Título: Modernização agrícola já dá resultados na África
Autor: Thurow , Roger
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2008, Internacional, p. A13

Babou Galgo, um agricultor de 61 anos, mostrava com orgulho sua colheita da última temporada: duas brilhantes medalhas de ouro dos governos federal e regional e um certificado que elogiava seu "excepcional desempenho para aumentar a produção e a produtividade agrícola".

O que ele fez foi aumentar a produção de milho de sua pequena fazenda no sul da Etiópia sete vezes nos últimos anos. Ainda mais impressionante é que ele melhorou o bem-estar de sua família também: com a renda adicional, eles se mudaram de um tradicional barraco de barro para uma casa de tijolo e concreto mobiliada com refrigerador, TV e aparelho de DVD, luxos raros para um agricultor de um dos países mais pobres do mundo.

De fato, não muito tempo atrás, Galgo não teria nem necessidade de um refrigerador, já que a baixa produção de sua fazenda o deixava com dificuldades para alimentar sua família. "São as sementes", diz, referindo-se ao motivo da reversão de sua fortuna. "Híbridas."

A nascente investida da África para finalmente alimentar a si própria está voltando o relógio à primeira parte do século XX nos Estados Unidos. Foi nos anos 30 e 40 que a Pioneer Hi-Bred International, de Iowa, popularizou as sementes híbridas nos EUA, elevando a produtividade dos campos de milho do Meio-Oeste americano. Sete décadas depois, agricultores africanos e empresas americanas estão tentando recriar o boom que fez dos EUA um celeiro do mundo, só que desta vez no ambiente hostil - ambiental e político - da Etiópia e da África em geral.

Se a agricultura tem uma fronteira final, é a África. Depois de transformações rurais na Ásia e na América Latina desde os anos 60, a África continua como o lugar onde o potencial agrícola mal foi explorado. A agricultura africana tem menos irrigação, uso de fertilizantes, pesquisa de sementes e solo, mecanização, financiamento e rodovias de acesso ao mercado do que qualquer outra região rural do mundo. Conflitos em muitas partes do continente expulsaram produtores rurais de seus campos, e a negligência dos governos locais e de especialistas em desenvolvimento internacional permitiu que a infra-estrutura agrícola se deteriorasse a uma situação miserável.

Empresas americanas, como a Pioneer e a fabricante da maquinas agrícolas John Deere, evitaram boas partes da África no passado, acreditando que os agricultores eram pobres demais para pagar por seus produtos ou temerosos da instabilidade política que sacudiu algumas das outras operações africanas da Pioneer. Mas agora, com os baixos excedentes de grãos no mundo, a demanda em crescimento e os preços em disparada, os cálculos mudaram e é preciso acelerar o progresso.

Na Etiópia, só um quarto da área total de milho é plantada com sementes híbridas. Essas sementes, produzidas com o cruzamento tradicional de linhagens para que cresçam em climas mais difíceis e resistam a pragas, normalmente dobram ou triplicam a produtividade em relação às sementes tradicionais repassadas ao longo de gerações. E há apenas alguns milhares de tratores para mais de 50 milhões de pessoas que dependem da agricultura para sobreviver.

"A África é o único continente onde a produção de alimentos per capita está em declínio, portanto a necessidade está lá", diz J.B. Penn, economista-chefe da Deere & Co e ex-subsecretário do Departamento de Agricultura dos EUA. A atual crise dos alimentos "só pode ser resolvida com maior produção", acrescenta Paul Schickler, diretor-geral da divisão Pioneer da DuPont. "Isso é o que é necessário na África, pelo uso de melhor tecnologia, genética e práticas agronômicas."

Chombe Seyoum vê a necessidade e o potencial todos os dias. Ele mesmo um agricultor, Seyoum começou a vender equipamentos da John Deere na Etiópia dois anos atrás, com a esperança de acelerar a mecanização da agricultura no país e realizar a visão de seu pai. Em 1968, seu pai comprou um pequeno trator da John Deere e introduziu a mecanização nas fazendas da sua região, no cinturão do trigo no sul do país. Anos depois, o imperador Hailé Sélassié foi deposto por uma ditadura comunista, a agricultura foi coletivizada e algumas das máquinas da família Seyoum foram confiscadas.

