Título: Caminhos concretos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2008, Soluções Urbanas, p. F1

As grandes cidades são o retrato mais acabado daquilo que o presidente Lula chamou de "momento mágico" que vive o país. Vive-se nelas o caos urbano com a combinação de riqueza emergente e carências não atendidas. Cerca de 3,5 milhões de veículos rodam diariamente a 15 km por hora nos congestionamentos de São Paulo. A cidade do Rio de Janeiro perde, segundo cálculos de especialistas, 10% do seu PIB anualmente com o tempo desperdiçado no trânsito.

Não é para menos. As estatísticas demográficas brasileiras mostram que, entre 1950 e 2000, 120 milhões de pessoas passaram a viver nas cidades. O fenômeno é mundial, como apontam estudos da ONU. Para a arquiteta e professora da FAU-USP Regina Meyer, os problemas urbanos foram agravados pelo que ela define como metropolização da pobreza. "São Paulo é a cidade que concentra o maior número de pobres do Brasil contemporâneo", diz. Esse contraste aumenta o desafio do poder público na hora de encontrar soluções para o desenvolvimento sustentável das cidades.

A necessidade de soluções conjuntas para os problemas urbanos transpareceu, por exemplo, na construção da ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira, inaugurada neste último fim de semana em São Paulo. Localizada numa das áreas mais valorizadas da Marginal Pinheiros, na região do Brooklin, Campo Belo e Itaim-Bibi, a ponte traz, de um lado, benefícios para o trânsito local, onde há uma grande número de prédios luxuosos de escritórios. Ela permite a ligação da Avenida Roberto Marinho com a Marginal Pinheiros nos dois sentidos, o que possibilitará, numa segunda etapa, transformar-se em alternativa para chegar à Rodovia dos Imigrantes.

A construção do complexo viário e as futuras obras, que incluem um túnel e uma linha de metrô de superfície, exigirão de outro lado a solução para o problema de cerca de 12 mil famílias que vivem em favelas na região. A prefeitura, depois que a Justiça impediu a retirada das comunidades que viviam próximas à ponte, refez os planos e decidiu construir três conjuntos habitacionais que serão concluídos nos próximos seis anos ao longo do trecho a ser reurbanizado.

A situação, na opinião da arquiteta Regina Meyer, é típica do processo de crescimento de São Paulo. Enquanto as áreas centrais, onde já existe grande investimento público e boa infra-estrutura, estão sendo esvaziadas e degradadas, as regiões mais distantes, sobretudo ao longo da Marginal Pinheiros, que dependem mais do acesso de automóveis, crescem e se valorizam com grandes empreendimentos imobiliários. "Esse é um paradoxo que precisa ser resolvido porque, a pobreza, embora ainda concentrada na periferia, está se diluindo pela cidade", diz.

O Centro, depois de experimentar seu auge nos anos 40 e 50, foi perdendo o brilho para os investidores do mercado imobiliário no final dos anos 60, quando começou a ascensão da Avenida Paulista. A Faria Lima experimentou seu primeiro boom na década de 70. A ampliação da avenida no início da década passada trouxe novo período de expansão, que se espalhou pela avenida Luiz Carlos Berrini e Marginal do Pinheiros.

De acordo com Adriano Sartori, diretor de locação da CB Richard Ellis, os números mostram que o crescimento dessas novas áreas foi significativo. Em 1980, havia 2.300 m2 de escritórios construídos na Berrini. Hoje essa área é de 610 mil m2. Equivale dizer que há pelo menos 60 mil pessoas trabalhando nesses escritórios diariamente, sem contar visitantes e fornecedores. Na Marginal Pinheiros, a expansão não foi menor: de 140 mil m2 de escritórios em 1980, existem hoje 2 milhões de m2, o que leva para lá uma população flutuante de 200 mil pessoas.

A urbanização precária, que acentua esse contraste entre riqueza e pobreza, exige, na opinião dos especialistas, respostas rápidas para um problema que se agrava a cada dia: o da mobilidade. "Esse é um dos grandes dilemas da gestão urbana porque está diretamente relacionado com a exclusão social", afirma Fernando Almeida, presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). O tema será discutido no próximo dia 15 em um evento que a entidade promove em São Paulo.

Para Almeida, a mobilidade é um fator de desenvolvimento econômico. "A saída para as grande cidades está na melhoria e na ampliação do transporte público." Uma das conclusões do estudo feito pela consultoria TTC para o seminário do CEBDS avalia que a expansão das linhas do metrô é mais importante e tem mais impactos positivos que o Rodoanel, embora este seja também uma obra necessária.

O estudo mostra que nas áreas urbanas, o ônibus a diesel é a forma dominante de transporte. A estimativa é que estejam em operação cerca de 110.000 ônibus, que levam 50 milhões de passageiros/dia. Já os sistemas ferroviários ou metroviários transportam cerca de 5 milhões de passageiros/dia. Nas cidades de renda média mais alta, como no Sudeste e Sul do país, o automóvel é responsável pela maioria das viagens motorizadas.

