Título: Concentração avança na mão dos estrangeiros
Autor: João Mathias/Panorama Setorial
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/12/2004, Panorama Setorial - A Indústria da Soja, p. A-14

Multinacionais são atraídas pela alta disponibilidade do grão e pela baixa competitividade dos grupos nacionais. A indústria brasileira de oleaginosas, em sua maior parte produtora de soja, está passando por um processo de mudanças. Cada vez mais concentrado em poucas e grandes empresas, o setor vem registrando aumento do número de unidades com maior porte de esmagamento.

De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), as fábricas com capacidade entre 1,5 mil toneladas e 2,99 mil toneladas por dia representaram 40,95% dos estabelecimentos existentes em 2003. Junto às processadoras com capacidade superior a 3 mil toneladas diárias responderam, em igual ano, por 60,87% do parque de máquinas do País. Em contraposição, as unidades de pequeno porte estão perdendo espaço e representam 5,75% do parque industrial nacional.

O avanço das unidades de maior porte foi verificado mesmo quando, entre 2000 e 2001, a capacidade instalada reduziu-se abruptamente. Naquele período, a parcela das instalações com potencial para produzir acima de 3 mil toneladas diárias expandiu-se de 12,11% para 15,01% em relação ao total da indústria.

Multinacionais lideram

Aproximadamente 70% do volume esmagado no Brasil é realizado por dez companhias, de acordo com a Abiove. Além disso, a maior parte do setor é liderada por multinacionais, que viram na crescente produção da oleaginosa no País, e na falta de competitividade das pequenas e médias empresas locais, uma oportunidade para expandir suas operações de esmagamento.

Entre as companhias de grande porte que atendem ao mercado interno e, também, são as principais exportadoras, estão o grupo de capital holandês Bunge, os norte-americanos Cargill e Archer Daniels Midland (ADM), e a Coinbra, do grupo francês Louis Dreyfus. Juntos respondem por um faturamento próximo a R$ 25 bilhões, proveniente de operações no mercado nacional agrícola.A rápida evolução da soja brasileira no comércio internacional, registrada em meados da década de 70, atraiu investidores interessados em instalar esmagadoras no Brasil. Multiplicaram-se em um curto prazo, motivados pelo bom desempenho dos preços internacionais e pelo crescimento do cultivo no País, além da mão-de-obra barata existente no mercado local.

A expansão da indústria também foi incentivada pelo governo brasileiro, que isentou de impostos a importação de equipamentos, além de oferecer outras facilidades. Contudo, a medida logo foi suspensa devido à grande proliferação de processadoras, que, na década de 80, resultou em uma ociosidade de 30% a 40% de capacidade. Ao mesmo tempo, várias esmagadoras, descapitalizadas, foram compradas por companhias de grande porte.

Ao longo dos últimos anos, as tradings aumentaram o seu domínio sobre o setor. Antes, com atividades direcionadas principalmente à comercialização de grãos, passaram a operar com mais peso na industrialização. Absorveram estabelecimentos pelo País afora, formando um emaranhado de aquisições e acordos de arrendamento, com o objetivo de aproximar suas operações das áreas de fornecimento de grãos.

Entre alguns exemplos, está a área de processamento e de refino do grupo Bertol, que passou, em 2002, para o comando do grupo Bunge, o qual também é responsável pelo aluguel da unidade da MGT do Brasil, em Dourados (MS), desde dezembro de 2003. Em 2001, a Imcopa - Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. arrendou a fábrica da Cooperativa Agrária, antes conhecida como Coopersul, que está instalada em Guarapuava (PR). A Imcopa, por sua vez, é arrendatária do estabelecimento da Granosul, em Cambé, no interior do Paraná.

Outros contratos registrados foram o da Olvebasa, em Barreiras (BA), com a arrendatária Cargill Agrícola S.A.; e o da Soccepar, de Bataguassu (MS), cuja unidade estava paralisada desde 1998, com a Coinbra em 2001. Em Petrolina (PE), a Soja Nossa passou a ser administrada pela Caramuru Alimentos, uma das principais brasileiras que se sobressaem no setor.

Junto à ocorrência de arrendamentos e de aquisições, várias empresas passaram por um processo de descapitalização, que, aliado à ausência de financiamento do governo, "está, na prática, asfixiando o setor", comenta um empresário de uma esmagadora arrendada. "Estamos sem capital desde meados da década de 90", afirma o executivo.

Mais próximas do cultivo

À medida que o cultivo de soja está avançando Brasil adentro, o mapa da indústria esmagadora está passando por mudanças. Nos últimos anos, a capacidade instalada do Paraná e do Rio Grande do Sul apresentou retração, enquanto estados mais ao Centro-Norte do País, como Mato Grosso, Bahia, Piauí e Goiás, expandiram o potencial de processamento. Na década de 90, o grosso das plantações de grãos foi deslocado para o Brasil Central.

O salto mais representativo no parque de máquinas processadoras foi em Piauí, que passou de 260 toneladas diárias, em 2002, para 1,76 mil toneladas no ano seguinte. Em julho de 2003, o grupo Bunge inaugurou, em Uruçuí (PI), uma esmagadora com capacidade de mais de 1,5 mil toneladas, com projeção para aumentar para 4 mil toneladas por dia até 2007.

Em busca de agilidade logística, as empresas estão investindo em regiões estratégicas. Para ampliar as operações, a Caramuru Alimentos elegeu o estado de Goiás, onde já tem fábricas em Itumbiara e em São Simão e, em fevereiro deste ano, comprou outra em Catalão. Em agosto último, foi a vez da Cargill inaugurar uma unidade em Rio Verde, com capacidade para processar 1,7 mil toneladas diárias.

Mato Grosso, o maior produtor de soja do País, é outro estado com aumento de capacidade instalada. Embora tenha apresentado o mesmo parque de máquinas de 14,5 mil toneladas diárias nos últimos dois anos, já expandiu esse total no início de 2004. Em fevereiro, a Coinbra, do grupo Louis Dreyfus, começou a operar em Alto Araguaia e, em março, a ADM do Brasil também iniciou o funcionamento das ampliações em Rondonópolis.