Desde o início do ano as expectativas para o ritmo da economia brasileira se deterioram de maneira acelerada: a mediana das estimativas dos analistas consolidada no boletim Focus, do Banco CENTRAL, que no fim de dezembro previa alta de 0,76% do PIB de 2015 aponta agora zero, ou seja, estagnação da economia no ano.

No entanto, como poderia ser esperado, essa perspectiva não tem contribuído em nada para amainar o pessimismo com a inflação neste ano, que cresce em nível ainda mais rápido: a média das projeções saltou de 6,5% para 7,15% em dois meses. 

A explicação para o descompasso entre as projeções para a atividade e os preços ao consumidor está ligada a uma conjuntura peculiar pela qual passa a economia brasileira neste início de ano, com um ajuste que possui também um lado inflacionário e com uma perspectiva de forte alta de preços de energia em meio a uma estiagem histórica que pode resultar num duplo racionamento.

“São os ajustes que explicam, ao mesmo tempo, uma atividade mais fraca e a inflação mais alta”, explica Leonardo Costa França, analista da Rosenberg & Associados.

“Preços que foram contidos durante o governo “Dilma 1″ começam a ser retomados no “Dilma 2″, e são deles que virão os principais impactos para inflação”.

O grupo dos chamados preços administrados deve subir 10,6% em 2015, segundo França, puxados por reajustes das tarifas de transporte, energia e gasolina, que em fevereiro, perdeu a isenção da cobrança de PIS-Cofins. São medidas anunciadas principalmente pelo governo federal, que visam engordar a arrecadação e voltar a ter folga nas contas públicas. 

É muito mais do que a variação de 5,7% com que fecharam 2014 e compensa, de longe, a desaceleração que os preços livres, ligados diretamente à demanda, devem sofrer. 

Nas projeções da Rosenberg, os preços de mercado devem ter variação de 6,1% em 2015, depois de alta de 6,7%, e a inflação geral ficará em 7,1%. Nos 12 meses até janeiro, o IPCA acumulou 7,14%, pior marca desde 2011. Para o PIB, a Rosenberg projeta queda de 0,7% no ano. “Se não fosse o racionamento de água, a variação seria zero”, diz França. 

Só o reajuste nas contas de luz deve responder, sozinho, por 1,4 ponto do IPCA em 2015, segundo cálculos da Tendências Consultoria, que prevê IPCA de 7,3%. Isso é resultado de uma tarifa de energia que deve ficar 46% mais cara até o fim do ano, o que além dos reajustes anuais regulares, passou a contar com novas faixas de cobrança neste ano, as bandeiras tarifárias, e deve também arcar com uma conta estimada em R$ 22 bilhões, referente ao repasse ao consumidor de custos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). 

Isso significa que, sem o ônus do setor elétrico, a inflação seria de 5,9%, dentro do teto oficial, de 6,5%, e já mais fraca que em 2014, quando foi 6,4%. Nesse caso, daria um retrato mais fiel do que acontece na economia. “A renda média ainda cresce um pouco, mas o desemprego vai subir e isso vai atingir o consumo”, explicou Alessandra Ribeiro, analista da Tendências. 

A projeção da consultoria é de que o PIB caia 0,5%, e, com isso, o desemprego suba de 4,8%, taxa média de 2014, para 6,3%.

Para algumas instituições, o cenário é ainda pior. É o caso do BNP Paribas, que, em relatório a clientes, revisou as projeções de inflação de 7% para 8% e, do PIB, de zero para queda de 1%. “Por um longo tempo, preços regulados represados mantiveram a inflação controlada artificialmente. Agora não mais. Um ajuste inevitável nesses preços impulsiona a inflação, apesar de um futuro alívio que esperamos para o preços determinados pelo mercado, conforme a contração do crescimento finalmente solta algumas amarras de um mercado de trabalho apertado. ” “O que acontece é um contrassenso, já que a teoria econômica diz o contrário: se a economia não cresce, a inflação cai”, explica Virene Matesco, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“Isso coloca o Brasil no pior dos mundos.” Segundo ela, se trata de uma crise de cautela, confiança e pessimismo. A renda continuou crescendo em 2014, as pessoas ainda têm seus empregos e as empresas, em boa parte, não estão com o caixa vazio. “Mas elas seguram as compras, com medo do que pode acontecer.”

