Queda de preços das principais commodities exportadas, perda de mercados de manufaturados e persistente rombo na conta-petróleo foram os principais responsáveis pelo déficit de US$ 3,93 bilhões na balança comercial brasileira em 2014, o pior resultado desde 1998, de acordo com dados divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Com um cenário internacional de pouca recuperação dos principais mercados, com exceção dos Estados Unidos, o câmbio deverá ser o principal fator de mudança do quadro do comércio exterior do país neste ano em relação ao observado no ano passado.

Para especialistas, em 2015 a balança deve voltar a registrar superávit, mas via redução de importação acima do encolhimento das vendas ao exterior. A média das projeções das consultorias ouvidas pelo Valor Data, apontam superávit de US$ 5,6 bilhões neste ano. Para reverter o mau desempenho do ano passado, o novo ministro do Mdic, Armando Monteiro, deve anunciar medidas de estímulo às exportações.

O setor manufatureiro foi a principal causa do recuo das exportações no ano passado. As vendas de produtos brasileiros ao exterior somaram US$ 225,101 bilhões, o que representa uma queda de 7% em relação a 2013. Considerando apenas as mercadorias industrializadas, o recuo foi mais amplo - de 13,7% na mesma comparação - enquanto os embarques de semimanufaturados e de bens básicos caíram em ritmo menor: 4,8% e 3,1%, respectivamente.

Do outro lado da balança, as importações somaram US$ 229,031 bilhões, de modo que, em relação a 2013, as compras de produtos estrangeiros apresentaram queda de 4,4%, puxada principalmente por bens de capital. Apesar de uma menor entrada de bens importados, o ritmo de retração das compras foi menor que a diminuição das vendas ao exterior. Isso contribuiu para que a balança comercial registrasse, então, o maior déficit anual desde 1998, quando o saldo foi negativo em US$ 6,6 bilhões.

O governo atribuiu o déficit na balança brasileira no ano passado a três fatores: queda no preço das commodities, especialmente em relação ao minério de ferro; cenário internacional desfavorável, sobretudo pela recessão econômica argentina; e a continuidade de um elevado déficit nas transações internacionais de petróleo e derivados.

Para o secretário de Comércio Exterior do Mdic, Daniel Godinho, a recente desvalorização do real em relação ao dólar "ainda não se mostrou decisiva para impulsionar as exportações brasileiras". Citando relatos de empresários, ele disse que o câmbio, até o momento, teve efeitos positivos nas transações internacionais de apenas alguns setores, como máquinas industriais, automóveis e carne de frango. "Quando o câmbio tiver mais estabilidade, nós vamos ter resultado mais direto nas exportações", concluiu.

Em 2015, o governo espera uma ajuda da desvalorização do real e do crescimento dos Estados Unidos para um resultado positivo na balança. Outro ponto positivo deve ser uma redução do déficit da conta-petróleo, que atingiu US$ 19,74 bilhões no ano passado, diante de um crescimento na produção e nos preços internacionais.


No entanto, Godinho já trabalha com a perspectiva de que os preços de commodities, como soja, milho e minério de ferro, não devem se recuperar neste ano por causa do aumento da oferta. Outro "desafio" para o comércio exterior do país no ano, como classificou Godinho, é a "incerteza quanto ao desempenho da economia mundial". Ou seja, duas das principais razões elencadas por ele para explicar o forte déficit da balança comercial de 2014. Sendo assim, a ideia é "trabalhar intensamente para aumentar as exportações", disse o secretário.

O comportamento dos últimos meses da balança solidificou tendência esperada para o comércio exterior neste início de ano. Como há pouca margem fiscal para políticas públicas de fomento a exportações no curto prazo, Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior e consultor da Barral M Jorge, acredita que o câmbio será a variável que mais impactará as exportações e as importações neste ano. "A desvalorização do real no segundo semestre de 2014 é a grande mudança", disse.

