BRASÍLIA

Depois de mais um pedido de clemência da presidente Dilma Rousseff para tentar evitar a execução de Marco Archer Cardoso Moreira ter sido rejeitado, ontem, pelo presidente da Indonésia, Joko Widodo, o governo recorreu ao Vaticano, pedindo que o Papa Francisco intercedesse para tentar evitar a morte do brasileiro. O carioca e instrutor de voo livre, condenado à morte por tráfico de drogas, será fuzilado a 0h de domingo na Indonésia (15 horas de hoje no horário brasileiro de verão).

- Vamos esperar que um milagre possa reverter essa situação - disse o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto.

Ele afirmou que foi entregue à representação da Santa Sé no Brasil um dossiê sobre o caso. Até a conclusão desta edição não havia resposta do Vaticano. Marco Aurélio considerou "improvável" a reversão do quadro.

- Foi enviado (o dossiê) para a secretaria de Estado do Vaticano, para que Sua Santidade pudesse interceder por uma atitude de clemência por parte do governo indonésio, o que me parece, sinceramente, absolutamente improvável - afirmou.

Segundo nota divulgada pela Presidência da República, Dilma ressaltou, no telefonema ao presidente da Indonésia, ter consciência da gravidade do crime e respeitar a soberania daquele país e do seu sistema judiciário, mas fez um apelo humanitário, como "chefe de Estado e como mãe". "A presidente recordou que o ordenamento jurídico brasileiro não comporta a pena de morte e que seu enfático apelo pessoal expressava o sentimento da sociedade brasileira", diz trecho da nota.

Brasil tentou extradição

Widodo assumiu o governo da Indonésia em outubro de 2014. Em sua plataforma de campanha estava a aplicação das sentenças de pena de morte por tráfico de drogas. As execuções agendadas para este domingo (horário da Indonésia) serão as primeiras em sua gestão. Outros quatro estrangeiros serão executados no mesmo dia: um da Nigéria, um do Malaui, um do Vietnã e outro da Holanda.

Archer tem 53 anos e está preso na Indonésia desde 2003. Ele tentou entrar no país com 13,4 kg de cocaína escondidos em tubos de uma asa delta. Confessou ter recebido US$ 10 mil para levar a droga do Peru, com conexão em São Paulo.

- Ele chora muito - contou seu advogado na Indonésia, Utomo Karim, sobre as últimas horas do brasileiro.

Archer foi condenado à morte em 2004 e, desde então, o governo brasileiro trabalha para tentar impedir a execução. A primeira tentativa foi feita em outubro de 2004 em uma carta enviada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, à Suprema Corte da Indonésia. Por meio de cartas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a atual presidente Dilma encaminharam seis pedidos de clemência em nome do governo brasileiro.

Em setembro de 2012, em Nova York, a presidente Dilma aproveitou encontro bilateral com o então presidente da Indonésia Susilo Bambang Yudhoyono para interceder pelo brasileiro. Ela entregou a ele uma das cartas apelando para que o brasileiro não fosse morto. Ao longos destes mais de dez anos foram enviadas também manifestações por parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e feitas gestões de autoridades do Ministério de Relações Exteriores e do Judiciário. Archer também fez dois pedidos individuais de clemência. Todos os apelos foram negados.

O Itamaraty informou que foi feito recentemente um pedido de extradição como uma das últimas tentativas de ao menos adiar a execução e ganhar mais prazo para negociar. O pedido argumenta que o crime de Archer teria começado no Brasil, de onde ele partiu com a droga para a Indonésia. O processo ainda não foi julgado pelo Judiciário da Indonésia, mas as autoridades brasileiras sabem que a lei daquele país proíbe a extradição de pessoas condenadas por tráfico de drogas

O governo brasileiro presta assistência jurídica a Archer, mas não paga seu advogado. Uma psicóloga contratada pela embaixada em Jacarta o atende desde 2012, bem como a Rodrigo Gularte, outro brasileiro condenado a morte por tráfico de drogas.

Causou desconforto ao Itamaraty o fato de a presidente Dilma ter de esperar quase uma semana para ser atendida por telefone pelo presidente indonésio. O governo brasileiro está em contato com outros países que tem condenados a morte na Indonésia, mas o Itamaraty afirma que não há uma estratégia conjunta para eventual retaliação. Segundo Marco Aurélio, a presidente afirmou a Widodo que a execução geraria uma "sombra" nas relações bilaterais.

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Tia leva cartas, bacalhau e esperança 

 

A advogada Maria de Lourdes Archer Pinto iniciou, na terça-feira, no aeroporto de Manaus, uma corrida contra o tempo para alcançar o sobrinho vivo. Na bagagem, cartas escritas por parentes e bacalhau comprado na conexão em Portugal, a pedido de Marco. Também levou um último desejo deixado pela avó do condenado, cujo teor a tia não quis revelar (Lourdes, como também se chamava a matriarca da família, morreu em 2012), e a última esperança na clemência do governo indonésio.

Desde que a mãe de Marco morreu, em 2011, vítima de câncer no pulmão, Lourdes chamou para si a responsabilidade de acompanhar o caso do sobrinho. Todo fim do ano, atravessava o mundo para visitá-lo. Em outubro, com a posse do presidente Joko Widodo, renovou a esperança de que Marco pudesse escapar do pelotão de fuzilamento. Chegou a postar em seu perfil no Facebook, na época, um voto para que Deus abençoasse "o presidente Joko e família".

Porém, com as sucessivas negativas de Widodo em perdoar o sobrinho, culminando com a resposta de ontem ao pedido da presidente Dilma Rousseff, a confiança deu lugar à tristeza. Na última postagem no Facebook, a advogada reproduziu um cartão onde se lia "Nessa tempestade, posso ver a tua presença e o teu poder me sustentando em seu querer", referindo-se a Deus.

Lourdes, nas visitas a Indonésia, sempre amparada pela Embaixada brasileira, tinha alguns contatos locais que a auxiliavam. Essas mesmas pessoas foram acionadas para vencer os 400 quilômetros que separam o aeroporto do presídio antes da execução. Se a sentença é irreversível, a advogada quer levar um gesto final de conforto.

No Facebook, Lourdes postou uma foto de Marco, em outubro, e escreveu acima: "Marco, te desejo toda felicidade do mundo e que você tenha fé que melhores dias virão. Você sabe que pode contar sempre comigo. bjs, te amo". Nos comentários, uma amiga, Ana Maria, elogiou o "lindo amor" da advogada pelo sobrinho. Outra, Janaína Albuquerque, emendou: "Nossa Lourdinha que lindo, já soube que você realizou o desejo do Marco. Agora, só falta Deus realizar o seu desejo. Sei que acontecerá".

Lourdes, ex-assessora jurídica do senador Jefferson Peres (1932-2008), pertence à família que fundou o primeiro diário de Manaus, "O Jornal", nos anos 1930.