 

"Turbulência perfeita" está atingindo o país, diz Ilan

 

O risco cada vez mais iminente da adoção de racionamento de energia e a crise na Petrobras podem levar o Brasil a registrar retração de 1% do PIB em 2015, prevê Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. Para Goldfajn, que foi diretor de Política Econômica do BC (2000-2003) e economista do FMI (1996-1999), o país vive uma "turbulência perfeita" com uma série de notícias negativas que mantém os índices de confiança baixos e dificultam a retomada dos investimentos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual a perspectiva para o crescimento do PIB neste ano? 

Ilan Goldfajn: Basicamente o que estamos observando é uma conjunção de fatores que devem levar a um crescimento negativo (recessão) neste ano. Dos fatores importantes para essa desaceleração, o primeiro é que os índices de confiança estão muito baixos, não estamos vendo uma retomada do investimento. Tínhamos a esperança que, na medida em que se tem o começo do segundo mandato, o investimento pudesse retomar, mas isso não aconteceu. Isso tem a ver também com a questão da Petrobras, com os problemas políticos que dificultam ter uma visão mais clara sobre o que vem pela frente. Além disso, há impactos diretos de algumas variáveis, por exemplo, no setor de petróleo devemos ter menos investimentos. Os setores de construção e infraestrutura provavelmente terão algum impacto de menor produção também, nem que seja na reorganização de novos projetos, que vão demorar para começar. Considerando esses fatores, revisamos a projeção para o PIB de 0% para - 0,5%. Mas não para por aí, temos o risco de racionamento de energia elétrica e de água [no Estado de São Paulo]. O racionamento de energia elétrica tem impacto no PIB, o de água é mais difícil de calcular. Mas fazendo a nossa melhor estimativa, se for decretado racionamento de energia, pode ter uma queda de mais 0,5% do PIB, levando a uma retração de 1% em 2015. É um começo do que, até brinco, seria uma turbulência perfeita. São os riscos se materializando.

Valor: Qual o impacto da crise da Petrobras e da Operação Lava-Jato para o PIB e para o resultado fiscal?

Goldfajn: A Petrobras é a maior empresa do setor de petróleo. De forma geral no setor, estimamos queda de 20% nos investimentos e de 15% na produção. Já do lado fiscal, o impacto tem de ser calculado. Você produz menos, tem menos dividendos, menos royalties.

Valor: A troca de comando na Petrobras será suficiente para retomar a credibilidade junto aos investidores?

Goldfajn: Para ter aumento de confiança, tem de ter confiança em tudo. A questão dos escândalos, das dúvidas, dos problemas legais afetam o investimento. Temos de levar em consideração que os processos legais, que são feitos de forma institucional, reforçam a democracia, as instituições e, lá na frente, podem contribuir para um país mais forte. No caso, não é uma questão só de substituição de nomes, mas de mostrar que de fato há uma mudança na gestão, que a empresa começa a dar a volta por cima e isso é relevante.

Valor: O governo conseguirá entregar a meta de superávit primário de 1,2% do PIB neste ano?

Goldfajn: Há um desafio extra. Quando a meta para este ano foi anunciada, o déficit esperado para o ano passado era perto de 0%. Nós tínhamos 0,2% do PIB. O resultado do ano passado foi negativo em 0,6%, ou seja, estamos falando de uma diferença de 0,8%. Para uma mesma meta de 1,2%, você precisava fazer 1% de ajuste e agora precisa fazer 1,8%. É um desafio grande. Agora, eu vejo a equipe econômica comprometida em atingir a meta, comprometida em reduzir o déficit primário para um superávit primário, em reduzir o déficit nominal que foi 6,3%, um dos maiores do mundo no ano passado, preocupada com a dinâmica da dívida bruta e em levá-la para baixo. A minha expectativa é que venham mais medidas. O governo vai cortar despesa corrente, investimento, aumentar tributos, tudo isso que já está aí, na esperança de lá na frente retomar o crescimento.

Valor: Há a possibilidade de retomar o crescimento em 2016?

Goldfajn: Acho que 2016 ainda está no jogo. Prevemos que o PIB pode crescer em torno de 1%, se o governo conseguir a retomada. Mas tem que ter todo mundo comprometido e outras medidas, como reformas, melhorar a produtividade, reduzir o custo de se fazer negócios, ou seja, a retomada da credibilidade fiscal é importantíssima, mas para crescer em 2016 é preciso mais do que isso.

Valor: Qual o cenário para inflação neste ano? O BC conseguirá alcançar o objetivo de levar a inflação para perto do centro da meta em 2016?