O primeiro e maior impacto será no nível de importação. Em dezembro, sempre na comparação com o mês anterior, as compras caíram 9,8%. Em novembro, houve recuo de 5,9%. "Não haverá melhora expressiva via quadro externo, com exceção dos Estados Unidos. Em ano de ajuste fiscal, pode esquecer algum plano de fomento às exportações, que costuma ser custoso", afirma Barral.

O câmbio também aparece como o diferencial que deve mexer com o comportamento da balança para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O novo patamar vai adicionar mais um elemento de pressão para o recuo do nível de importação, assim como já atua neste sentido a desaceleração da renda e do consumo interno. Os reflexos do ajuste fiscal comandado pelo Ministério da Fazenda também devem contribuir nesta direção.

A desvalorização do real trouxe rentabilidade na exportação de commodities, apesar do recuo de preços ao longo de 2014. O preço do milho recuou 7,5% entre dezembro de 2013 e dezembro último. Em algodão, a queda foi de 12,7%, e no açúcar, de 9,9%. A soja encolheu 30% ao longo do ano.

"Como esse câmbio assegura uma maior rentabilidade, ele serve, principalmente no primeiro semestre, para segurar o nível do volume exportado de básicos, que representa metade de todas as exportações", afirma Castro.

A expectativa do governo é parecida com a de analistas, já que é aguardada inversão na tendência de queda no saldo entre exportações e importações. No entanto, o Mdic não quis fazer uma previsão numérica para a balança comercial. Godinho, que anunciou que vai continuar no cargo a convite de Armando Monteiro, disse que o objetivo do governo é melhorar o resultado via aumento de exportações. Para isso, Monteiro vai anunciar medidas para que esse cenário se concretize, segundo o secretário. Entretanto, Godinho não antecipou as ações em estudo.

Alinhado à nova equipe econômica do governo, Monteiro acredita que é possível fazer uma política de estímulo ao setor industrial mesmo com as perspectivas de arrocho nas despesas do governo. "Nesse quadro que vamos enfrentar, nossas atenções têm que estar voltadas para a chamada agenda microeconômica, buscar intensivamente aquelas medidas que não demandam muito esforço fiscal adicional", afirmou o ministro em dezembro, quando foi anunciado para o cargo.

 

Exportação maior reduz saldo negativo na conta-petróleo

 

O aumento da exportação de petróleo peia Petrobras foi responsável pelo recuo forte em 2014 do déficit que o Brasil registra ano a ano na balança de petróleo e derivados. O saldo negativo, no entanto, permaneceu em patamares elevados e em 2015 é esperada ou uma nova redução, ainda que mais tímida, ou uma estabilidade no rombo da conta do setor, poi s mesmo com a previsão de a estatal seguir incrementando a produção diária de barris, não há sinais no horizonte de recuperação dos preços internacionais. Ontem, o barril do tipo WTI caiu e fechou o dia cotado a U5$ 50, o menor preço em cinco anos. Em 2014, no entanto, o déficit na conta-petróleo foi de US$ 19,74 bilhões, valor 7% menor do que o observado em 2013. Sempre na comparação interanual, no ano passado o embarque de petróleo cresceu 26,2% e alcançou US$ 16,35 bilhões, ao passo que as importações do produto recuaram 4.8% e atingiram US$ 15,53 bilhões. Apesar de uma ligeira queda de 0,8%, a importação de derivados seguiu em nível elevado e somou US$ 23,68 bilhões. O consumo interno de gasolina e diesel contribuiu para um recuo ainda maior nas exportações de óleos combustíveis, de 11,4%. As vendas desses produtos não passaram de US$ 3,42 bilhões. O incremento nas exportações de petróleo, por sua vez, ocorreu a despeito da queda de 29,5% no preço do óleo cru entre dezembro do ano passado e dezembro de 2013. Em 21 de dezembro último, a Petrobras bateu recorde de exploração diária na área do pré-sal e produziu 2,28 milhões de barris, a maior marca dos últimos quatro anos, “O patamar atual de preços está muito baixo. O impacto maior no nível de exportação deve ser no primeiro semestre deste ano. Depois, a com- paração por preço deve se estabilizar” diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Sem o efeito preço, os volumes embarcados de petróleo seguirão aumentando, dando maior margem para a redução do déficit na balança do setor neste ano. As importações também deverão cair, já que não possuem espaço para crescer. As compras acompanham consumo interno de combustíveis e crescimento da economia, duas variáveis com perspectivas de expansão tímidas para este ano.

