Título: Energia mais cara vai reduzir risco de racionamento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2008, Especial, p. A14

A energia elétrica mais cara, independentemente do reajuste anual das distribuidoras, veio para ficar e é conseqüência das medidas que o governo está tomando para reduzir o nível de risco de desabastecimento para os próximos anos. A última delas, que vai impactar no bolso do consumidor, é a resolução do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) que determina o acionamento de termelétricas, mesmo mais caras, para assegurar que ao fim do período de seca, em 30 de novembro, os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste estejam com um mínimo de 53% de água e que os do Nordeste estejam pelo menos a 35% da capacidade.

"É importante entender que isso (a energia mais cara) é conseqüência do fato de não podermos mais ter grandes reservatórios (de água para hidrelétricas). Quando você não tem grandes reservatórios, a participação da energia térmica aumenta. Isso é uma conseqüência inexorável de termos que construir usinas a fio d'água (sem reservatório significativo"), disse ao Valor o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim. O limite do tamanho das barragens é dado, basicamente, por questões ambientais.

Governo e mercado concordam que o uso das térmicas dará maior segurança ao balanço energético do país, mas o mercado questiona se o preço a ser pago compensa. Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil (reúne investidores no setor elétrico), criticou o fato de o governo ter colocado a decisão do CMSE em vigor antes das audiências públicas, previstas na própria resolução, a serem feitas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com o objetivo de aperfeiçoar e regulamentar a medida.

"O governo implementou a medida sem que a sociedade conheça qualquer documento que fundamente essa decisão. Assim não vale", reclama. Sales ressaltou que o consumidor já está pagando uma conta de R$ 1 bilhão decorrente do acionamento de térmicas a óleo diesel no Nordeste para permitir o enchimento dos reservatórios de água da região. Tolmasquim contra-ataca: "Despachamos R$ 1 bilhão e isso representou 1,5% do valor da tarifa. É muito pouco em vista da segurança que traz."

Segundo o presidente da EPE, a decisão do CMSE nasceu de uma mudança estrutural na matriz energética brasileira. "A gente não tem mais estoques reguladores. Antigamente no Brasil nós tínhamos um regime plurianual, tinha estoque de água para três ou quatro anos. Hoje o nível de regularização é praticamente anual porque, por questões ambientais, temos reservatórios menores." A conseqüência, de acordo com Tolmasquim, "é que a sociedade vai ter que se acostumar a operar com mais freqüência as termelétricas".

Ele ressalta que "a termelétrica existe para ser despachada (ligada) e não para ficar parada a vida inteira". Na medida que o Brasil "está ficando mais parecido com outros países do mundo", que usam termelétricas como base dos seus sistemas de abastecimento, as térmicas daqui serão cada vez mais acionadas. "É claro que ainda estamos muito diferentes porque outros países usam as térmicas na base direta, enquanto nós estamos falando em usar quando necessário", ressalva Tolmasquim.

Na prática, a decisão do CMSE rompe com vários aspectos do atual modelo do setor elétrico, remetendo para um novo paradigma. Em primeiro lugar, quebra a norma segundo a qual o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é obrigado a despachar as usinas por ordem de mérito econômico, ou seja, da mais barata para a mais cara.

Nesse ordenamento, a hidreletricidade é imbatível, mas o ONS já vem despachando cerca de 4.500 megawatts médios de termelétricas para poupar água. Além disso, e por estarem sendo acionadas fora da lógica econômica, essas térmicas não estão contribuindo para a formação do preço de liquidação de diferenças (PLD), que é o preço da energia no mercado livre, formado pela cesta das usinas que estão operando em um determinando momento. Se o PLD fosse um índice de inflação, é como se ele estivesse sendo expurgado de alguns produtos, no caso, das térmicas que estão sendo acionadas para poupar água.

"Com essa decisão, o governo reconhece que o PLD reflete o nível dos reservatórios de água. Não capta tudo. Tem razão, é um expurgo", analisa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). Ele ressalta que o mesmo já foi feito quando foram ligadas as térmicas a óleo do Nordeste, mas entende que, do ponto de vista da segurança energética, a medida está correta. "É melhor do que deixar faltar", pondera. Ele só questiona se esse custo adicional à tarifa não estaria chegando em hora inoportuna, com o próprio governo lutando para debelar um surto inflacionário.