O rombo sem precedentes nas contas públicas não deixou alternativa ao governo senão alterar a meta fiscal para o ano. Nas próximas semanas, o Executivo deve enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para modificar o objetivo fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014. Caso não consiga aprovar a mudança, o governo pode ficar sujeito a sanções previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal.
A LDO estabelece que Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social devem obter superavit primário de R$ 80,8 bilhões neste ano. É a economia necessária para garantir o pagamento dos juros e evitar o descontrole da dívida pública. De janeiro a setembro, porém, o governo fez o contrário: acumulou deficit de

R$ 18,9 bilhões. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, admitiu ontem a necessidade de mudar a lei e disse que o novo objetivo deve ser divulgado até 22 de novembro no relatório bimestral de receitas e despesas publicado pelo Ministério do Planejamento. "O resultado de setembro colocou essa necessidade", afirmou.

No mês passado, os três órgãos registraram o pior deficit da história, R$ 20,4 bilhões. Foi o sexto resultado mensal negativo do ano e o quinto consecutivo. A situação ameaça a credibilidade do país, que fica mais próximo de ser rebaixado pelas agências de classificação de risco, levando o governo e empresas a pagar mais caro para tomar empréstimos. "O risco de o país perder o grau de investimento é cada vez mais latente", afirmou o professor Tharcísio Sousa, da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).

Augustin disse que, para 2015, será mantida a meta de superavit entre 2% e 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). "O que é um contrassenso, porque já sabemos que não é possível alcançar um montante desses após um ano (2014) tão ruim", argumentou o professor Fernando Zilveti, da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Isso só seria possível se a presidente fizesse um ajuste bastante severo nas contas", ponderou o economista chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.

Despesas

"A revisão da meta fiscal não é tão grave quando existe algum problema pontual no ciclo econômico, uma crise. Mas não é o que acontece. É um problema que já carregamos desde 2013 e foi postergado para 2014 com todos os recursos de contabilidade criativa usados pelo Tesouro. E o governo continuou gastando muito, concedendo desonerações sem se importar com os impactos disso nas contas públicas", apontou Zilveti. Conforme relatório do Tesouro para o governo central, as despesas cresceram 13,2% neste ano, um ritmo duas vezes superior ao das receitas, de 6,4%. No mês passado, a arrecadação recuou 5,7%, e os gastos cresceram 5,6%.

O péssimo desempenho das contas públicas ocorre a despeito dos bilhões em ganhos extraordinários que entraram nos cofres do governo. Na quarta-feira, a Receita Federal anunciou que R$ 8,7 bilhões foram arrecadados por meio do Refis em agosto e setembro. Outros R$ 17,6 bilhões foram recebidos em dividendos de estatais, R$ 3,1 bilhões a mais do que entre janeiro e setembro de 2013. Entretanto, caíram as receitas de concessões e subiram os pagamentos feitos à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

"O resultado decorre de um crescimento econômico bem abaixo do que prevíamos. Isso é consequência de dois fatores: expansão internacional menor do que esperávamos e choques de oferta no Brasil. A receita também ficou bem abaixo do que estimávamos", justificou Augustin.