Título: Governo se desvia de buracos nas estradas
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Fonte: Gazeta Mercantil, 10/12/2004, Opinião, p. A3

Em continuidade à agenda de redução do Estado e de privatização do patrimônio público, inaugurada pelo ex-presidente Fernando Collor e amplamente aplicada por Fernando Henrique Cardoso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva retoma o programa de concessões rodoviárias, depois de praticamente dois anos de paralisação. Em 2002 o governo FHC interrompeu o processo por motivos políticos, preocupado com a possível repercussão negativa da ampliação do número de estradas com cobrança de pedágio para a campanha eleitoral de seu candidato José Serra.

Ontem o Ministério dos Transportes realizou audiência pública preliminar ao lançamento dos editais de concorrência para oito lotes de rodovias federais, num total de 3.038 quilômetros, mas com um novo modelo de concessão. Hoje, já existem no País 9.644 quilômetros de estradas, tanto federais como estaduais, sob controle de 36 empresas.

Em relação à extensão total da malha rodoviária do País, de 1,725 milhão de quilômetros, incluindo estradas pavimentadas e não pavimentadas, essa parcela sob concessão é muito pequena. Apenas 0,559%. Se forem considerados apenas os 164.988 quilômetros de rodovias pavimentadas, ainda assim as estradas com concessão no momento representam apenas 5,84% do total, mas constituem o chamado filé mignon da malha rodoviária nacional.

É bom, entretanto, fazer uma ressalva: a categoria "rodovias pavimentadas", que consta das estatísticas do Ministério dos Transportes, é, na verdade, força de expressão, diante dos buracos que na última década transformaram nossas já esburacadas estradas em um mar de crateras lunares, que causam grandes danos à frota de caminhões, encarecem os fretes, resultam em perdas de cargas e provocam lentidão nas entregas e grandes prejuízos sociais e econômicos. Sem falar nos números recordes de feridos e mortos, freqüentemente comparados com números menores de baixas em regiões conflagradas no mundo.

A situação se agravou diante da tendência dos últimos governos federais de reduzir a relação dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) sem ajustar suas contas e sem tomar medidas para alterar a elevada rigidez dos gastos públicos. O que se viu foi a redução, cada vez mais acentuada, nos gastos de investimentos em geral, e em transportes em particular, em relação ao PIB. De 2,4% do PIB em 1988, os investimentos totais da União caíram para 0,4% no 1º trimestre deste ano. Enquanto isso, os investimentos do Ministério dos Transportes estiveram sempre abaixo de 0,39% do PIB de 1995 a 2003, chegando a 0,09% em março.

E isso apesar de em 2002 o governo ter introduzido a famigerada Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Combustíveis (CIDE), para assegurar fundamentalmente recursos para a melhoria e expansão da infra-estrutura de transportes. Um montante que viria se somar à parcela do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) destinada à mesma finalidade.

No entanto, o que ocorreu foi que, do total arrecadado com a Cide em 2002 (R$ 7,241 bilhões), só foram utilizados R$ 5,609 bilhões, ou seja, houve uma "perda" de 23%, segundo estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Em 2003, para uma arrecadação de R$ 7,504 bilhões, a "perda" foi de 47%. Neste ano, até 26 de março, para uma arrecadação de R$ 1,339 bilhão, só haviam sido utilizados R$ 105 milhões, com perda de 92%. Essa situação tem uma explicação. Da arrecadação bruta, 20% são redirecionados para outras finalidades pelo mecanismo da Desvinculação de Receitas da União (DRU), previsto na Constituição, e o restante (3% em 2002; 27% em 2003; e 72% até março deste ano) foi esterilizado e absorvido pelo caixa do Banco Central para garantir o superávit primário prometido ao Fundo Monetário Internacional (FMI).Isso mostra, mais uma vez, que a preocupação excessiva com o superávit primário, em um nível mais realista que o exigido pelo próprio rei, contribui para inibir o crescimento da economia ao reduzir o volume de investimentos e não dar recursos para a manutenção das estradas.

O governo chegou até a anunciar a convocação dos batalhões de engenharia do Exército para construir e recuperar rodovias, o que não ocorreu.

Portanto, entre ter estradas péssimas ou com asfalto trafegável, o bom senso justifica a segunda opção, com a concessão de rodovias à iniciativa privada. E a decisão de reabrir as concessões, neste momento, representa literalmente uma luz no fim do túnel. Mas será necessário que as tarifas de pedágio sejam eqüânimes, para não representar o peso de mais um tributo indireto para o setor de transporte (além do IPVA e da Cide) e não desestimular a concessionária. kicker: Hoje, já existem no País 9.644 quilômetros de estradas, tanto federais como estaduais, sob concessão de 36 empresas