Título: Alternativas às Parcerias Público-Privadas
Autor: Antonio C. Meyer e José V. Eneisão
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/10/2004, Opinião, p. A-3

Nunca é demais lembrar que a Parceria Público-Privada (PPP), tal qual concebida pelo projeto de lei federal em trâmite no Senado e pelas leis estaduais já promulgadas, não pode ser tratada como a única solução para que o Estado logre atrair investimentos privados para projetos de relevante interesse social. A PPP poderá sim constituir uma importante alternativa capaz de viabilizar uma imensa gama de projetos prioritários, mas não deve inibir o emprego dos regimes tradicionais de contratação da iniciativa privada - mormente os regimes de concessão, permissão e autorização - quando estes se mostrarem viáveis.

O caso do semi-árido brasileiro é emblemático. O Brasil tem uma vasta região caracterizada pelo clima semi-árido, isto é, escassez de chuvas e sua concentração num curto período do ano. Essa zona climática concentra-se no Nordeste, alcançando parte do Estado de Minas Gerais. Trata-se de uma região carente e pouco desenvolvida, mas rica em terras irrigáveis e com grande potencial agrícola, sobretudo na extensa área que compõe o Vale do São Francisco. Segundo estudo meticuloso do Banco Mundial concluído em abril de 2004, investimentos em agricultura irrigável poderiam promover grande desenvolvimento do semi-árido, com oferta significativa de empregos, redução da pobreza e aumento das exportações brasileiras.

Ciente desse potencial, o governo brasileiro já promoveu nessa região, pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e bancos oficiais como o BNDES e do Nordeste, pesados investimentos em infra-estrutura comum de irrigação, estradas, energia, desapropriação de terras improdutivas para assentamento de pequenos agricultores e financiamento ao cultivo.

Esses investimentos realizados pelo poder público no semi-árido, contudo, têm se mostrado insuficientes e, o que é pior, subaproveitados, pois as limitações, controles orçamentários e burocracia próprios da máquina estatal impedem que esta atue com agilidade e mentalidade empresarial necessárias ao sucesso do agronegócio no contexto de competitividade global. Como resultado disso, as obras de infra-estrutura não são concluídas na extensão e no prazo desejados, e quando concluídas não são operadas ou mantidas adequadamente. Pequenos agricultores também não encontram parceria empresarial necessária ao sucesso do empreendimento.

Reconhecendo essas deficiências da máquina estatal, o governo vem apostando nas parcerias público-privadas como forma de inserir a comunidade empresarial na cadeia do agronegócio integrado, transferindo a esta a responsabilidade pela realização de investimentos em infra-estrutura de irrigação, operação e manutenção dessa infra-estrutura, investimentos complementares, cultivo de áreas próprias e integração de pequenos agricultores mediante coordenação de atividades, apoio tecnológico e compra de suas colheitas.

Alguns relevantes projetos já se encontram contemplados em regime de PPP no Plano Plurianual de 2004-07, tendo sido selecionados como projetos pilotos. O governo discute ainda um projeto de lei que pretende reformular a atual Política Nacional de Irrigação (Lei n 6.662, de 1979), com o objetivo de torná-la mais atual e favorável ao desenvolvimento de novos projetos.

Embora as PPP possam de fato criar oportunidades e opções novas de colaboração entre os setores público e privado, a perspectiva de aprovação de tal instrumento não deve inibir iniciativas do Estado baseadas em regimes que já se encontram ao seu alcance. Em primeiro lugar porque a ação do Estado não pode ficar paralisada. Em segundo, porque as PPP precisam ainda percorrer o caminho que vai desde sua aprovação no Congresso até sua regulamentação e possibilidade de implementação efetiva. E, por fim, porque as PPP devem ser reservadas àqueles projetos que não seriam viáveis mediante simples cobrança de tarifa ou preço de seus usuários ou consumidores.

No caso do semi-árido, estudos do governo indicam que alguns projetos de agricultura irrigável, sobretudo onde já foram feitos pesados investimentos do setor público na infra-estrutura básica, poderiam ser economicamente viáveis, sendo capazes de gerar produção suficiente para cobrir os custos de conclusão, operação e manutenção da infra-estrutura básica e complementar, do cultivo e da integração dos pequenos agricultores, com remuneração potencialmente atrativa.

Se isso é verdade, o governo poderia servir-se de instrumentos vigentes como a concessão de uso de bem público, de direito real de uso ou mesmo de serviço público, para transferir desde já à iniciativa privada a responsabilidade pela realização de tais investimentos com maior agilidade e eficiência.

Em muitos casos, o desenvolvimento não depende de novas leis, mas de alteração do paradigma existente, retirando dos projetos o viés social de subsistência para imprimir a visão moderna do agronegócio economicamente sustentável, cujo resultado será o progresso da região e do País.

kicker: Concessões nos projetos de irrigação do semi-árido são opções além das PPP