Brasília - Após entregar uma inflação média colada no teto da meta de 6,5% nos quatro anos do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o Banco Central(BC) promete agora que fará "o que for necessário" na sua missão de trazer os preços para baixo daqui a dois anos.

"O BC irá fazer o que for necessário para que no próximo ano a inflação entre em longo declínio, que levará à meta de 4,5% em 2016", avisou a instituição em seu relatório trimestral de inflação, divulgado ontem (23).

Ou seja, o BC pode elevar novamente o juro básico da economia (Selic).

O documento foi considerado pelos analistas mais duro, indicando chances maiores de uma alta de 0,75 ponto porcentual na Selic em janeiro.

Até lá, dias difíceis virão, já que o BC revisou para cima suas projeções para o IPCA de 2014 e 2015, além de derrubar de 0,7% para 0,2% a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano.

Confirmado o prognóstico do BC, a expansão do PIB será a mais baixa desde 2009, quando o País entrou em recessão por causa da crise financeira internacional.

Mesmo praticamente estável, a perspectiva de crescimento do BC leva em consideração o auxílio inédito nos últimos nove anos das exportações.

Para dar impulso à retomada da atividade nos próximos anos, o BC considera imprescindível a melhora da confiança de empresários e consumidores, abalada no momento.

A instituição reconhece que a taxa de crescimento no curto prazo será modesta. "Não estamos antecipando nenhum crescimento vigoroso da economia em 2015", admitiu o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton.

A inflação encerrará este ano em 6,4%, pelos cálculos do BC - acima da média dos quatro primeiros anos de Dilma, de 6,15%.

Para 2015, a taxa projetada, segundo parâmetros do mercado financeiro, é de 6%.

Considerando a cotação do dólar e a taxa básica de juros estável, chegaria a 6,1%. Só em 2016 é que se espera algum recuo, com projeções de 4,9% e 5% nesses respectivos cenários.

"Temos ventos contrários, mas temos ventos favoráveis. E os favoráveis vão prevalecer, de modo que a inflação em 2016 venha a 4,5%", previu Hamilton.

O diretor disse que a alta dos preços administrados pelo governo, os ganhos salariais, a escalada do dólar e os efeitos expansionistas da política fiscal explicam a elevação dos preços no curto prazo.

Mesmo assim, defendeu que a instituição está agindo contra a inflação e que continuará a agir. Não deu mais pistas, no entanto, sobre como serão essas ações.

Gastos públicos

O BC conta também com um ponto final da recomposição de preços previstos para os próximos meses e a reversão do impacto da política fiscal de expansionista para neutra, podendo chegar até o outro extremo de ser contracionista.

O andamento dessa política fiscal será importante para a condução da política monetária, mas o diretor frisou que são essas ações nos juros que vão ter efeitos reais sobre a inflação.

"É importante que fique claro: são as ações de política monetária que vão trazer a inflação para baixo", disse.

Para Hamilton, a política fiscal mais contida entra subsidiariamente nesse processo porque cria condições para que a política monetária funcione "a pleno vapor" e seja transmitida aos preços "em sua plenitude".

O diretor repetiu, em entrevista concedida ontem, pelo menos meia dúzia de vezes uma frase longa da apresentação, que pode ser sintetizada no trecho de que o "BC vai continuar agindo para fazer o que for necessário".

Esse reforço corroborou a expectativa de continuidade de alta da Selic nos próximos meses.

Principalmente, depois que Hamilton confirmou o abandono da expressão "parcimônia", usada logo depois da decisão de aumentar a Selic para 11,75% ao ano este mês.

A palavra "código" já teria cumprido o papel, segundo ele, de alertar o mercado de que o BC estava apertando o passo naquele momento, mas que não iria dar uma guinada drástica nos juros.

Ao longo do ano que vem, a percepção é de que as expectativas do mercado financeiro serão calibradas pelas taxas de inflação dos próximos meses.

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Analistas têm dúvida de onde a Selic vai parar

Rio de Janeiro - Não há margem de dúvida na linguagem do Relatório Trimestral de Inflação do 4º trimestre, interpretada consensualmente como explicitamente mais dura do que a empregada no comunicado e na ata da reunião do Copom de dezembro.

Já em relação às implicações para a política monetária - especialmente para o atual ciclo de aperto - das projeções de cenário do Banco Central (BC), as opiniões estão mais divididas.

Se parece formar-se um consenso de que a Selic será elevada em 0,5 ponto porcentual (e não 0,25 ponto) na reunião de janeiro, não existe a mesma concordância sobre onde a taxa básica vai parar: se perto de 12,5% ou de 13%.

Caio Megale, economista do Itaú Unibanco, afirma que "embora o BC tenha escrito no relatório que fará o que for necessário para levar a inflação para 4,5% em 2016, o cenário básico dele sugere que o que tem de ser feito não é muito mais do que ele já fez".

Ele ressalva que está levando em conta que o principal fato novo no relatório de dezembro é o endurecimento da linguagem.

Megale observa que a visão do BC sobre crescimento que sai das projeções no relatório teve uma boa piora, caindo para 0,2% em 2014 e 0,6% nos 12 meses até o terceiro trimestre de 2015.

No relatório de setembro, as projeções para o crescimento em 2014 e 2015 eram de respectivamente 0,7% e 1,2%.

Já em relação à política fiscal, o relatório de dezembro prevê impulso à demanda em 2015 "de magnitude desprezível", não podendo "se descartar migração da política fiscal para a zona de contenção".

O economista acrescenta, finalmente, que a projeção de inflação para 2016 no cenário de referência - em que se combinam a hipótese de manutenção dos atuais níveis da Selic e do câmbio com a projeção de inflação do BC - está em 5%, não tão distante assim dos 4,5% do centro da meta.

Dessa forma, Megale considera que a sinalização dada pela linguagem mais dura do relatório corrobora a projeção do Itaú Unibanco de que haverá mais uma alta da Selic na reunião de janeiro, de 0,5 ponto porcentual, seguida de uma alta adicional de 0,25 ponto em março, o que levaria a Selic para 12,5%.

Mudança

O consultor Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, também acha que o endurecimento do tom do relatório em relação à ata e ao comunicado da reunião de dezembro é a principal novidade na divulgação de ontem.

"Se é para valer eu não sei, mas eles mudaram a linguagem de maneira radical, é uma tremenda pirueta."

Para o economista, "à luz desse relatório é praticamente impossível eles não aumentarem a Selic em 0,5 ponto na próxima reunião".

Em relação às projeções do BC, Schwartsman nota que "o cenário está otimista demais tanto em termos de crescimento quanto de inflação - imaginar que a inflação em 2015 vai ser mais baixa que em 2014 é excesso de otimismo".

Sobre o relatório divulgado ontem, o consultor observa que as projeções de inflação do mercado para 2015 já superam 6,5%, comparadas a 6,1% no cenário de referência do BC e 6% no cenário de mercado.

Boa parte da explicação para o otimismo em relação à inflação de 2015, para Schwartsman, está no fato de que o BC trabalhou com uma projeção de alta dos preços administrados menor do que a projetada pelo mercado.

Além disso, a projeção de câmbio do mercado para 2016 agora é de R$ 2,75, comparada à de R$ 2,55 usada no relatório.