O Banco Mundial (Bird) vai manter o apoio aos projetos sociais no Brasil, mas espera que o país faça o ajuste fiscal necessário para restaurar a credibilidade na economia e, com isso, consiga atrair mais investimentos. Segundo Sri Mulyani Indrawati, diretora administrativa e oficial-chefe de operações do Banco Mundial, cargo equivalente ao de número dois na instituição, o país precisa cortar gastos e criar condições para encorajar o setor privado a investir.

“Num ambiente adverso”, disse Sri, referindo-se à possibilidade de aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e um consequente fluxo de capitais para os países desenvolvidos, “alguns ajustes fiscais são necessários para restaurar a credibilidade e a confiança na economia”.

Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, Sri advertiu que esses ajustes não devem afetar os programas que atendem os mais pobres, como o Bolsa Família e o Brasil Sem Miséria. “Esses programas devem ser protegidos e até expandidos para amortecer o impacto de uma desaceleração na economia aos mais vulneráveis”, disse a executiva.

Nascida na Indonésia, onde foi ministra das Finanças, Sri estará no Brasil está semana para visitar projetos do Bird na Amazônia e no Rio de Janeiro e deverá se reunir, em Brasília, com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e com Nelson Barbosa, ministro do Planejamento.

Considerada uma das mulheres mais poderosas do mundo pela revista “Forbes”, a número dois do Banco Mundial avaliou que é mais difícil fazer reformas num cenário econômico adverso e, por isso, alertou que o país deve criar o ambiente necessário para se ajustar rapidamente aos novos desafios que terá que enfrentar.

Para ela, num quadro de valorização do dólar e enfraquecimento do euro, os mercados emergentes devem procurar proteger as suas economias “continuando as reformas estruturais”.

A seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: O que o Brasil deve fazer para sustentar os programas sociais durante 2015, quando terá que enfrentar um cenário internacional adverso, devido à expectativa de menos fluxos de capitais?

Sri Mulyani Indrawati: Num ambiente em que o Brasil se depara com restrições fiscais, proteger e garantir a qualidade dos gastos, incluindo os sociais, é crítico. Nesse cenário, o Brasil, como muitos países, deverá fazer escolhas cruciais de política fiscal. Contudo, não pode haver dúvidas de que é essencial proteger os mais pobres. O Brasil tem programas, como o Bolsa Família, que estão entre os melhores do mundo, porque quase todos os seus recursos alcançam os pobres. Esses programas devem ser protegidos, e até expandidos, para amortecer o impacto de uma desaceleração na economia aos mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, programas não segmentados, que beneficiam pessoas ou empresas que estão relativamente bem, deveriam ser revistos e possivelmente ajustados para garantir que os pobres sejam mais beneficiados.

Valor: Os últimos relatórios do FMI e do Banco Mundial mostraram que a economia do Brasil não vai crescer como poderia e o país terá que conviver com estagnação ou mesmo com recessão em 2015. Essa perspectiva pode reduzir os projetos de investimento do banco no país, ou é o momento certo de aperfeiçoá-los?

Sri: 2015 será um ano com muitos desafios para a economia global, que está lutando para ganhar impulso. Nós esperamos um aumento nas taxas de juros dos Estados Unidos, o que vai afetar o fluxo de capitais. A desaceleração da economia chinesa e a queda nos preços das commodities terá efeitos em muitos países emergentes. Nós estamos prontos para apoiar o Brasil a lidar com dificuldades no cenário externo que serão críticas para promover o crescimento doméstico com foco em proteger os mais pobres.

Valor: Entre os Brics, o Brasil foi ultrapassado pela Índia e pela China em índices de crescimento. O que o país deve fazer para melhorar? Reduzir os gastos do governo seria o primeiro passo?

Sri: Num ambiente adverso, alguns ajustes fiscais são necessários para restaurar credibilidade e confiança na economia. O Brasil precisa encorajar o investimento privado como motor do crescimento. Isso exige transparência e um quadro regulatório sólido. É fundamental garantir que todos as empresas tenham igual acesso ao financiamento. É bom ver que o governo anunciou a meta deste ano de superávit primário. Isso é necessário, porque os recursos não são ilimitados. Desequilíbrios fiscais podem levar a problemas sérios. No entanto, um ajuste fiscal e a redução dos gastos são necessários para o crescimento, mas não suficientes. Uma lição que muitos formuladores de políticas, incluindo eu mesma, tivemos que aprender é que fazer esses ajustes e reformas num ambiente econômico menos favorável não é fácil. Isso exige uma liderança forte e um processo inteligente de tomada de decisões. Nós estamos aqui para ajudar.