"As pessoas podem não morar nos grandes centros, mas se locomovem e circulam num território mais amplo. O grande problema é que elas acabam priorizando a compra de um carro do que a de uma casa porque precisam chegar até o trabalho", assinala Regina Meyer.

A limitação do espaço urbano faz com que, em todo o mundo, o poder público busque soluções restritivas ao transporte individual. Em Londres há o pedágio urbano, assim como em Nova York na ilha de Manhattan. Em Barcelona, foi construído um anel viário que melhorou em 20% o fluxo dos veículos. São Paulo, que há anos utiliza o rodízio de veículos durante a semana, nos horários de pico, vai instituir a restrição ao tráfego de caminhões em uma área de 100 quilômetros quadrados. Essa medida já vigora no Rio de Janeiro, numa área que inclui a orla e 26 vias do Centro, zona Sul e parte das zonas Norte e Oeste.

Para Fernando Almeida, o trânsito acarreta outros problemas que precisam ser combatidos. "Nos países emergentes, 80% das pessoas que morrem em acidentes são pedestres ou ciclistas", informa. Outro problema é o ruído. Em São Paulo, segundo estudo do Hospital das Clínicas, o barulho nos horários de pico alcança 120 decibéis, acima do limite suportável de 85 decibéis. "Esse é um campo em que o setor privado pode colaborar com investimentos em tecnologia para reduzir a poluição, aumentar a segurança e diminuir o ruído dos carros", diz.

Um dossiê sobre mobilidade urbana, preparado pela empresa de consultoria imobiliária Cushman & Wakefield, aponta a falta de consenso sobre planejamento urbano como principal fator complicador da mobilidade urbana nas grandes metrópoles. O documento faz referência à situação paradoxal apontada pela professora Regina Meyer. "Pode-se discutir se é melhor construir em regiões com pouca infra-estrutura e, assim, estimular o investimento público, ou aproveitar para erguer escritórios em regiões com infra-estrutura pública montada, por onde as pessoas já circulam com mais facilidade. Do ponto de vista imobiliário, regiões carentes de infra-estrutura apresentam preços mais baixos de terrenos. Porém, abre-se uma lacuna entre seu desenvolvimento imobiliário e o tempo que o poder público precisa para implementar a infra-estrutura necessária ao atendimento da demanda das novas pessoas que por lá deverão circular."

Para o diretor de comercialização da Cushman & Wakefield, Mário Sergio Grugueira, o mercado busca terrenos mais baratos para poder gerar custos de ocupação também mais baixos. "Não há mais terrenos disponíveis na Avenida Paulista, onde há boa infra-estrutura, por isso os empreendedores procuram novas opções como vem acontecendo hoje na região da Marginal Pinheiros."

As Operações Urbanas realizadas em São Paulo representam hoje o principal instrumento de atuação da Prefeitura, embora para os especialistas nem sempre produzam os resultados esperados. De qualquer forma, são importantes fontes de recursos. Como a cidade, de acordo com o Plano Diretor, passou a ter um coeficiente para construções, a Prefeitura pode aproveitar esse instrumento para emitir títulos (Certificados de Potencial Adicional de Construção, os Cepacs) que são comprados por investidores interessados nas regiões determinadas pela operação.

As operações urbanas Água Espraiada e Faria Lima já levaram para os cofres municipais cerca de R$ 1 bilhão - R$ 492 milhões e R$ 473 milhões respectivamente. É com esses recursos que a Prefeitura realiza obras nessas regiões. A ponte estaiada e as alças de acesso do Complexo Viário, por exemplo, custaram R$ 270 milhões. A revitalização do Largo da Batata, em Pinheiros, com abertura de ruas, construção de um novo terminal de ônibus e interligação com o metrô receberá R$ 70 milhões. A idéia é que possa sobrar verba do orçamento para outras obras. Recentemente, o prefeito Gilberto Kassab anunciou que transferiu R$ 275 milhões para o governo do Estado aplicar na obra da linha Santo Amaro-Chácara Klabin do Metrô e no projeto da linha Freguesia do Ó-Mooca.

Para a professora Regina Meyer, a questão que se coloca hoje nem é mais o volume de recursos e capacidade de planejamento. "Há uma identificação clara dos problemas e das questões urgentes", diz. O problema é a capacidade de execução dos projetos necessários. Em alguns Estados e municípios, a situação chega a ser mais grave, pois faltam técnicos capacitados, o que acarreta a falta de projetos.

No caso de São Paulo, ela defende um trabalho de modernização da máquina administrativa e de melhor articulação entre os vários órgãos de governo "São Paulo é hoje a principal metrópole do Cone Sul. A cidade está enriquecendo, mas não se desenvolve do ponto de vista social. O número de favelas vem crescendo. É preciso atuar de forma mais moderna. O poder público precisa estar melhor aparelhado para aprimorar as condições de gestão da cidade", afirma.