Título: Candidatos divergem sobre destino do lixo
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2008, Política, p. A7

O lixo do Rio é um dos problemas que o próximo prefeito do Rio vai herdar da administração Cesar Maia (DEM). Há cinco anos, Maia insiste, sem sucesso, em criar um aterro sanitário para depositar mais de dez mil toneladas diárias de lixo domiciliar no bairro pobre de Paciência, zona Oeste da cidade. O local serviria de alternativa à Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para onde vai a maior parte do lixo produzido pelos cariocas.

O projeto de Maia esbarrou em um sem-fim de disputas judiciais, algumas das quais ainda perduram nos tribunais. Na Justiça Federal, a briga refere-se ao licenciamento ambiental do projeto, questionado por ONGs. Na Justiça do Rio, espera-se a decisão final sobre a validade do contrato assinado entre a Companhia Municipal de Lixo Urbano (Comlurb), controlada pela Prefeitura, e a empresa Julio Simões Transportes e Serviços.

Em 2003, a Julio Simões ganhou licitação para construir e operar o aterro de Paciência, à beira da avenida Brasil, principal via de acesso ao Rio, em contrato de 15 anos no valor de cerca de R$ 1 bilhão.

Em entrevista por e-mail, Maia acusou "a máfia do lixo". "Até o Palocci (Antônio Palocci, deputado federal pelo PT) entrou nela (na máfia). A morte de Celso Daniel (ex-prefeito de Santo André assassinado em 2002) passou por ela", disse o prefeito.

"O lixo é um problemão para o Rio. Tem que haver rescisão do contrato de Paciência", diz o candidato a prefeito Chico Alencar, do PSOL. Entre os oito principais candidatos, apenas Solange Amaral (DEM), que tem o apoio de Maia, e Marcelo Crivella (PRB) são favoráveis à manutenção do contrato do aterro de Paciência firmado com a Julio Simões. Fernando Gabeira (PV), Eduardo Paes (PMDB), Jandira Feghali (PCdoB), Alessandro Molon (PT) e Paulo Ramos (PDT) são contra.

Como o município tem 99,9% das ações da Comlurb, quem manda na empresa é o prefeito. E caberá ao sucessor de Maia encontrar uma solução para o impasse que envolve a construção do novo aterro. "Não dá mais para o próximo prefeito empurrar (o problema) com a barriga", diz José Henrique Penido, assessor da diretoria da Comlurb.

Maia argumenta que a licitação para instalar o novo aterro é vantajosa para o Rio: "Quando numa licitação com padrões internacionais conseguimos uma redução de custos do aterro em 40%, a máfia entrou com todo o vapor. O mercado brasileiro (do lixo) para 15 anos é estimado em mais de R$ 200 bilhões. Eles sabem que vão perder R$ 80 bilhões a médio prazo com a entrada de nosso aterro", disse o prefeito.

Procurado pelo Valor, Palocci não retornou as ligações. Ele está sob investigação no Supremo Tribunal Federal em inquérito que apura esquema de superfaturamento do serviço de limpeza pública quando foi prefeito de Ribeirão Preto (SP), entre 2000 e 2002.

O prefeito acrescenta que a Júlio Simões, a empresa de transporte que ganhou a licitação, é uma das "pouquíssimas" que não faz parte do grupo da máfia. A Júlio Simões é uma grande empresa de cargas, transporte público municipal e aluguel de veículos com sede em Mogi das Cruzes (SP). A empresa vem ampliando a atuação no Rio por meio de contratos com o Estado e o município.

Em setembro de 2007, a Julio Simões ganhou licitação aberta pelo governo do Estado para terceirizar a operação da frota da Polícia Militar. O contrato, de R$ 69,8 milhões, prevê a compra, gestão e manutenção de 632 carros por dois anos e meio. A empresa também tem cerca de 80% dos veículos de coleta da Comlurb.

Com Paciência, a empresa poderá deter uma espécie de monopólio do lixo na cidade controlando o transporte e o destino final dos resíduos. Eduardo Paes, candidato pelo PMDB, diz que o projeto é um equívoco e passou "por processo licitatório estranho". Propõe implantar diversos aterros menores na cidade ou no limite com outros municípios.

Fernando Gabeira, do PV, afirma que Jardim Gramacho, para onde vão cerca 7,5 mil toneladas dia do lixo do Rio (outras 2,5 mil toneladas/dia destinam-se a Gericinó, em Bangu), está próximo ao limite de sua capacidade. A tendência, segundo Gabeira, é reduzir o tamanho de Paciência e criar vários aterros pequenos pela cidade. Questiona Paciência ainda pelo risco de congestionar ainda mais a Avenida Brasil.

O vice de Gabeira, Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), é radicalmente contra Paciência. Ele é do mesmo partido da vereadora Lucinha, que atuou para derrubar o projeto de Maia. A base eleitoral de Lucinha situa-se na região de Paciência, onde estima-se existam 100 mil eleitores.

O candidato do PT, Alessandro Molon, acusa a atual gestão de "irresponsável" na questão e é favorável à instalação de novo aterro em modelo que ofereça compensação aos moradores da localidade escolhida. Ele avalia que Gramacho deve ser fechado. "Os técnicos dizem que a situação já passou do limite, inclusive pelo peso, porque o lixo pode desabar sobre a Baía de Guanabara", disse Molon. Em 2005, a Comlurb já chamava a atenção que Gramacho estava em final de vida útil. Há porém quem entenda que Gramacho ainda tem capacidade.

Paulo Ramos, do PDT, entende que a zona Oeste do município, a mais pobre e que costuma decidir as eleições na cidade, não pode virar destino final de todo o lixo. Jandira Feghali, do PCdoB, diz que o licenciamento ambiental de Paciência foi irregular, uma vez que a área é urbanizada e propõe consórcio entre os municípios da região metropolitana. A Feema, o órgão ambiental do Estado, concedeu a licença prévia para Paciência em 27 de maio.

O procurador Carlos Saturnino de Oliveira, do Ministério Público Estadual, analisa a licença da Feema para ver se atende a exigências ambientais, entre as quais tratamento do chorume (líquidos do lixo), instalação de cinturão verde, impactos viários e a proibição de catadores.

Em junho, a 26ª Vara da Justiça Federal, no Rio, concedeu liminar suspendendo qualquer ato do contrato entre a Julio Simões e a Comlurb apoiada em relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM). A guerra judicial atravessará a campanha e cairá no colo no próximo prefeito.