras são impactantes. Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) informa que pessoas e empresas investigadas na Lava-Jato movimentaram R$ 23,7 bilhões de forma atípica nos últimos cinco anos, conforme revelou O GLOBO em novembro. Ano passado, empreiteiras ensaiaram fazer um acordo de leniência e devolver algo em torno de R$ 1 bilhão aos cofres públicos

 

Barusco enviou US$ 6 milhões para HSBC suíço

Cleide Carvalho

O HSBC suíço foi um dos oito bancos usados por Pedro Barusco Filho, ex-gerente executivo da Petrobras, para movimentar a propina que recebeu pelo desvio de dinheiro de obras da estatal. Na filial do banco na Suíça, Barusco mantinha a conta em Genebra, com saldo de US$ 6 milhões. A conta no HSBC estava em nome da offshore Vanna Hill, empresa que, por sua vez, pertencia no papel à mulher de Barusco, Luciana Adriano Franco. No acordo de delação premiada, Barusco se comprometeu a devolver US$ 67,5 milhões, entre eles os US$ 6 milhões depositados no HSBC.

A filial suíça do banco é acusada de acobertar um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Os dados dos clientes do banco foram vazados por um ex-funcionário do HSBC, que, em janeiro passado, deu início a uma investigação batizada de "SwissLeaks", feita por 154 jornalistas de 45 países. A movimentação milionária no HSBC ocorreu entre 2006 e 2007.

Entre os bancos usados por Barusco para esconder a propina no exterior, os que receberam os maiores valores foram o Safra Sarasin (US$ 21,6 milhões) e o Lombard Odier (US$ 14 milhões). A propina foi distribuída ainda pelos bancos Cramer (US$ 2,9 milhões), Royal Bank do Canadá (R$ 7,1 milhões), Pictec (R$ 1,6 milhão), Delta (R$ 3 milhões) e PKB (US$ 11,1 milhões).

Barusco começou a receber propina em 1995, quando atuava na área de Exploração e Produção. Entre 1995 e 2003, afirmou ter recebido por mês entre US$ 25 mil a US$ 50 mil de uma única empresa, a holandesa SBM. Na Diretoria de Serviços da Petrobras, comandada pelo ex-diretor Renato Duque, o valor chegou a pelo menos US$ 22 milhões entre 1997 e 2010, e o dinheiro passou por 13 offshores.

O valor, porém, pode ser bem maior. Todos os contratos acima de US$ 20 milhões passavam por Duque. Segundo as denúncias, ele e o PT também atuaram na diretoria de Exploração e Produção, dona de 60% dos investimentos da estatal.

 

Líderes da oposição acionarão Cardozo na Comissão de Ética

 

Ministro também deverá ser chamado ao Congresso explicar reuniões com advogados de empreiteiras

Isabel Braga e Simone Iglesias

 

A oposição vai acionar a Comissão de Ética Pública da Presidência da República contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Os partidos querem explicações sobre as reuniões que o ministro teve com advogados de empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato, algumas delas não registradas em sua agenda. Além da ação junto à comissão, líderes da oposição também se articulam para tentar aprovar uma convocação para que Cardozo vá ao Congresso dar explicações.

- Estamos diante de um visível caso de conflito de interesses. A presidente precisa dizer claramente ao país para quem ela governa: se é para o PT e seu projeto de poder ou para o país - disse o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), propôs uma ação conjunta dos partidos de oposição na defesa da independência na investigação.

- Não cabe ao ministro trocar figurinhas com advogados de empresas investigadas pela Polícia Federal. Isso cria um ambiente para as mais variadas versões. A corrente majoritária do PT já atua há algum tempo para embolar o processo da Lava-Jato e isentar petistas e aliados - criticou Mendonça.

Parlamentares do PT apoiaram as reuniões de Cardozo com defensores das empreiteiras. Para o deputado Afonso Florence (PT-BA), faz parte do trabalho do ministro receber advogados. Quanto ao fato de algumas reuniões não aparecerem na agenda, Florence ponderou que não foi uma decisão política:

- Não há uma tentativa de esconder. Muitas vezes isso nem passa pelo ministro. São circunstâncias técnicas.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) também deu apoio.

- (Cardozo) É um ministro que conversa com a advocacia, diferentemente do ministro demissionário do STF que não recebia os advogados - disse ele, em referência ao ex-ministro Joaquim Barbosa, que pediu a demissão de Cardozo.