Título: O Supremo e a nova compensação ambiental
Autor: Guerra , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 11/07/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Finalmente foram publicados, na íntegra, os votos e debates do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3378-6, do Distrito Federal, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acerca da constitucionalidade da lei que criou a compensação ambiental. Em 18 de julho de 2000, com a edição da Lei nº 9.985 - que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e regulamentou o artigo 225, parágrafo 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal - a adoção de medidas compensatórias ambientais passou a ser um fator condicionante para o licenciamento de todo empreendimento causador de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão competente. Ademais disso, a Lei nº 9.985, além de ter abrangido o leque de atividades sujeitas às medidas compensatórias, também ampliou a destinação dos recursos, possibilitando ou obrigando o empreendedor a apoiar a implantação e manutenção de uma unidade de conservação do grupo de proteção integral.

O assunto já foi tratado e comentado por alguns ilustres advogados, os quais afirmam que a decisão do Supremo teria agravado a situação dos empreendedores. Permitam-me discordar. Para surpresa dos empreendedores, a denominada compensação ambiental não foi vinculada ao impacto ambiental a ser mitigado, e sim ao montante despendido pelo empreendedor na instalação do negócio. Apesar de tal cobrança objetivar a compensação dos danos causados ao meio ambiente pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o legislador utilizou-se do valor dos custos de implantação do empreendimento como base de cálculo. Ou seja, quanto mais dispendiosa a implantação da planta, até mesmo para causar menos impacto, mais o empreendedor deveria pagar ao governo.

Resumidamente, a norma se apoiava em algumas premissas: 1) era devido um valor mínimo, a título de compensação ambiental, de 0,5%; 2) a base para o montante desse valor era o investimento aportado; 3) o órgão ambiental possuía uma "carta em branco", pois competia a ele decidir o valor, compulsoriamente superior àquele percentual.

Com a decisão do Supremo a situação mudou - mas para melhor. E isso se deve aos calorosos debates provocados pelo voto divergente, de autoria do ministro Marco Aurélio de Mello, cujo objetivo centrou-se na retirada do "cheque em branco" das mãos do administrador público, pois seria uma delegação imprópria - contrária, portanto, ao texto constitucional de 1988 - e a desvincular a compensação ambiental do valor do investimento, de modo que houvesse, sim, uma relação de causalidade entre o dano e a compensação, conforme o artigo 225, parágrafo 3º da Constituição.

Com as intervenções e proposta da lavra do ministro Menezes Direito, chegou-se a uma decisão majoritária de interpretação com redução de texto, que, em primeiro lugar, retirou as expressões "não pode ser inferior a 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento" e "o percentual", constantes do referido parágrafo 1º do artigo 36. Com isso, deixou-se de aplicar, compulsoriamente, o percentual de 0,5% sobre todo e qualquer empreendimento de significativo impacto ambiental. Vale, a partir de então, uma análise caso a caso do valor devido sem que já se parta de um piso obrigatório.

-------------------------------------------------------------------------------- É bom ter em conta que o percentual estipulado e o destino dos recursos sempre serão passíveis de questionamentos --------------------------------------------------------------------------------

A decisão também seguiu na linha sustentada pelo ministro Marco Aurélio de Mello de que o administrador público não pode ter um "passaporte para o absoluto", uma discricionariedade insindicável e incontrolável. Assim, o quantum da compensação passou a vincular-se ao grau de impacto do empreendimento - e não mais aos custos - apurado de acordo com o estudo de impacto ambiental e seu relatório, com possibilidade de amplo debate, permitindo transparência e previsibilidade técnica.

Na avaliação de impacto ambiental são identificados os aspectos positivos e os negativos de um empreendimento. Nos negativos são definidas as medidas mitigadoras, avaliando-se, ainda, a eficiência de cada uma delas. Daí, segundo a máxima de que o bom é inimigo do ótimo, o aplauso à decisão do Supremo, pois, considerando que alguns desses impactos não são passíveis de serem mitigados, como fonte alternativa será devida uma compensação por meio da destinação de recursos para a manutenção de unidades de conservação ou criação de novas unidades.

Vale lembrar que remanesce o disposto no caput do artigo 31 do Decreto nº 4.340, que veio a regulamentar diversos artigos da Lei do SNUC, entre eles o citado artigo 36. No concernente à identificação dos empreendimentos obrigados à adoção de medidas de compensação, foram estabelecidos alguns critérios para vincular essa atividade do órgão ambiental. Consoante disciplinado nesse ato regulamentar, somente estariam sujeitos à medida compensatória os empreendimentos que potencialmente causem, no momento de sua implantação, impactos negativos não mitigáveis e passíveis de riscos que possam comprometer a qualidade de vida de uma região ou causar danos aos recursos naturais.

De acordo com o artigo 32 do já citado Decreto nº 4.340, os órgãos licenciadores deverão instituir câmaras de compensação ambiental com a finalidade de analisar e propor a aplicação da compensação ambiental para a aprovação pela autoridade competente, de acordo com os estudos ambientais realizados.

Por fim, a decisão do Supremo reafirma a indispensável observância do devido processo legal - o direito ao contraditório e à ampla defesa - no processo de apuração dos valores a serem fixados proporcionalmente ao impacto ambiental. Considerando a dificuldade de valoração do dano ambiental, somada à inexistência de critérios objetivos para a fixação do montante a ser destinado pelo empreendedor para efeitos de compensação ambiental - e à utilização eficiente dos recursos financeiros - é bom ter em conta que o percentual a ser estipulado pelo licenciador, assim como o destino dos recursos, sempre serão passíveis de questionamentos na esfera administrativa ou, até mesmo, judicial, agora com maior chance de êxito.

Sérgio Guerra é doutor em direito, professor da FGV Direito Rio e co-autor do livro "Direito Ambiental" pela editora Freitas Bastos

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