Título: Abertura ou fechamento dos portos?
Autor: Carlini , Nelson
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2008, Opinião, p. A12

Com relação ao artigo do ex-ministro Delfim Netto, publicado no último 25/03, no Valor ("O PAC e os Portos"), gostaria de contrapor os seguintes comentários, em prol do desenvolvimento deste setor.

O desenvolvimento de projetos de Terminais de Carga Especializados requer a inversão de recursos de montante substancial. Mesmo a assunção de instalações existentes em portos públicos, onde o investimento requerido é suplementar, para a modernização de equipamentos e ampliação de capacidade, tais números giram em torno das centenas de milhões de reais.

Os novos projetos de terminais a serem desenvolvidos em áreas virgens, demandando enormes intervenções no mar e terra, provendo proteções marítimas para acesso e novas vias terrestres, além das estruturas e equipamentos necessários à movimentação de cargas, implicam investimentos em torno de meio a R$ 1 bilhão, dependendo das características de localização e das cargas a serem movimentadas.

Bem sabemos que recursos desta natureza somente estão disponíveis no mercado através de engenharia financeira de nível internacional, bancos ou fundos de investimento que prezam muito pelos retornos financeiros que tais projetos devem prover, para isto impondo estudos de viabilidade pormenorizados e o estabelecimento de governança corporativa de nível garantido para o sucesso dos empreendimentos.

Válido lembrar que os terminais privativos de uso misto, em regra, são escolhidos e projetados para locais de fácil acesso marítimo e com elevadas profundidades, tendo com isto o objetivo principal, dentre outros, de atrair navios maiores para o Brasil, os quais trazem consigo fretes menores pelo processo de economia de escala. Enquanto a média dos navios que operam atualmente no Brasil é de 2500 Teus (medida de tonelagem de porta-contêineres), a média dos navios a serem entregues nos próximos três anos no mundo encontra-se em 9.400 Teus.

A inconsistente afirmação do referido articulista, de que as armadoras (companhias de transporte marítimo) possam manipular valores de remuneração de operação de cargas "conteinerizadas" para compensação posterior na cadeia logística, demonstra um desconhecimento de como esta indústria se desenvolve no mundo inteiro.

Não nos referimos às cargas a granel líquidas e sólidas que, ou são manipuladas em terminais especializados de uso comum, ou pertencem a empresas produtoras ou comercializadoras das cargas movimentadas. Tratamos aqui do desenvolvimento de terminais de contêineres em portos públicos ou em projetos privados, que contam no mais das vezes com a participação das companhias armadoras, como forma de atrair as linhas de navegação regulares que controlam.

Em todos os países que adotam a economia de mercado coexistem portos públicos e terminais privativos operando sob autorização ou licença de operação e com permanente fiscalização do governo. São os casos de Roterdã (Holanda), Le Havre (França), Antuérpia (Bélgica), Kingston (Jamaica), Panamá (Panamá), Shangai (China) e Pusan (Coréia do Sul), entre outros.

Em conjunto, participam empresas financiadoras, investidoras financeiras, transportadores marítimos, governos nos diversos níveis, autoridades portuárias - a composição variando de acordo com o interesse no desenvolvimento, ou o maior ou menor apelo comercial e conseqüente prazo para o retorno econômico.

Não há deslealdade alguma em relação aos portos públicos. O investimento privado vem oferecer a competição necessária para manter o custo de exportação de produtos brasileiros expostos ao mercado, propiciando eficiência e facilitando a colocação de produtos brasileiros no mercado internacional.

-------------------------------------------------------------------------------- O custo logístico brasileiro é fruto da falta de competição, lugar para privilégios a uns poucos arrendatários --------------------------------------------------------------------------------

O sempre mencionado custo logístico brasileiro é fruto da falta de boas instalações e da falta de competição. Não há razão nem exemplo nos países de economia de mercado de privilégio a uns poucos arrendatários eleitos.

Com os terminais privativos de uso misto, as empresas de transporte buscam garantir segurança para atracar seus grandes navios e os terminais buscam garantir os serviços de navegação regular, de modo a viabilizar a utilização das instalações e o retorno econômico objetivado.

No Brasil, esgotadas as possibilidades de desenvolvimento de áreas em portos públicos, pelo menos no Sul e Sudeste, de maior demanda e crescente congestionamento logístico, são necessários investimentos em projetos em áreas não desenvolvidas.

É necessária a atração do capital privado, originário de fundos, investidores, bancos, transportadores, governos, que demonstrem interesse no desenvolvimento de negócios que envolvam a cadeia logística. Estes investidores, buscam retorno ao seu investimento em um ambiente regulado e estável.

A União detém o poder de autorizar, conceder e permitir o desenvolvimento de atividades portuárias. É necessária a autorização para desenvolvimento de instalações portuárias privadas para a manipulação de cargas de qualquer origem, respeitadas as legislações aduaneiras, de navegação, portuária, de segurança e de proteção ao meio ambiente.

Não podemos entender um cerceamento às iniciativas e um afastamento de capitais de risco de atividade tão fundamental ao crescimento econômico brasileiro. Os terminais privativos concentrarão cargas de acordo com sua eficiência. Significam investimento constante, aprimoramento de mão-de-obra, melhoria do acesso marítimo e terrestre.

Hoje, com portos congestionados, os navios enfrentam prolongada espera. Neste setor, espera é sinônimo de ineficiência. O combate aos terminais privativos de uso misto, como quer o ex-ministro no referido artigo, no momento em que o país enfrenta um enorme entrave em sua infra-estrutura portuária, equivale a um novo fechamento dos portos, justamente no ano em que se comemora o bicentenário de nossa abertura comercial.

É incoerente o ex-ministro, quando defende os portos secos privados (CLIA´s, ou Centro Logístico e Industrial Aduaneiro), mas só admite terminais marítimos públicos, licitados e operando sob concessão.

Os atuais terminais de contêineres em portos públicos foram concedidos através de licitação pública, onde assumiram os arrendatários obrigações de investimento e pagamentos do arrendamento de instalações existentes, ou seja, enormes investimentos públicos anteriores. As necessárias melhorias e aumentos de capacidade realizada possibilitaram o crescimento vertiginoso de nosso comércio exterior, mas este é um modelo que se esgota. A capacidade dos portos também está esgotada, criando um enorme gargalo para o comércio exterior e para o desenvolvimento do país. É preciso novos aportes de investimentos, o que o setor privado é capaz de fazer - e está disposto a tanto.

Armadores, exportadores e importadores dependem de um sistema logístico eficiente. Tratamos agora, portanto, de atrair capitais novos para projetos novos em áreas não desenvolvidas, adicionar capacidade e não paralisar o país para defesa do mercado fechado dos terminais existentes.

Não podemos permitir que se repita o fechamento de mercado, modelo Portobrás, agora em mãos privadas. Tampouco uma repetição da Lei de Informática, com reserva de mercado, para os nossos saturados portos. O que se está tentando justificar com os obstáculos aos investimentos em terminais privados é, de fato, um oligopólio privado que se fecha e ocupa o porto público.

Nelson Carlini é engenheiro naval, é executivo do setor de Navegação e membro do Centro Nacional de Navegação Transatlântica - Centronave.