Seyoum estudou engenharia. Mas, quando os comunistas foram depostos, no início dos anos 90, ele voltou à agricultura e viu quanto seu país havia retrocedido enquanto trabalhava para reconstruir a fazenda da família.

Hoje, do seu escritório em Adis-Abeba, ele vende máquinas Deere - cem delas nos últimos dois anos. Enquanto seca e fome ainda castigam partes da Etiópia, graças ao bom clima o fértil Vale Rift e as regiões altas do país rivalizam com a África do Sul como maior produtor de cereais ao sul do Saara. O aumento do preço do milho e do trigo fez crescer a demanda dos agricultores por maquinário, na expectativa de aumentar suas áreas de cultivo. Para compensar o tempo perdido, Seyoum dá boas-vindas a clientes prontos a comprar equipamentos caros.

"Estamos numa corrida", diz Abdi Abdullahi Hussein, um dos clientes. Hussein trabalhava com pastores nômades antes de ver o potencial de negócios na agricultura este ano. A estação de plantio de primavera estava chegando e ele precisava muito de um trator. Ele e um sócio possuem cerca de 24 hectares e ele pretende alugar o trator para outros. "Nossa idéia é introduzir tecnologia na nossa área e arar mais terra", diz ele.

Seyoum sugere um trator de 85 cavalos, que custa cerca de US$ 30 mil. Hussein não reclama do preço. Ele juntou suas economias com as de vizinhos que vão compartilhar o uso do trator. Na Etiópia e em toda a África, os bancos relutam em dar empréstimos a agricultores que tenham pouca garantia; juntar dinheiro é uma forma comum de levantar fundos. Mas ele não gosta do prazo de quatro meses para receber o equipamento da fábrica da Deere no Brasil. Por isso, considera a compra de um trator de 65 cavalos que estará disponível num prazo menor.

"Temos uma longa lista de pessoas que nos procuram para o serviço do trator", diz Hussein.

Quando ele sai, outro agricultor chega para completar a compra de uma colheitadeira. Como a maioria dos triticultores etíopes, Haji Kawo semeia à mão e colhe com uma máquina. Após muitos anos contratando outros para cortar seu trigo, Kawo decidiu entrar no ramo de colheita. Ele calcula que poderá pagar os US$ 70 mil da colheitadeira em um ano, pois há 20 mil pequenos agricultores na sua área que precisam de serviço de colheita. Imagina que poderá passar de fazenda em fazenda na época da colheita.

Oferecendo-se para ajudar no financiamento, Seyoum vê Kawo como um agricultor-modelo, que pode demonstrar os benefícios da mecanização para outros e estimular as vendas. Agricultores etíopes "vêem um sucesso em algum lugar e querem ter o mesmo também."

Melaku Admassu, etíope que administra as operações da Pioneer no país, usa o mesmo método de vendas fazendeiro-a-fazendeiro que a Pioneer usava nos EUA. Ele começou distribuindo sementes na traseira de sua caminhonete, principalmente para produtores como Babou Galgo, que plantavam perto de grandes estradas, onde mais gente podia acompanhar o crescimento das híbridas. Na época da colheita, Admassu voltava com pequenas balanças para pesar a produção e compará-la com a colheita dos que não usavam híbridas.

Quando Admassu chegou a sua aldeia com novas sementes e o aconselhou como cultivar melhor sua terra, Debebe Ayele, de 47 anos, lutava para alimentar sua família. "Estávamos recebendo ajuda na comida", conta ele. "Eu estava disposto a tentar qualquer coisa para melhorar minha situação."

As novas sementes eram um risco. Eram um pouco mais caras que as comuns e, afinal de contas, eram novas. No primeiro ano ele plantou um pouco menos de um hectare, depois um pouco mais de um e meio e agora arrenda terra de seus vizinhos para aumentar sua área plantada. Suas colheitas se multiplicaram e, pela primeira vez na vida, ele teve excedentes regulares para vender no mercado. Ele trocou o telhado de palha de sua casa por um de zinco. Comprou móveis e roupas melhores. Quer que seus filhos vão adiante na escola o máximo que puderem.