Goldfajn: Acho que este ano, com um aumento dos preços administrados acima de 10%, vai ser difícil ficar com inflação abaixo do teto da meta de 6,5%, nossa projeção é de 7,1%. Mas uma parte dessa expectativa tem a ver com o aumento de 30% a 40% de energia elétrica. Esse aumento já reflete a escassez de energia. Por outro lado, quando você olha os preços livres, os preços de serviços, eles já estão começando a ir na direção correta, ou seja, já começa a se imaginar que a partir de 2016 a inflação começa a convergir. Estamos prevendo inflação abaixo de 5,5% para 2016, porque hoje há uma demanda muito menor, uma economia crescendo abaixo do potencial, um cenário internacional desinflacionário, com quase todos os bancos centrais reduzindo juros, estimulando a economia através de programas de quantitative easing [afrouxamento monetário] como o do Banco Central Europeu. No entanto, temos uma corcova dos preços administrados. Hoje estamos pagando pela política de congelamento de preços que se adotou nos últimos anos. Desta forma, nosso cenário é de elevação final de 0,25 ponto percentual da taxa básica de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária [Copom], levando a taxa Selic para 12,50%.

Valor: Na semana passada foi anunciada a mudança na diretoria do BC, com saída do diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton, e a indicação de um executivo de mercado, Tony Volpon. O que esperar da nova diretoria?

Goldfajn: As decisões vão continuar sendo tomadas por um comitê, a mudança de um outro membro não tem essa força toda, para mudar completamente a forma de pensar. Quem está ocupando a diretoria de Política Econômica é alguém que já estava lá [Luiz Awazu Pereira da Silva], a diretoria tem dois novos membros, acho que são bem-vindos. Voltar a ter um membro que vem do mercado é bem-vindo, mas não vejo nem melhor nem pior que um membro bom dos quadros do BC. O Carlos Hamilton foi um diretor muito bom. Ele não se furtou a contribuir, sempre estava disposto a ter um diálogo aberto com todas as frentes da sociedade. Tenho certeza que foi um colega que sempre contribuiu com o resto dos membros e também não se furtou a discordar quando foi necessário, e essa característica é interessante manter.

Valor: O sr. esteve em Davos, no Fórum Econômico. Qual a avaliação da percepção dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil?

Goldfajn: A minha impressão é que a recepção à equipe econômica foi muito boa, o discurso foi muito bom, abriu-se espaço para a volta da confiança. Agora, logo depois de Davos tivemos vários choques aqui, a tempestade perfeita, desde racionamento, à questão da Lava-Jato, do déficit [fiscal]. Então, há uma confiança maior na equipe econômica e há a percepção de mais dificuldade com respeito à realidade. Agora, um fator que todos nos perguntaram é o apoio do conjunto do governo a essas medidas [fiscais], não só da equipe econômica, mas do resto dos ministros, presidente, dos partidos de coalização. E isso é relevante para confiança. A aprovação das medidas no Congresso vai ser muito importante como primeiro sinal.

Valor: Como o sr. avalia o risco de um rebaixamento do rating do Brasil após o anúncio das medidas fiscais?

Goldfajn: Eu diria que assim que foram anunciadas a meta e as medidas fiscais, as agências de classificação de risco ficaram mais relaxadas. Começou o ano, os números piores do ano passado vieram e acendeu o alerta de volta. Na medida em que começa a ficar difícil atingir a meta, porque no ano passado foi a festa fiscal, faz com que mesmo com todos os esforços fique alguma dúvida sobre a capacidade de atingir [a meta], e, portanto, dúvida com relação às agências.

Valor: Na semana passada, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, trouxe dúvidas sobre a continuação das atuações do BC no câmbio. Há espaço para reduzir as intervenções?

Goldfajn: Eu entendo que no discurso em novembro, quando a equipe econômica foi anunciada, eles deixaram claro que o estoque de proteção cambial, os famosos swaps e o hedge que estava sendo vendido, em torno de US$ 100 bilhões é um tamanho adequado, e, portanto, isso significa que não vai aumentar esse estoque muito mais, mas também não vai reduzi-lo de forma acentuada. Acho que o mercado pode ter a tranquilidade que algum estoque de proteção vai se manter, mas também de que esse estoque não é infinito, que possa comprometer as finanças do BC e do resto do setor público. Você pode manter o estoque rolando 100%, ou rolando 80% e com um programa pequeno, mas a intenção de manter o estoque me parece parte relevante da política cambial. De qualquer forma, não imagino o real se apreciando muito mais ao longo do tempo. Acho que ele deve fechar o ano em R$ 2,90, caminhando mais ou menos com a inflação.