Título: E o lobby venceu
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 22/06/2011, Cidades, p. 19

Deputados distritais enterram na Comissão de Constituição e Justiça proposta que vetava a contratação, por parte do governo local, de empresas de parlamentares ou parentes deles. Argumento é de que o projeto tinha vício de iniciativa e deve ser apresentado pelo Executivo

Por quatro votos a um, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa arquivaram o projeto que proíbe o GDF de manter contratos com empresas em nome de deputados ou de parentes de parlamentares. Os distritais estavam na etapa intermediária, de análise da proposta ¿ fase em que são observados critérios jurídicos.

Mas, durante a sessão em que debateram o assunto, ficou evidente que a maioria deles não está de acordo em fechar as portas do vantajoso mercado oficial para o universo parlamentar. Nos últimos quatro anos, o GDF repassou R$ 773,2 milhões a empresas vinculadas a distritais. Dez por cento desse valor foram pagos só neste ano.

Na manhã de ontem, os cinco titulares da CCJ se reuniram para discutir a admissibilidade do Projeto de Lei nº 741, que, se aprovado, criaria dificuldades a distritais cujas famílias prestam serviço para o GDF. É o caso de Cristiano Araújo (PTB) e de Eliana Pedrosa (DEM). Foi também a realidade do ex-distrital Leonardo Prudente (sem partido) enquanto atuou como distrital. Acabou obrigado a renunciar no ano passado, em função do desgaste provocado pela Operação Caixa de Pandora. O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) investiga superfaturamento e dispensa ilegal de licitação em contratos mantidos por empresas vinculadas a Prudente com órgãos do GDF.

Ameaça aos negócios Mas o PL que representa uma ameaça aos negócios de parlamentares foi abortado antes mesmo de a discussão chegar ao mérito da proposta. Os deputados Aylton Gomes (PR), Wellington Luiz (PSC) e Olair Francisco (PTdoB) aprovaram o relatório de Joe Valle (PSB), que apontou vício de iniciativa e sugeriu o arquivamento da proposta. Durante o debate, os deputados não conseguiram se prender apenas aos aspectos jurídicos sobre a que poder caberia propor tal tipo de projeto.

Eles acabaram manifestando o que pensam sobre o teor da proposta. "Não podemos admitir que um parente de parlamentar seja proibido de conquistar seu espaço. Não há nada de admissível aqui. O cidadão, porque é meu primo, é meu irmão, não poder prestar serviço para o governo, não poder ter a vida dele, é inadmissível", considerou Olair Francisco, que é empresário do ramo de calçados. Para Aylton Gomes "quem presta bons serviços, quem apresenta bons preços e participa de uma licitação pública, independentemente do grupo a que estiver ligado, tem de ter a liberdade de concorrer".

Além do mais, Aylton acredita que aprovar o PL 741 seria "inflacionar o mercado legislativo". "Temos que estar muito preocupados para não inflacionar o mercado de lei. Daqui a pouco, estamos cortando, cerceando, e vamos fazer normas, e normas, e normas e normas para normatizar aquilo que já existe". Aylton fez referência a uma das teses vitoriosas na CCJ: a de que a Lei Orgânica do Distrito Federal já contempla a proibição do governo em contratar com deputado distrital.

Privilégios O presidente da CCJ e autor do substitutivo derrotado na comissão, Chico Leite (PT), sustentou em seu voto que a proposta em análise não trata exatamente da mesma vedação prevista na Lei Orgânica, mas estende a proibição para os familiares de distritais. "O fato de parentes de deputados poderem negociar com o governo é criar brecha para sociedade supor que há privilégios. Abre-se assim a possibilidade da confusão entre o público e o particular", considerou.

Desde a semana passada, como revelou o Correio, os deputados já estavam preparados para derrubar o PL nº 741 na CCJ. A novidade ontem é que o relator, Joe Valle, sugeriu que o governo mande a proposta com mesmo teor do projeto em debate, mas cuja iniciativa era até então de um parlamentar. "A minha análise foi do ponto de vista jurídico, com base no estudo feito pela consultoria. O mérito é bom, tanto assim que mandamos uma indicação para o governo. Se considerar o assunto prioridade, vai enviar o projeto à Casa", disse Joe Valle.

O relator também pertence ao mundo empresarial. É dono de uma fazenda, que é uma referência na venda de produtos orgânicos. Mas ressalta que nunca teve e nem terá negócios com o GDF. Joe Valle e Chico Leite foram os únicos signatários da indicação que agora joga para o governo a batata quente com potencial de prejudicar negócios milionários mantidos entre GDF e famílias de deputados.