Valor: Como o banco escolhe os projetos que pretende desenvolver em mercados emergentes, como o Brasil?

Sri: O nosso trabalho está enraizado em diálogos profundos e contínuos com os nossos parceiros nos níveis federal, estadual e municipal para compreender quais objetivos eles estão tentando atingir. Nós verificamos que a maioria dos governos sabe o que deve ser feito, mas nos perguntam com frequência sobre como fazer. Trabalhamos em mais de cem países e há muitas lições interessantes, ideias inovadoras e conhecimento que podemos trazer. No Brasil, concentramos o nosso trabalho cada vez mais no Nordeste assim como nas áreas metropolitanas, onde vive a maioria dos pobres do Brasil.

“Um ajuste fiscal e a redução dos gastos são necessários para o crescimento, mas não suficientes”

Valor: O Brasil foi capaz de retirar 25 milhões de pessoas da linha de pobreza extrema na última década, mas enfrenta, agora, o risco de essa população retornar a níveis de miséria, caso percam empregos e renda. Como o banco pode ajudar o país para evitar que isso aconteça?

Sri: Esse é um aspecto importante da luta contra a pobreza em muitos países. As pessoas podem permanecer muito próximas à linha de pobreza e, com isso, retornar a níveis mais depreciados, devido à recessão ou a um choque temporário. Por isso, é muito importante que os governos criem mecanismos para proteger os mais vulneráveis. O banco está ajudando o país a apoiar os pobres através de programas como o Brasil Sem Miséria e também investindo em educação, saúde e transporte. Mas, talvez, o caminho mais importante pelo qual o banco pode ajudar é trazer conhecimento e experiência de outros países, de maneira a aumentar o crescimento e criar empregos mais bem pagos para os pobres. Isso é particularmente importante para as mulheres que ainda ganham bem menos do que os homens nos mesmos empregos.

Valor: As mulheres ainda têm mais dificuldades do que os homens para chegar a cargos importantes?

Sri: Apesar de a participação das mulheres na força de trabalho e em posições de destaque ter aumentado consideravelmente em todo o mundo, elas ainda enfrentam mais dificuldades do que os homens para chegar a esses cargos. Mesmo tendo subido vários degraus, as mulheres no Brasil, no Chile, no México e no Peru recebem muito menos do que os homens, particularmente nas profissões de maior destaque, onde essa diferença é ainda maior. Eu acredito profundamente que o futuro da América Latina e de outras regiões está na habilidade de incluir as mulheres na força de trabalho, em proteger as mulheres de violência e em aumentar as oportunidades iguais para todos. As mulheres têm um papel vital na busca por um crescimento que acabe com a pobreza extrema e ajude na construção de uma sociedade mais forte.

Valor: Como o banco pode ajudar o Brasil e outros países da América Latina a superar esse período de baixo crescimento?

Sri: Enquanto o banco ajuda no crescimento através do financiamento de programas sociais e de infraestrutura, o conhecimento e a experiência que nós trazemos é provavelmente a ferramenta mais efetiva para induzir ao crescimento no longo prazo. Não há uma solução única, mas nós podemos aprender com as políticas de sucesso de outros países. A experiência demonstra que políticas e regulações simples e transparentes ajudam a aumentar o investimento. Fortalecer a competitividade em mercados internacionais também ajuda. Contudo, as experiências não podem simplesmente ser copiadas de um país para outro. Isso exige adaptação para o contexto de cada país. Portanto, o banco pode ajudar, mas apenas em parceria com os governos, incluindo o Brasil. Eu acredito que podemos desenvolver soluções apropriadas para o país.

Valor: Quais devem ser as prioridades do Brasil para lidar com os desafios da economia mundial, que está sob risco de um crescimento medíocre e de aumento de desemprego em vários países?

Sri: Para um país como o Brasil, que tem um mercado doméstico promissor, deve haver foco no estímulo ao crescimento econômico através do fortalecimento do investimento local enquanto se aperfeiçoa a produtividade, sem colocar em risco a estabilidade macroeconômica. Essas prioridades são claras: estimular o investimento e proteger os pobres. E, mesmo se for mais difícil fazer reformas num cenário de recessão, é importante criar o ambiente necessário para se ajustar à nova realidade e criar as bases para um crescimento no futuro.

