Título: Leis bancárias
Autor: Troster , Roberto Luis
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2008, Opinião, p. A18

Há séculos existem leis que norteiam a boa prática bancária. A primeira diz: "um faz e outro confere"; a explicação é que a atividade dos bancos é altamente vulnerável a fraudes, erros de avaliação, pressões e distrações. Há versões mais modernas da lei, chamadas de controles internos, segregação de funções, auditoria, fiscalização e supervisão. Apesar das novas nomenclaturas e da sofisticação das operações, a lei na sua versão primitiva vigora para bancos individualmente e para sistemas financeiros. Se a lei tivesse sido observada com rigor, a crise americana teria sido evitada.

A origem dos problemas lá está em empréstimos imobiliários concedidos a mutuários em condições incompatíveis com sua capacidade de pagamento. A demora em verificar os detalhes dos créditos permitiu um crescimento exponencial dessas operações sem lastro real. Era uma riqueza falsa e o valor das perdas será consideravelmente superior ao dos empréstimos predatórios que originaram a quebra de confiança. Centenas de bilhões de dólares do governo estão sendo gastos e milhões de norte-americanos estão perdendo suas casas e emprego.

A segunda lei é: "tempo é dinheiro". A prescrição é clara: complicações têm que ser antecipadas e rapidamente enfrentadas. Ao primeiro sinal de deterioração na solvência de um tomador, deve-se cobrar o que é possível, reduzir seus limites de crédito e aumentar as garantias. Não se deve colocar dinheiro bom em um negócio ruim. Por um lado, problemas, quando deixados por si só, tendem a piorar; e por outro, quem espera para cobrar, pode ficar sem nada. A capacidade de reagir com rapidez é basal para a sobrevivência de um banco.

O ponto é que, em determinadas circunstâncias, a aplicação da segunda lei gera resultados perversos. Em situações de deterioração da confiança, a atuação de cada banco, tentando melhorar a sua condição, piora a do conjunto. Como todos cortam simultaneamente as linhas de crédito, há um enxugamento no mercado, e tomadores solventes, sem a redução da oferta de recursos, ficam inadimplentes por um problema de liquidez. O temor coletivo da piora da capacidade de pagamento de devedores é uma profecia que se auto-realiza.

Os problemas nos subprimes, circunscrito a um segmento do mercado imobiliário, se propagaram a todo o sistema bancário; houve um aperto em todas as carteiras de financiamentos. Limites foram reduzidos, empréstimos deixaram de ser rolados e os critérios de concessão ficaram mais rígidos. A expansão do crédito, que foi um dos motores de expansão da economia norte-americana, se transformou em seu freio. O círculo virtuoso tornou-se vicioso, com a crise de confiança.

-------------------------------------------------------------------------------- A política de repressão creditícia brasileira, com compulsórios recordes e tributação sobre crédito, é um despropósito --------------------------------------------------------------------------------

A prescrição, para a autoridade monetária, é a aplicação da terceira lei, que preceitua a injeção de altas doses de confiança no sistema bancário num cenário de incerteza. É um princípio consolidado na literatura, na prevenção e administração de crises financeiras. É a maneira como o atual presidente do banco central americano, o Fed, Ben Bernanke, está enfrentando a crise. Além de melhorar a supervisão, para evitar que os problemas se repitam, aplicou quantidades abundantes de confiança no sistema financeiro, reduzindo a taxa de juros e aumentando a liquidez dos bancos com linhas de crédito volumosas. A ação está sendo de evitar o pior.

Atualmente, o Brasil vive um bom momento. A economia está crescendo, os termos de troca estão em seu melhor patamar histórico: os preços das exportações estão no seu ponto mais alto e o das importações, baixos. O PIB aumentou 5,4% em 2007 e as projeções são de uma expansão da ordem de 4,7%, este ano. Uma parte considerável do crescimento foi resultado do incremento do crédito, um propulsor da economia que aumentou o consumo e o investimento, gerando um círculo virtuoso. O crédito continua se expandindo a taxas vigorosas e a inadimplência está sob controle.

Entretanto, há sinais que chamam a atenção. A capacidade de pagamento dos tomadores está encolhendo, os juros básicos estão subindo, a inflação diminui a renda real, os limites de endividamento estão se estreitando, a expectativa de crescimento é menor e os critérios de concessão estão mais rígidos. O crédito está ficando mais custoso - na média encareceu 4,2% este ano - e a sua composição está deteriorando. Enquanto o crédito total se expandiu 14% em 2008, a conta garantida, que é uma linha emergencial, aumentou 17,9%, e o cheque-especial para pessoa física cresceu 21,2%. Os custos dessas duas linhas elevaram-se em 10% e 21% respectivamente, apenas no primeiro semestre. São números que merecem atenção.

A prescrição para uma situação como esta é clara. Seguir a primeira e a terceira lei, ou seja, analisar a qualidade da concessão de créditos - sua sustentabilidade, voltados para investimentos, compatíveis com a renda etc. - evitando que uma pequena parcela ruim afete o todo, e injetar confiança no sistema. Entretanto, a atuação é contrária à prescrição: os compulsórios foram aumentados e atingiram a marca recorde de R$ 241 bilhões (8,2% do PIB!), os maiores do mundo, e a tributação sobre operações de crédito foi elevada. É uma política de aumentar spreads, em vez de diminuí-los. É o que mostram os números.

Está se adotando uma política antiinflacionária de repressão creditícia. É um despropósito. O correto, num quadro como o atual, é reduzir gastos públicos, avançar nas reformas para expandir a oferta agregada e complementar, e não substituir, com um aperto monetário. Colocar o controle da inflação apenas nos juros é um erro; colocar quase todo o peso só no crédito é um despautério. É oportuno destacar que os canais de transmissão da política monetária, além do crédito, também incluem o câmbio, as expectativas, a riqueza, os estoques e as decisões de poupar e investir. Uma reversão no círculo virtuoso do crédito pode causar uma estagnação com inflação, em vez de sua redução. Para que correr riscos?