Título: A capitalização do BNDES
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/09/2008, Notas e Informações, p. A3

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá receber, neste ano, recursos adicionais de cerca de R$ 40 bilhões, como vinha pleiteando seu presidente, Luciano Coutinho. O sinal verde foi dado quarta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista à TV Brasil.

É louvável a preocupação do governo de evitar que o agravamento da crise do sistema financeiro dos Estados Unidos afete as empresas brasileiras, que dependem de financiamentos. Mas as autoridades têm de ser rigorosas com a preservação dos fundamentos da política econômica, que garantem o equilíbrio da situação financeira da União e dos bancos estatais, bem como o estrito respeito às regras de Basiléia - que proporcionaram ao País, até agora, condições para resistir melhor às conseqüências da crise externa. Recursos novos para o BNDES não devem provir do aumento da colocação de títulos públicos.

Merece crítica, por isso, a afirmação do presidente Lula, confirmada por Coutinho, de que o governo alterará regras que impedem o banco de emprestar grandes somas de recursos a uma única empresa. Entre as regras de segurança aplicáveis aos bancos está, justamente, a que impede uma instituição de destinar mais de 25% do seu patrimônio líquido (no caso do BNDES, trata-se do patrimônio de referência) a um só cliente. Essa regra não deve ser modificada.

O BNDES evidencia fome de recursos justamente quando eles escasseiam. Incumbido de financiar investimentos, o banco tem como principal fonte de recursos o FAT, mas as despesas desse Fundo superam as receitas desde 2000. Em 2007, o FAT já teve déficit primário, o que impede repasses adicionais ao BNDES.

Não dispondo mais dessa fonte natural, o banco conseguiu R$ 6 bilhões em títulos de longo prazo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e um empréstimo de R$ 15 bilhões do Tesouro - duas operações de antecipação de recursos. Agora, está prestes a alcançar mais R$ 7 bilhões do FGTS para aplicar em projetos de infra-estrutura. E o Tesouro entrará com mais R$ 15 bilhões.

A ambição do BNDES por recursos e a do governo em relação ao papel do banco como propulsor do crescimento econômico parecem ilimitadas. Nos últimos 12 meses, até agosto, as aprovações de empréstimos do BNDES atingiram R$ 110,7 bilhões e os desembolsos, R$ 80,8 bilhões, um recorde histórico. Como seu orçamento para 2008 é de R$ 80 bilhões, ele teria, até dezembro, de pisar no freio, no auge da crise internacional.

Segundo o superintendente da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico do BNDES, Ernani Teixeira Torres Filho, a maior preocupação do banco é, hoje, oferecer linhas de curto prazo para exportação, que começam a escassear. Melhor será se o banco conseguir atrair recursos de fundos soberanos e empresas de private equity dispostos a investir no País, como sugeriu Torres.

O BNDES tem planos de financiar os projetos hidrelétricos do Madeira, gasodutos, estradas, e até investimentos da Petrobrás nos campos do pré-sal. Seu raio de atuação não se limita ao Brasil, emprestando para empresas brasileiras que investem na infra-estrutura de países vizinhos, como Venezuela e Argentina. O primeiro escritório de representação do banco na América Latina foi anunciado em 2007, em Montevidéu.

Na semana passada, o BNDES concluiu um acordo com o Banco de Inversión y Comercio Exterior e o Banco de la Nación Argentina, anunciado no encontro entre os presidentes Lula e Cristina Kirchner, para viabilizar projetos de infra-estrutura regional que proporcionem a ampliação do comércio bilateral.

É provável que não haja recursos para tantas iniciativas, simultaneamente. Como alertou o economista Edmar Bacha, em entrevista ao Estado (18/8), o Brasil não pode ¿achar que se pode compensar uma contração do crédito privado abrindo as burras do Tesouro e do Banco do Brasil¿, advertindo: ¿Isso é a receita para o desastre.¿

Com o BNDES oferecendo taxas subsidiadas, a demanda de recursos tende a crescer ainda mais.