Lia Valls, professora do Instituto Brasileiro de Economia (IbrefFGV), avalia que por enquanto não há sinais fortes de recuperação do preço do petróleo. Atualmente, diz, os grandes produtores mundiais ainda não sinalizam redução de oferta como forma de fazer com que os preços voltem a subir. Para ela, a balança de petróleo e derivados pode contribuir mais para melhorar o saldo comercial em 2015 por conta da redução das importações. Isso deve acontecer tanto pelo aumento de produção das refinarias como pela queda da demanda doméstica. Esse movimento de redução de desembarques por conta da desaceleração interna deve ocorrer na importação como um todo, o que pode ajudar a gerar um superávit comercial no ano. A consultoria Rosenberg &* Associados, por outro lado, prevê a persistência do que qualifica de “déficit expressivo na conta do setor” e lembra que o país deve manter as usinas termelétricas funcionando em sua capacidade total ao longo de 2015, o que demanda combustível importado. Além disso, o potencial de refino de Abreu e Lima, refinaria recém-inaugurada, deve ficarem pleno funcionamento apenas no segundo semestre. Antes, não há alívio por parte da oferta para as compras do exterior de gasolina e de diesel.

 

Recuperação do PIB americano pode aumentar vendas

 

Entre 2013 e 2014, o déficit comercial nas trocas do Brasil com os Estados Unidos caiu de US$ 11,43 bilhões para US$ 8,15 bilhões. Mesmo mantendo déficit, os Estados Unidos foram o único parceiro com o qual o saldo comercial melhorou para o Brasil, levando em conta os principais destinos comerciais, por blocos ou países. Os americanos também se tornaram em 2014 o principal destino de manufaturados brasileiros e tomaram o lugar que a Argentina ocupava desde 2009. Para especialistas, os Estados Unidos são o destino mais promissor para 2015, mas com muitos desafios.

Para Silvio Campos Neto, economista da Tendências, os dados de 2014 já sinalizam os Estados Unidos como parceiro que pode contribuir para gerar melhora no saldo comercial do Brasil, "É um país com grande mercado para o qual há expectativa de continuidade de crescimento." Campos Neto ressalta que o crescimento é gradativo, mas sustentado. A Tendências projeta para este ano expansão do PIB americano em 2,9%, contra os 2,3% estimados para o ano passado.

Lia Valls, professora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), tem análise semelhante. No cenário de desaceleração da demanda internacional, diz ela, a expectativa fica por conta dos Estados Unidos. Lia ressalva, porém, que trata-se de um mercado que o Brasil precisa recuperar, ampliando a pauta de exportação e enfrentando a concorrência de países asiáticos.

Lia lembra que atualmente a exportação brasileira de manufaturados aos americanos está mais restrita a produtos da indústria aeronáutica e às trocas intracompanhias. O desafio, diz ela, mesmo com o real desvalorizado frente ao dólar, é conseguir competir com os produtos chineses. "Outra questão é quanto as exportações aos Estados Unidos conseguem compensar a perda com mercados que estão em desaceleração".

O cenário de demanda menor do comércio internacional ficou claro nos saldos da balança do Brasil com parceiros importantes. Com a China, por exemplo, o superávit comercial caiu de US$ 8,72 bilhões em 2013 para US$ 3,28 bilhões no ano passado. O desempenho do comércio com os chineses levou a uma redução do saldo positivo com o continente asiático. O superávit com esse bloco foi reduzido de US$ 4,43 bilhões para US$ 2,35 bilhões no mesmo período.