Título: Carlos Minc vai precisar de muito jogo de cintura
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Fonte: Valor Econômico, 16/05/2008, Opinião, p. A14

A demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, está sendo perigosamente colocada na órbita exclusiva de disputas intestinas de governo, que oporiam "desenvolvimentistas" capitaneados pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e os "ambientalistas" xiitas comandados pela ex-ministra, e reduzida a dificuldades na concessão de licenças ambientais necessárias à implementação de obras do Plano de Aceleração do Desenvolvimento (PAC).

Se for aceita a premissa de que meio ambiente e desenvolvimento são incompatíveis, o governo estará entrando numa armadilha de interesses inconfessáveis, contra os quais a intransigência de Marina Silva, bem ou mal, impôs uma barreira. A Amazônia é o centro desses interesses. Deve-se à firmeza da ex-ministra uma redução substancial no desmatamento em três anos - e, por firmeza, entenda-se coragem para se contrapor a grileiros que transformaram a região amazônica num faroeste e para enfrentar estruturas corrompidas do poder público. A grilagem de terras na Amazônia, não raro, é feita com a ajuda de agentes do governo federal, mais diretamente do Incra e do Ibama.

A ocupação da Amazônia está sendo feita de forma selvagem e o poder econômico que se instala na região tem uma enorme ascendência sobre integrantes da base governista no Congresso, em especial a bancada ruralista, e poder de corrupção. Pode-se atribuir ao lento frigir de Marina e à sua gradativa perda de poder um aumento na área desmatada da região já neste ano, segundo previsão do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Quanto menor o poder de que Marina dispunha, maior era o da bancada ruralista, que conseguiu do governo petista a edição e aprovação de uma medida provisória na Câmara que permite a legalização da grilagem.

Faltou jogo de cintura a Marina Silva para se contrapor a tantos interesses, mas o vácuo de poder criado por essas divergências enfraqueceu não apenas a ministra que sai, mas a própria pasta do Meio Ambiente. Se a demissão for aceita como uma simples disputa entre duas ministras, onde uma apenas ganhou, o novo ministro, Carlos Minc, entrará em cena como um mero carimbador de licenciamentos ambientais para o PAC de Dilma. Reduzido a isso, terá dificuldades para enfrentar um embate para o qual precisa, de fato, de força política: o de conter o desmatamento amazônico, num momento em que a bancada ruralista está fortalecida com a demissão da sua antecessora e em que o aumento do preço das commodities tende a empurrar as fronteiras agrícolas do país em direção à floresta.

Ainda no calor do pedido de demissão de Marina, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, defendeu mudanças em um decreto do Ministério do Meio Ambiente que ampliou o número de municípios considerados parte da Amazônia Legal - que, como tal, devem atender a exigências ambientais para obterem crédito agrícola. O pecuarista e governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, na véspera da demissão, ameaçou o governo com o fantasma do aumento de preços para se contrapor aos rígidos critérios de controle de desmatamento do MMA. E, na terça, foi aprovada a medida provisória que significou, em última instância, a concordância do governo com a bancada ruralista de que é legítimo e justo legalizar terras de grilagem na Amazônia.

É nesse cenário que assume Carlos Minc. O novo ministro desfruta da fama de ser mais hábil que sua antecessora e de ter iguais preocupações com o desmatamento da Amazônia. Seria o perfil ideal de ministro, que foi o campeão de licenças ambientais como secretário de Meio Ambiente do Rio: aquele que não incomoda e mostra serviço. A sua destreza política, no entanto, vai ser medida em outros ringues. Primeiro, terá que mostrar que agilidade não é disposição para simplesmente ratificar decisões de outras pastas que precisem de licenciamento, preterindo critérios técnicos. Em segundo, terá que fazer a ginástica de manter o rigor no zoneamento da Amazônia e conter abusos na regularização fundiária da região num momento em que os interesses de desmatadores foram fortalecidos pelo esvaziamento da sua pasta. Ele assume, em todas as frentes, como um ministro enfraquecido. Terá que ter, efetivamente, muito jogo de cintura.