Tem situações homossexuais que não têm que ser, como o casamento na igreja. Cada coisa no seu devido lugar, pondera Leila Jordão de Sousa. O lugar da analista de 34 anos, desde 2011, é ao lado de Carla Toledo, 32, com quem é casada. Juntas, elas estão prestes a obter a adoção em definitivo da pequena Giovana, 2 anos. A gente quis oficializar (a união). Tínhamos a meta de ter um filho, de alguma forma, e não vimos como ser uma família sem oficializar. A união estável dá direitos, mas a gente não se prende a isso. Se tivermos de reivindicar algo, no futuro, não tem o que questionar, estamos respaldadas, acredita. 

A história de Leila, Carla e Giovana não seria possível, em um futuro hipotético, caso já estivesse em vigor o Estatuto da Família (PL 6.583/13). O projeto promete ser a próxima polêmica entre a bancada de deputados ligada aos evangélicos e a de direitos humanos. O estatuto restringe a definição de família ao núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher ou por um dos pais e os filhos. Dito de outra forma, a matéria pretende impedir a legalização do casamento entre homoafetivos, garantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011. O parecer do projeto deve ser apresentado hoje na comissão especial criada para analisá-lo na Câmara. 

O relator do projeto Ronaldo Fonseca (Pros-DF) incluirá no texto a proibição de adoção por casais de mesmo sexo o que tende a apimentar as discussões. A adoção da criança não é para satisfazer o desejo do adotante, mas para protegê-la. O que prevalece é o direito da criança, não o do adotante, justifica o pastor. Só quero que eles expliquem de onde nasceram as crianças que estão apodrecendo abandonadas e muitas vezes maus tratadas nos orfanatos deste país, provoca Jean Wyllys (Psol-RJ), principal nome do movimento LGBT no Congresso. Existe uma fila de mais de 30 mil casais hetero esperando para adoção, rebate o relator. 

Para Wyllys, o projeto é anacrônico. Em vez de incorporar as últimas decisões do Judiciário, o estatuto nasce equivocado. Ele vem na contramão de um movimento que alcançou o reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar. Eles brigaram no judiciário porque queriam apenas duas coisas: o direito à previdência, à pensão, e o de adotar crianças para satisfazer o ego deles, ironiza Fonseca. 

Outro ponto do estatuto prevê a criação de Conselhos da Família nas escolas, prefeituras e no Executivo, que discutiriam políticas públicas para as famílias. Fonseca explica que um pai poderia integrar o conselho, ainda que casado com outro homem. O estatuto não é contra os homossexuais. Não é porque ele é homossexual que deixou de ser pai. Se ele é pai, poderá participar do conselho, porque não?, explica. Um casal gay sem filhos biológicos, no entanto, ficaria de fora. Eles não constituem uma família. Podem participar de outros conselhos, claro, completa. Wyllys ironiza a proposta. Curioso que a bancada evangélica votou contra o sistema de participação popular da presidenta Dilme, e agora quer instituir um conselho que restringe a participação das famílias homoafetivas. 

Senado 
Oposta à proposta da Câmara, o Estatuto das Famílias (PLS 470/13) do Senado prevê a atualização de todo o livro de Direito da Família do Código Civil. A intenção é incluir a jurisprudência mais recente sobre o tema. Apresentado pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA), o projeto nasceu de estudos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam). Apesar de um parecer favorável ter sido apresentado à Comissão de Direitos Humanos pelo relator, senador João Capiberibe (PSB-AP), uma série de audiências públicas antecederá a votação do relatório, que ficou para a próxima legislatura. 

A advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Ibdfam, critica a proposta que tramita na Câmara e a enxerga como uma aposta na rejeição social que ainda existe à comunidade LGBT. Ela ressalta que a discussão não pode se restringir a radicalismos. A questão não é negar direitos à população LGBT. É negar a condição de família a todos os arranjos que fogem do modelito homem e mulher. O estatuto (da Câmara) não tira direitos só dos homossexuais, mas de uma grande parcela da população, ressalta. Apesar da análise, Fonseca garante que os arranjos monoparentais tio e sobrinho, avós e netos, etc já estão resguardados pela Constituição. 




Votação recorde 
A polêmica em torno do tema transparece no resultado recorde de votos colhidos pela enquete da Câmara sobre o Estatuto da Família. Você concorda com a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?, questiona a pesquisa. Com 4,2 milhões de votos computados a segunda maior enquete do portal tem 1 milhão de participantes , o resultado é apertado. Para 51,57% dos internautas, a definição não é adequada. Outros 48,13% consideram o estatuto correto ao restringir a família à união entre homem e mulher. Os números expressivos, vale ressaltar, são fruto de intensa mobilização nas redes sociais por parte dos grupos pró e contra.