Título: Chávez deve ampliar estatização para outros setores da economia
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2008, Internacional, p. A11

Em menos de uma semana, dois anúncios feitos pelo governo da Venezuela colocaram o país mais perto do modelo de gestão socialista perseguido pelo presidente Hugo Chávez. Primeiro, a expropriação da unidade da fábrica de cimento mexicana Cemex, anunciada na terça-feira passada. Depois, o anúncio feito anteontem pelo próprio Chávez de que o setor de distribuição de combustíveis passará para o controle estatal. As duas medidas sugerem que a onda de estatizações de setores considerados estratégicos por Caracas - e que tanto causam temores nos investidores e na iniciativa privada - ainda não está longe do fim.

Na avaliação da economista María Cecilia Ramírez, da consultoria venezuela Ecoanalítica, há indicações de que empresas de pelo menos outros quatro setores ainda poderão encampadas pelo Estado: alimentos, saúde, mineração e construção. "O setor de alimentos há muito tempo é uma das tentações do Estado." Segundo ela, empresas grandes como Cargill e a Polar (uma das maiores distribuidoras de farinhas, óleos e massas) poderiam ser alvos de estatizações. Chávez já ameaçou assumir o controle de açougues e supermercados no país, numa reação à escassez de produtos alimentícios nas prateleiras.

No caso da saúde, os alvos seriam as clínicas e hospitais privados - segmentos cujos preços foram recentemente regulados pelo Estado sob a alegação de que algumas tarifas dos atendimentos estavam excessivamente altas.

Mineração e construção civil, diz María Cecilia, também são vistos como setores de interesse do governo. O setor de construção já começou a passar para as mãos do Estado por meio da estatização de fábricas de cimento: além da Cemex, cujas três plantas expropriadas na terça-feira da semana passada depois do fracasso de negociações em relação ao preço, a francesa Lafarge e a suíça Holcim estão em processo de negociação de venda de seus ativos. O setor de construção interessaria o governo para impulsionar e baratear a construção de moradias populares.

O governo Chávez já estatizou a maior empresa de telefonia do país, empresas dos setores de eletricidade, siderurgia e cimento e assumiu o participação majoritária de quatro projetos de petróleo na região da Faixa do Orinoco.

"Dentro da proposta do governo da Venezuela, setores considerados estratégicos são passíveis de passarem por uma análise para se definir ou não sua estatização", disse ao Valor Nelson González, diretor do setor de política e comunicação da Embaixada da Venezuela em Brasília. "O setor de saúde é estratégico para qualquer sociedade. Mas não vemos sinais de que seja nacionalizado. O que o Estado está fazendo é uma avaliar custo dos serviços em relação aos serviços e tentando regular os preços para que fiquem dentro da realidade econômica do país." O mesmo acontece com a educação, completa ele. "O principal objetivo do governo é evitar especulação, mas não há pela frente sinais de nacionalizações desses setores."

González disse que não tinha à mão informações sobre as condições de outros setores mencionados por María Cecilia como potencialmente 'estatizáveis'.

A Constituição aprovada em 1999, já sob o governo de Hugo Chávez, estabelece quatro modelos de propriedade no país: privada, estatal, mista e social - esta última representada por cooperativas e grupos de cidadãos reunidos em conselhos comunais, estruturas criadas por Chávez e que têm poder para influir nos orçamentos municipais e nas formulações de políticas locais.

Alguns desses conselhos assumirão o controle administrativo de postos de combustíveis pelo país pertencentes à estatal PDVSA (156 de 1.800) após a aprovação de uma nova lei que regulará a venda de combustíveis no país. Críticos dizem que a alegada falta de experiência dos conselhos deverá comprometer a qualidade dos serviços nos postos de serviços.

A Assembléia Nacional aprovou na quarta-feira em primeira votação o texto que transfere para o Estado todo o setor de distribuição de combustíveis líqüidos. Os postos de combustível em mãos privadas não serão estatizados .Controlada por uma maioria governista, a expectativa é que a Assembléia Nacional aprove a lei em segunda e decisiva votação. Atualmente, 51% da distribuição de combustíveis líqüidos na Venezuela está a cargo de empresas privadas, entre elas multinacionais como British Petroleum, Exxon Mobil e Chevron. Os demais 49% do setor estão nas mãos da subsidiária da estatal venezuelana de petróleo PDVSA. Pela lei, as empresas terão 60 dias para negociar seus ativos; caso contrário serão expropriadas.

No processo de estatização da siderúrgica Sidor ocorrida este ano, as negociações com Caracas emperraram e o Grupo Techint, controlador da empresa, anunciou que levará a disputa para centro de resolução de disputas de investimentos do Banco Mundial. O grupo quer ser indenizado imediatamente e em dinheiro pela perda da empresa, demanda rejeitada por Chávez. A Sidor é a maior siderúrgica da Venezuela e produziu 4,3 milhões de toneladas métricas de aço no passado.