Título: Entrevista - Mohammed Agila El-Emami
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2011, Mundo, p. 15

Ele nasceu e vive em Benghazi, no leste da Líbia, principal reduto do Conselho Nacional Transitório (CNT) e da rebelião contra Muamar Kadafi. Mohammed Agila El-Emami, 68 anos, é um renomado escritor, autor de 18 obras. Formado em medicina, atua no Comitê de Ajuda do CNT e no Comitê de Médicos Árabes. Nos últimos dias, tem se dedicado a coletar recursos para a oposição, comprar alimentos e remédios e ajudar feridos no campo de batalha. Era o que fazia ontem, no Cairo: levava rebeldes para tratamento médico. Em entrevista ao Correio, por telefone, ele afirma que o regime entrou em colapso e prevê que o coronel cairá em até 10 dias. El-Emami descarta a participação de militantes da rede terrorista Al-Qaeda nas fileiras da insurgência e defende que a coalizão internacional dê treinamento militar para os rebeldes. ¿Kadafi revelou-se um assassino e perdeu o direito de governar¿, sentencia.

"O coronel cairá em até 10 dias"

Que impacto a deserção do chanceler Moussa Koussa poderá ter sobre o regime de Kadafi? Moussa Koussa é uma pessoa muito próxima do ditador, guarda todos os segredos do regime. A deserção é sinal de que ninguém pode se importar com um líder que bombardeia o próprio povo. A renúncia deveria ter ocorrido dias atrás. De qualquer modo, isso significa que o governo está em colapso. Kadafi está enfrentando o país inteiro. Ninguém está ao lado dele. Ele deveria partir, desistir. Kadafi revelou-se um assassino e perdeu o direito de governar. Algumas cidades e vilas estão cercadas por seus tanques, à mercê dos moradores, que estão armados. Quanto mais rápido ele partir, menos vítimas teremos.

Mas o coronel alertou que a situação pode sair do controle da coalizão¿ Kadafi ainda depende do povo. Ele está tentando ganhar tempo e pretende fugir, provavelmente para Uganda. Assessores importantes já desertaram, como Ali Treki, que foi ministro das Relações Exteriores por tantos anos (1976 a 1982). Kadafi está caindo. Ele vai renunciar nesta semana ou, no máximo, em 10 dias.

Caso essa previsão se confirme, qual será o papel do Conselho Nacional Transitório (CNT) na formação de um novo governo? Você já pensou por que o povo fez essa revolução? Os líbios a fizeram por causa da falta de liberdade, da ausência de democracia, por não se sentirem cidadãos. O que acontecerá agora? Enquanto lutam por sua liberdade, eles formarão um governo democrático, que acredite na liberdade, que diga o que todo mundo quer que ele diga e viva em paz com seus vizinhos. Esse regime convocará eleições e respeitará todas as necessidades e crenças do povo. O mais importante é que a liberdade existirá. É por isso que estamos lutando. Será um governo 100% democrático e as pessoas acreditarão nele. A transição para a democracia ocorrerá gradualmente, levando em conta as opiniões alheias. Eu conheço a maior parte dos membros do CNT. São bem educados, ainda que alguns não falem inglês. Muitos se formaram na faculdade de direito, onde Kadafi proibiu o estudo de idiomas. Dois deles são médicos graduados no Reino Unido. Dois ou três concluíram pós-doutorado em ciência política. Todos trabalham para construir uma sociedade democrática. Tenho certeza de que nenhum deles deu chance alguma a alguém para que roubasse sua esperança ou sua alma. O mundo deveria relaxar e não temer o que há de vir. As pessoas procuram por liberdade desde 1969.

Os Estados Unidos sugerem que a coalizão treine os rebeldes. Isso ajudaria a apressar a transição? Isso nos ajudaria muito. As pessoas que estão lutando pela Líbia têm apenas poucas armas antigas, principalmente pistolas. Por que elas não podem ter tanques e equipamento pesado? Esse governo estúpido esqueceu-se do próprio povo. Precisamos ter uma força militar treinada. Não podemos deixar nosso país à mercê de mercenários do Mali, do Chade e da Sérvia. Esses assassinos estão na Líbia. Precisamos ser treinados e pegá-los.

A Otan afirma que militantes da Al-Qaeda e do Hezbollah integram as fileiras da insurgência. Não é um contrassenso? Isso é mentira. É a primeira vez que saio da Líbia desde o início da revolução. Eu permaneci o tempo todo lá. Nosso povo, quando está em uma situação ruim, apela apenas a Deus. Isso é o que está ocorrendo na Líbia. Rezamos a Deus para nos livrar de Kadafi. Não temos qualquer relacionamento com o fundamentalismo. Nós respeitamos nossa religião. Não existem membros da Al-Qaeda ou fundamentalistas entre os revolucionários.

Qual é o risco de a Líbia se fragmentar em dois territórios, um dominado pelos pró-Kadafi e outro pela oposição? Não existe o perigo de o país se tornar um novo Iraque? Não temos outras religiões ou sectarismo, como no Iraque, que abriga xiitas e outros. Acreditamos apenas em uma coisa: a Líbia pertence a nós. Não há espaço para milícias. Além disso, os partidos em meu país serão usados para disseminar a liberdade e a democracia. Em minha cidade, Benghazi, você pode encontrar tribos de todas as cidades e relações matrimoniais entre essas tribos. O cenário é bem diferente do Iraque.

A Líbia está realmente enfrentando um massacre cometido pelas forças de Kadafi? Os tanques e os franco-atiradores posicionados nos telhados atiram em qualquer coisa que se mova. Não há eletricidade, não há água, enfrentamos a escassez de medicamentos e os hospitais entraram em colapso. É um massacre, realmente. Por isso, as pessoas procuram armas. Se estiverem bem armadas, podem libertar os moradores de Misrata.