Título: Responsabilidade social: altruísmo ou engodo?
Autor: Silvia Czapski
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2005, Empresas &, p. B2

Nos últimos dez anos, a responsabilidade social corporativa (RSC) floresceu enquanto idéia, embora não como um programa prático coerente. A RSC exige a atenção dos executivos em todas as partes - se quiserem que seus pronunciamentos públicos tenham credibilidade - , e especialmente a dos administradores de companhias multinacionais com sede na Europa ou Estados Unidos. A responsabilidade social corporativa de hoje é o tributo que o capitalismo paga à virtude. Seria um desafio encontrar um relatório anual recente de qualquer grande companhia internacional justificando a existência da empresa meramente em termos de lucros, sem um "serviço à comunidade". Esses relatórios sempre mencionam orgulhosamente os esforços para melhorar a sociedade e proteger o meio ambiente - por meio da restrição de emissões de gases poluentes, por exemplo. Hoje em dia, grandes empresas são conclamadas a serem boas cidadãs corporativas, e todas elas querem mostrar que o são. Esses grupos bem-intencionados certamente não inventaram a idéia da boa cidadania corporativa, que já tem um longo caminho percorrido. Mas eles colocaram roupa nova na RSC e a elevaram bem acima na lista de prioridades das empresas. Em termos de relações públicas, sua vitória é total. Na verdade, seus oponentes nunca apareceram. Sem resistência, o movimento RSC tem destilado uma suspeita disseminada de capitalismo em uma série de exigências de ação. Como diriam seus defensores, eles vêm levando as empresas em consideração, criando situações embaraçosas para aquelas que ofenderam os princípios da RSC, e mobilizando o sentimento do público e uma imprensa quase que universalmente simpática à causa, contra elas. Intelectualmente, pelo menos, o mundo empresarial rendeu-se e passou para o outro lado. Os sinais de vitória não estão apenas nos pronunciamentos de altos executivos ou nas avaliações dos esforços de RSC publicadas nos balanços anuais. A responsabilidade social corporativa é hoje um setor por mérito próprio, além de uma categoria profissional. Consultorias vêm surgindo para aconselhar empresas em como praticar a RSC, e como fazer com que todo mundo saiba que elas fazem isso. As grandes firmas de auditoria e contabilidade oferecem aos clientes consultoria de RSC (ao mesmo tempo em que se esforçam muito para ser, elas mesmas, cidadãs corporativas exemplares). A maioria das multinacionais agora têm um executivo graduado, sempre com uma equipe à sua disposição, explicitamente encarregado de desenvolver e coordenar a função de RSC. Existem hoje programas de educação de executivos em RSC, cadeiras de RSC em escolas de administração de empresas, organizações profissionais de RSC, sites de RSC na internet, newsletters de RSC e mais, muito mais. Mas, na verdade, qual a importância disso tudo? Por mais estranho que possa parecer, os vencedores estão desapontados. Eles começam a suspeitar que podem ter sido enrolados. Defensores da RSC na sociedade civil acusam cada vez mais as empresas de fingirem concordar com a idéia da boa cidadania corporativa. Segundo esses críticos, as empresas ainda continuam interessadas principalmente nos lucros, não importa o que o principal executivo diga no relatório anual. Quando os interesses comerciais e o bem-estar social colidem, o lucro vem em primeiro lugar. Instituições de caridade como a Christian Aid insistem para que julguem as empresas e seus esforços de RSC pelo que elas fazem e não pelo que elas afirmam. Certamente, julgue as empresas pelas suas ações. E, ao se aplicar essa medida na prática, os entusiastas da RSC têm tudo para ficar desapontados. A "Lista de Doações de 2004", publicada pelo jornal britânico "The Guardian", mostrou que as doações para caridade das 100 companhias que fazem parte do índice de ações FTSE-100 (incluindo doações em espécie, tempo devotado pelos staffs à caridade e custos relacionados) ficaram em média em apenas 0,97% dos lucros antes dos impostos. Mesmo assim, você pode dizer, a RSC sempre disse mais respeito à maneira como as empresas se conduzem na relação com os "stakeholders", os detentores de participação (como os trabalhadores, consumidores, a sociedade na qual uma empresa opera e, conforme sempre se argumenta, as futuras gerações), do que sobre as doações diretas. Vistas desse modo, muitas doações, grandes ou pequenas, não são o principal. Não está claro se esse tipo de RSC conta. Alguns o classificam como o tipo de situação em que todos saem ganhando, e algo a ser comemorado; outros vêem como um engodo, a velha busca pelos lucros disfarçada de altruísmo. Há muitas exceções interessantes, de companhias que se modelaram de maneiras diferentes da norma. Mas para as companhias abertas organizadas de forma mais convencional - o que significa quase todas as grandes - a RSC é pouco mais que um tratamento cosmético.