Valor: Diante da valorização do dólar e do enfraquecimento do euro, a sra. acredita que estamos diante de uma guerra monetária?

Sri: A política monetária está divergindo, com taxas de juros que devem subir nos Estados Unidos e cair em muitos mercados emergentes. Isso terá implicações no fluxo de capitais, nas taxas de juros e de câmbio pelo mundo. Para os mercados emergentes é importante proteger as suas economias continuando as reformas estruturais, aumentando a produtividade. Esse será o melhor caminho para chegar à competitividade. Então, mais do que fazer previsões sobre as taxas de câmbio, é importante implementar as reformas necessárias e se ajustar à nova realidade da melhor maneira possível. Isso vale para o Brasil e também para muitos outros países.

“Se queremos ajudar os pobres, é melhor transferir recursos para eles diretamente do que subsidiar bens e serviços”

Valor: Nós estamos vivendo o aumento de tarifas públicas no Brasil, como combustíveis, energia e transportes. Esses aumentos podem afetar os ganhos sociais obtidos pela população de baixa renda na última década?

Sri: Essa é uma pergunta feita com frequência e é utilizada para manter as tarifas baixas. Mas as tarifas públicas que proporcionam bens e serviços abaixo do custo de produção são extremamente difíceis de serem atingidas. De fato, elas beneficiam mais a classe média e os mais ricos, que tendem a usar mais esses serviços, porque possuem, por exemplo, mais carros e aparelhos elétricos, ou porque favorecem mais as empresas que trabalham com energia intensiva.

Valor: Subsidiar tarifas públicas, então, está longe de ser uma solução?

Sri: Esses subsídios são, de fato, um grande escoadouro de recursos públicos que poderiam ser usados para beneficiar aqueles que mais precisam de apoio. Se queremos ajudar os pobres, é melhor transferir recursos para eles diretamente do que subsidiar bens e serviços. Combater subsídios é muitas vezes impopular e não é fácil de se fazer. Requer boa comunicação, uma abordagem para que as pessoas possam se ajustar e não se sintam punidas com aumentos nos preços. Nós estamos trabalhando com outros países para enfrentar essas reformas desafiadoras.

Valor: Quais as melhores maneiras para aperfeiçoar o financiamento de projetos privados em mercados emergentes, como o Brasil?

Sri: Aumentar investimentos em qualquer país emergente requer aperfeiçoar a confiança nas perspectivas futuras da economia, proporcionando previsibilidade à política econômica. Há algumas coisas concretas que o governo pode e, de fato, começou a fazer. A primeira é promover parcerias público-privadas [PPPs] para investimentos em infraestrutura com regras transparentes. Isso ajuda a aliviar muitos dos gargalos de infraestrutura na economia e aumenta diretamente os investimentos privados. No longo prazo, é igualmente importante assegurar que os investidores terão menos impedimentos para realizar financiamentos sustentáveis com um cenário transparente de políticas para se trabalhar.

Valor: Algumas das maiores construtoras do Brasil estão envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras e dependendo das punições, elas podem suspender investimentos. Se isso ocorrer, o país precisará de mais investimentos estrangeiros. Como o banco pode ajudar nessas circunstâncias?

Sri: Essa investigação cabe exclusivamente às autoridades brasileiras. Atrair investimentos estrangeiros requer um sistema confiável e sólido de regras e o sistema judicial. O Banco Mundial, junto com a IFC [divisão de crédito ao setor privado] e a Miga [Agência Multilateral de Garantia de Investimentos], tem forte experiência em ajudar países a desenvolver ambientes para atrair investimentos privados, incluindo parcerias público-privadas.

Valor: O banco considera as medidas locais de combate à corrupção nas discussões a respeito de onde desenvolver projetos e investimentos?

Sri: Nós temos uma política de tolerância zero com corrupção em nossos projetos. O Brasil tem muitos mecanismos efetivos para brecar fraudes e corrupção e eles são levados em consideração quando apoiamos projetos. O banco se baseia em instituições como o Tribunal de Contas da União [TCU] para ajudar na auditoria de seus projetos.