Título: Aliados planejam futuro sem Kadafi
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 29/03/2011, Mundo, p. 20

Chanceleres de 40 países se reúnem hoje em Londres para debater os rumos da transição na Líbia. Rebeldes prometem julgar ditador

Se depender da coalizão internacional e dos rebeldes líbios, o ditador Muamar Kadafi está com os dias contados. Enquanto os insurgentes conquistam importantes posições no front, no campo diplomático os países envolvidos na guerra contra o ditador começam a planejar a transição política em Trípoli. Denis McDonough, conselheiro adjunto de segurança nacional da Casa Branca, afirmou que uma reunião marcada para hoje, em Londres, definirá a situação da Líbia quando o coronel deixar o poder. ¿Acreditamos que seja muito importante definir um objetivo, uma visão de futuro¿, explicou McDonough. ¿Não vamos liderar a reunião, que será dirigida pelo Reino Unido, mas esperamos que se definam o objetivo político final e aquela meta que os líbios podem esperar.¿

Mais cedo, o premiê britânico, David Cameron, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, deram uma prévia do que será debatido durante o encontro, que contará com a participação de ministros das Relações Exteriores de 40 países. ¿O regime atual perdeu toda a legitimidade. Kadafi deve partir imediatamente¿, advertiram os dois governantes. Em discurso na noite de ontem, o presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou que a coalizão evitou uma ¿catástrofe humanitária¿ na Líbia.

Finbarr O"Reilly /Reuters Rebeldes avançam pelo deserto rumo a Sirte, terra natal do coronel líbio: lança-granadas e uniforme camuflado

Confiantes com as retomadas de cidades-chave ¿ como Bin Jawad, Brega e o porto petrolífero de Ras Lanuf ¿, os insurgentes já se preparam para o futuro. Em entrevista à TV France 2, Mustafá Abdeljalil, presidente do Conselho Nacional Transitório (CNT), afirmou que Kadafi será julgado na Líbia pelos próprios rebeldes, ¿após a vitória¿. ¿Precisamos com urgência de armas leves, porque o combate nos impõe¿, declarou o ex-ministro da Justiça, em um local secreto na região de Benghazi (leste). ¿Tentaremos construir um país livre, democrático, que respeita os direitos humanos e a alternância política¿, acrescentou Abdeljalil.

Por e-mail, o tunisiano Jabeur Fathally, professor de direito da Universidade de Ottawa (Canadá), admitiu ao Correio que a situação de Kadafi é complicada. ¿Suas forças perderam boa parte das capacidades operacionais e logísticas. Agora, o coronel tenta manter suas tropas na região da capital¿, disse. O especialista reconhece que o avanço dos rebeldes no leste da Líbia é o resultado dos ataques da coalizão. ¿Kadafi não tem poder para mover suas tropas a outras cidades sem a ajuda da aviação, praticamente destruída pelos bombardeios¿, comentou. Fathally também garante que os líbios e o Ocidente gostariam de colocar um fim rápido à guerra civil e, para isso, ainda buscam um acordo para que o ditador recorra ao exílio no Catar.

O historiador palestino-americano Rashid Ismail Khalidi, professor de estudos árabes da Columbia University (em Nova York), demonstra reticência em relação a um triunfo das forças de oposição. ¿Os relatos que tenho visto não indicam um alto grau de organização, de treinamento ou de competência (dos rebeldes). Os testes serão se eles podem tomar Sirte e levantar o cerco a Misrata, antes que a cidade seja destruída ou reocupada pelas forças de Kadafi. Depois, será preciso ver até que ponto a base de apoio ao ditador em Trípoli vai se desmoronar¿, analisa. De acordo com Khalidi, os insurgentes estão longe de derrotar as tropas do coronel e de derubá-lo, mais ainda de levá-lo a julgamento. Ele sustenta que a ideia de uma solução negociada apoiada pela Turquia ¿ que incluiria a renúncia e a fuga de Kadafi ¿ incidiria em menos mortes, mas em impunidade.

Bombas Enquanto um acordo político começa a ser costurado nos bastidores, os Estados Unidos intensificam novos meios de ataque, destinados especificamente às forças terrestres de Kadafi. ¿Utilizamos aparelhos A-10 e AC-130 no fim de semana¿, admitiu o vice-almirante Bill Gortney, diretor do Estado-Maior Conjunto dos EUA. O A-10 visa destruir carros e blindados a curta distância. O AC-130 é um avião de transporte adaptado para o combate com canhões de 105mm.

Na noite de ontem, a coalizão alvejou posições leais ao ditador líbio nas regiões de Mezda (centro), Gharyan (oeste) e em Tajura, um subúrbio de Trípoli. Um morador de Gharyan, a 120km da capital, contou à agência France-Presse que uma forte explosão sacudiu a cidade às 20h15 (15h15 em Brasília). Um depósito de armas e de munições teria sido atacado. Gharyan e Mezda são bases de retaguarda das tropas de Kadafi em suas incursões contra as cidades de Zenten e Yefren (oeste), controladas pelos insurgentes. O líder rebelde Abdel Fateh Younes anunciou à TV Al-Arabyia que seus homens conquistariam Sirte, cidade natal de Kadafi, ¿em questão de horas¿.

Otan assumirá o controle amanhã Os bombardeios na Líbia permanecerão sob controle da coalizão internacional até amanhã e, depois do prazo, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) assumirá o comando efetivo das operações, informou a aliança ocidental. ¿A transição será progressiva e levará dois dias¿, declarou ontem a porta-voz da Otan, Oana Lingescu. Os 28 países da Otan decidiram no domingo assumir o comando da operação militar na Líbia, que era dirigida pelos Estados Unidos desde 19 de março. A aliança também assumiu o controle do embargo naval para evitar o tráfico de armas e o envio de mercenários à Líbia.