Título: Fiscalização será fundamental
Autor: Sakkis, Ariadne ; Almeida, Kelly
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2011, Cidades, p. 21

Para autoridades do Judiciário, a liberação dos detentos é positiva, já que poderá evitar prisões abusivas, mas exigirá monitoramento

Sancionada em maio pela presidente Dilma Rousseff, a nova lei da prisão cautelar poderá livrar da cadeia até 100 mil presos provisórios em todo o país, a partir da próxima semana, quando a legislação entrará em vigor. A estimativa é de um grupo de magistrados que têm se mostrado preocupado com a norma. Um deles é o desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará Jucid Peixoto do Amaral. Para ele, só o tempo dirá se a lei será benéfica ou prejudicial ao país.

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concorda que o número de pessoas aptas a deixar as cadeias será elevado. Ele afirma que a medida atenderá a "ordem natural das coisas, de primeiro apurar para depois prender", mas ressalva que a medida limitará a atuação do juiz. "Infelizmente, a prisão preventiva deixou de ser exceção e se generalizou. A lei veio para evitar a situação que observamos de presos preventivos serem tratados como animais", destaca o ministro.

Alguns magistrados temem que a aplicação da legislação possa acarretar no aumento da impunidade. É o caso do juiz Fabio Uchôa, do Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, para quem a nova regra irá tirar do juiz o poder de prender pessoas consideradas perigosas para o convívio social. Embora a norma tenha sofrido críticas, a grande maioria das autoridades do Poder Judiciário vê com entusiasmo a mudança ocasionada pela lei, de autoria do Executivo. O texto original acabou alterado por um substitutivo do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que foi aprovado na Câmara com poucas mudanças.

Conhecido por atuar durante a Operação Satiagraha, da Policia Federal (PF), o juiz federal de São Paulo Ali Mazlo um alerta que a Justiça terá de fiscalizar a aplicação da lei para que o réu seja monitorado depois que ganhar liberdade. Ele, porém, discorda da afirmação de que a lei resultará em impunidade. "A crítica de que agora não vai dar mais para decretar a prisão preventiva é mentirosa. Ela continua existindo, mas como última alternativa, em casos de crimes mais graves e até para pessoas que descumprirem medidas cautelares. A lei será muito positiva, especialmente para tirar o ladrão de galinha da cadeia.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AME), Nelson Calandra, destaca as ferramentas criadas para substituir a prisão. Segundo ele, a norma será benéfica para a sociedade desde que o Estado crie condições para que ela funcione em sua totalidade. Calandra alerta sobre a necessidade de o governo federal destinar recursos para viabilizar o monitoramento e acompanhamento daqueles que ganharem liberdade. "O que adianta colocar a pessoa em prisão domiciliar se o Estado não vai fiscalizar."

Gilmar Mendes, ministro do STF, lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já vem realizando mutirões carcerários pelos estados brasileiros para verificar a situação das prisões. Ele se recorda que, desde sua gestão na Presidência do CNJ (2008-2010), o conselho tem tirado da cadeia cidadãos com situação de detenção irregular. "O importante é ter um controle e evitar as prisões abusivas", diz.

Na mesma linha de Mendes, o conselheiro Walter Nunes, responsável pelos mutirões do CNJ, prefere não fazer estimativa sobre quantos detentos poderão ganhar as ruas. Ele, no entanto, acredita que a medida levara segurança a sociedade, uma vez que deixará de fora da cadeia pessoas que rapidamente já voltariam ao convívio da sociedade. "A lei não vem em razão da superlotação carcerária, mas da ideia de que a prisão não é o local apropriado para recuperar uma pessoa", observa.

Além de criar regras para a prisão cautelar, a Lei 12.403/2011 determina que o CNJ crie um banco de dados dos mandados de prisão de todo o país. O conselho votará em 5 de julho uma resolução que definirá os moldes da chamada central de mandados.

Palavra de especialista

Efetividade em xeque

"Se considerarmos apenas a situação de crise do sistema prisional, a medida é coerente. Mas também é preciso considerar que a sociedade vive um momento de insegurança crescente. Se atualmente temos um sério problema na custódia dos internos, como será gerenciar os que estão do lado de fora? Não adianta colocar bracelete sem ter pessoal e gestão capaz de utilizar essa tecnologia. Não adianta ter sensor sem capacidade de resposta. Se há duvidas quanto à efetividade das medidas, é evidente que não estamos preparados para fazer a gestão desse efetivo prisional que se encontra em regime diferenciado. É uma medida que precisa ser bem administrada. O Estado vem sendo desmoralizado cada vez que uma mulher é estuprada. Todo mundo imagina que vai acontecer e acontece. Todas as medidas podem ser válidas se tivemos certeza de que serão efetivas. Mas não temos que deixar (os criminosos) do lado de fora porque está faltando espaço. Temos que liberá-los por estarem preparados para viver em sociedade."

George Felipe Dantas, especialista em gestão de segurança pública