Título: Acordo em SP ameaça aliança em 2010
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2008, Política, p. A8

O apoio do PMDB à reeleição do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ameaça a aliança preferencial do PT com os pemedebistas nas eleições de 2010, como defende o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O acordo teve como principal fiador o governador José Serra, que assim se credencia à sucessão de Lula num entendimento entre o PSDB, o DEM e pelo menos parte do PMDB, em oposição à associação tucano-petista articulada por Aécio Neves, governador de Minas Gerais.

A ironia do acordo é que o PSDB foi fundado há 20 anos, em junho de 1988, porque seus principais líderes, como Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso, consideravam incompatível a convivência do grupo, no PMDB, com o ex-governador Orestes Quércia, figura chave na aliança formalizada ontem em São Paulo. Pelo menos a ala serrista do PSDB deve apoiar a eleição de Quércia para o Senado, em 2010. Se o ex-governador Geraldo Alckmin retirar sua candidatura a prefeito, o PMDB deve apoiar seu nome na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.

Um dos vice-presidentes da Caixa Econômica Federal em decorrência da aliança nacional entre PT e PMDB, o ex-deputado Moreira Franco registrou a avaliação do grupo. "Nós primeiro fizemos uma aliança legislativa, que resultou numa aliança administrativa", disse, referindo-se à presença de cinco pemedebistas no ministério do governo Lula, além de vários outros em postos do primeiro e do segundo escalão. "A ordem natural, com vistas a 2010, seria a aliança eleitoral agora em 2008. Senão em todo o país, pelo menos nos três colégios eleitorais mais importantes. Um deles já furou".

São Paulo, na realidade, é apenas o exemplo mais vistoso e de maior repercussão nas desavenças entre PT e PMDB em relação às eleições municipais de outubro. Até agora, as duas siglas conseguiram se entender em um colégio eleitoral importante, o do Rio de Janeiro, ainda assim acordo sujeito à confirmação de uma convenção pemedebista de humor instável. Há entendimento em colégios menores, como Goiânia (GO) e Vitória (ES).

Há situações, no entanto, que o PMDB considera que poderiam senão compensar, pelo menos amenizar a falta de um acordo numa cidade como São Paulo. Uma delas é a eleição de Porto Alegre (RS). Os pemedebistas gostariam que o PT retirasse a candidatura da deputada Maria do Rosário e apoiasse à reeleição do prefeito José Fogaça, o que é improvável. Em Salvador (BA) o PT também deve ter candidatura própria contra o pemedebista João Henrique, que é apoiado pelo ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima.

A atual cúpula do PMDB apóia o governo Lula e eventualmente pode até ser atraída para um projeto como o terceiro mandato ou a extensão do tempo de serviço do presidente para cinco anos. Mas o acordo de São Paulo deixa sob ameaça um dos projetos mais caros ao partido: a eleição do próximo presidente da Câmara, em fevereiro de 2009. O PMDB apoiou a eleição do deputado Arlindo Chinaglia, ano passado, em troca de o PT apoiar, no próximo ano, um nome do partido. Esse nome é o do deputado Michel Temer, do PMDB paulista, que é controlado por Orestes Quércia, como restou mais uma vez comprovado na aliança para reeleger Kassab.

No PMDB ninguém duvida que Lula não abrirá mão de eleger o próximo presidente da Câmara nem que o PT quebre o acordo firmado em 2007, a menor suspeita de que os pemedebistas possam indicar para o cargo alguém ligado a José Serra. Na eleição de 2002, não só Michel Temer como boa parte dos pemedebistas atualmente no governo estava na linha de frente da candidatura de Serra a presidente.

Na leitura feita ontem no PT, Serra fez uma "jogada de mestre": segundo essa avaliação, ao articular e dar suporte ao acordo entre Kassab e Quércia, o governador fortaleceu a candidatura do atual prefeito de São Paulo, limitou o alcance das ações de Geraldo Alckmin, retirou oxigênio da candidatura de Marta Suplicy e entrou de vez na disputa pelo PMDB para 2010. Ou de boa parte dele.

Ao contrário do que ocorreu em 2004, desta vez Marta não pode ser acusada pela perda do PMDB, o que, hoje, muitos de seus aliados julgam ter influído decisivamente na sua derrota para Serra, naquela eleição. Seus emissários, os presidentes dos diretórios estadual e municipal do PT, é que deixaram Quércia arredio. O ex-governador queria indicar o candidato a vice de Marta. Os negociadores falaram em Fernando Morais, que abandonou Quércia, do qual era candidato a vice, em uma disputa eleitoral em São Paulo.

Quércia também queria o apoio do PT na disputa ao Senado, em 2010, quando duas vagas estarão em jogo. Uma delas será a do senador Aloizio Mercadante, mas a sigla poderia acolher Quércia na disputa pela vaga do senador Romeu Tuma (PTB). O ex-governador avisou os interlocutores de Marta de que era assediado por Serra, mas não foi levado a sério pelos emissários da ministra do Turismo. Quércia não sentiu confiança para firmar um acordo com o PT. Além disso, ao assinar com o DEM, não deixou de saborear "um troco" a Marta, que em 2004 dispensou o PMDB dizendo que não se tratava de "um partido confiável".

Nas palavras de um integrante da cúpula pemedebista, o acordo de São Paulo foi uma ação de "profissionais", mostrou que Serra tem a máquina e o comando - pelo menos em São Paulo - do PSDB e serve de advertência para quem julga que o jogo de 2010 está definido em favor de Lula.