Título: Organizações não governamentais rebatem críticas ao seu modelo
Autor: Silvia Czapski
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2005, Empresas &, p. B2

Uma reportagem publicada pela revista "The Economist" caiu como uma bomba sobre as entidades que atuam na área de responsabilidade social corporativa. Organizações de diferentes países criticaram a série de artigos sobre o tema publicados pela revista com o título "A boa companhia", capa da revista em 22 de janeiro. O texto desenha a responsabilidade social corporativa (RSC) como uma onda impulsionada pela sociedade civil, geradora de um florescente mercado de trabalho para executivos e consultores, sem a contrapartida de melhorar o retorno financeiro aos acionistas e bem estar para a sociedade. Seria um tratamento cosmético das multinacionais, que fugiria ao real escopo das empresas, de gerar lucro. Trata-se de um olhar cético que teve um único mérito: jogar o tema para o centro das discussões da imprensa de finanças, afirmou Hazel Henderson, especialista no assunto em entrevista para o Valor, durante a primeira reunião do Conselho Internacional do Instituto Ethos, em São Paulo. Uma das criadoras dos indicadores Calvert-Henderson de qualidade de vida e preparando-se para lançar a série "Ethical Marketplace", na rede PBS de TV (EUA), ela classifica como incorretas as premissas da revista. O texto reflete posições de economistas que, segundo ela, atuam como advogados em causa própria. Economia não é ciência, e indicadores financeiros não bastam mais. Para responder aos desafios de hoje, diz, é preciso apoiar-se em outras áreas, da física à ciência política. Não é à toa que um dos programas de sua série de TV mostrará que mais de 50% das atividades realizadas no mundo são economia invisível, desconsiderada pelos economistas, já que não adotam moedas como base de troca. Exemplos? Atividades domésticas e trabalhos voluntários. Para Hazel, o conceito da mão invisível, de Adam Smith, pelo qual a competição e o interesse próprio dos indivíduos impulsionaria o bem comum, é passado. "Ultrapassamos a Era da Informação, para vivemos na Era da Verdade, onde a transparência é motor para o bem estar da sociedade." Parece que voltamos no tempo, ironiza Allen White, vice-presidente do Tellus Institute, sediado nos EUA, que tem apoio de governos, organizações multilaterais, empresas, e ONGs para desenvolver pesquisas e consultoria sócio-ambiental em áreas como energia, lixo, água e uso de solo. Ao ler a "The Economist", ele se viu de volta aos conceitos dos anos 1930, quando predominava a crença do lucro como motor do desenvolvimento. Concordando, Robert Dunn, da Business Social Responsability (BSR), lembra que o sucesso da economia de mercado resulta da adaptabilidade das empresas. "Vivemos novos tempos, em que governos, sociedade civil e setor empresarial trabalham juntos. A RSC é reflexo disso", diz. Com um orçamento anual de U$ 8 milhões, a BSR tem sede em San Francisco (EUA), escritórios na França e China e presta serviços na área de RSC para empresas, que, somadas, faturam U$ 2 trilhões anuais e empregam mais de 6 milhões de trabalhadores. Entre elas, ele cita Microsoft, Bank Boston, Unilever e Shell International. A carta da BSR à "The Economist", não publicada, reclama que a revista pintou um mundo ideal onde os mercados funcionam perfeitamente e governos são transparentes, bastando para as empresas buscarem lucro. Outras falhas seriam confundir RSC com filantropia, e contrapor investimentos sociais a resultados financeiros, quando se trata de duas faces da mesma moeda. "As empresas têm mais lucro, quando trabalham com responsabilidade social", reforça Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos. Limitar negócios à geração de lucro é um pensamento mais presente nos Estados Unidos do que na Europa. Mas o paradigma mudou, confirma Bradley Googins, diretor executivo do The Center for Corporate Citizenship no Boston College (EUA). Não fosse capa de uma revista importante como a "The Economist", a repercussão dos artigos seria nula, diz. Consultora da Social-Accountability International, entidade responsável pelo desenvolvimento das normas SA-8000 (responsabilidade social), Débora Leipziger entende os artigos como consequência direta do tsunami na Indonésia. A tragédia gerou uma onda de doações, o que a revista entendeu ser RSC, quando na verdade trata-se de filantropia. A revista também mencionou, como RSC, o marketing com vertente social, como associar a venda de produtos de beleza a campanhas contra o câncer. Isso só é efetivo, garante a consultora, se a conduta da empresa for condizente. Caso contrário, basta uma denúncia para a empresa perder tudo o que conquistou com a campanha.