Título: BC acompanha negociações salariais
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2008, Brasil, p. A6

Empresários de setores importantes da economia real, como siderurgia, mineração e construção civil, manifestaram recentemente em reunião com o Banco Central preocupações com a escassez de mão-de-obra qualificada e a intensificação das pressão dos sindicatos por reajustes. O BC, que antes ouvia apenas economistas do mercado financeiro, passou também a buscar informações entre o empresariado para fazer o seu relatório de inflação. As reuniões já acontecem há alguns trimestres e, no mais recente encontro, em março, o destaque foi a alta temperatura do mercado de trabalho.

A autoridade monetária quer saber até que ponto as pressões são restritas a alguns setores, sem se disseminarem pela economia, e checar se os reajustes negociados são compatíveis com os ganhos de produtividade - ou se estariam sendo bancados com altas de preços, o que provocaria a aceleração da inflação. O diagnóstico geral do BC é que, tradicionalmente, o mercado de trabalho não tem sido uma pressão importante na inflação . Mas isso não impede que, com a economia mais aquecida, passe a ser. Os dados colhidos até agora indicam que a rodada de negociações salariais está sendo mais agressiva que as anteriores.

Chamou a atenção do BC o fato de que sindicatos passaram a reivindicar não apenas a inflação mais os ganhos de produtividade, e sim a inflação mais o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB). Caso prospere, a vinculação dos reajustes salariais ao PIB causaria dois tipos de problema. Um deles é a indexação salarial, que dificultaria o trabalho da política monetária. Quanto maior a indexação, maior a dose de juros usada pelo BC para manter a inflação sob controle. A outra preocupação é que reajustes pelo PIB significam bem mais que a expansão da produtividade, já que o PIB cresce também porque a população aumenta.

A bandeira dos reajustes vinculados ao PIB foi empunhada pelos sindicatos depois que o governo usou esse critério para corrigir o salário mínimo. A idéia, na época, foi criar uma barreira aos altos reajustes negociados no Congresso. Técnicos do Ministério da Fazenda defendem que, no futuro, a regra mude, adotando o PIB per capita em lugar do PIB total, para refletir com mais propriedade a evolução da produtividade da economia.

Dentro do BC, a reivindicação de reajustes vinculados ao PIB é, por enquanto, interpretada como um sinal do aquecimento do mercado de trabalho, e não como um risco concreto de indexação salarial. Nos últimos meses, as áreas técnicas do BC vêm construindo um instrumental analítico para avaliar os reajustes salariais. Um dos indicadores é o custo unitário do trabalho (CUT) na indústria. As conclusões tiradas no fim de 2007 são de que, na indústria, os reajustes salariais são alicerçados em ganhos de produtividade. A LCA Consultores fez cálculos mais atuais, que avançam até fevereiro, que mostram que a tendência se manteve.

O BC considera os dados do CUT positivos, mas faz ressalvas. A principal é que as estatísticas disponíveis permitem calcular apenas o CUT da indústria, segmento sujeito a disciplina maior nos reajustes de preços, em virtude da concorrência de importados. Não há um CUT para os serviços, que respondem por dois terços da economia.

O BC passou a trabalhar também com indicadores mais amplos, como a taxa de desemprego. Recentemente, divulgou seus cálculos preliminares para a taxa natural de desemprego. Na teoria, quando o desemprego cai abaixo de sua taxa natural, a pressão por reajustes salariais se intensifica e são maiores os riscos de aceleração da inflação. Nas contas do BC, a taxa natural de desemprego fica entre 7,4% e 8,5%. Encontram-se números diferentes de acordo com o período escolhido. Se os cálculos do BC estiverem corretos, a taxa de desemprego de fevereiro, calculada em 8,7% pelo IBGE, está muito próxima da taxa natural de desemprego - e há um perigo maior de aceleração inflacionária.

Nos anos 1990, o conceito de taxa natural de desemprego foi colocado em questão nos Estados Unidos. O então presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, deixou a taxa de desemprego cair a 4%, abaixo dos cerca de 6% que se acreditava serem a taxa natural, mas não houve aceleração inflacionária. Na época, a justificativa foi que os ganhos de produtividade com a revolução da tecnologia da informação permitiam à economia trabalhar com um desemprego menor. Economistas heterodoxos afirmam que a experiência americana decretou a morte da taxa natural de desemprego. Economistas ortodoxos sustentam que o conceito continua válido - e afirmam que ganhos inesperados de produtividade podem fazer com que a taxa natural de desemprego fique temporariamente mais baixa.

No Brasil, o BC diz que seu cálculo é preliminar e deve ser visto com cuidado. Haveria problemas com os dados estatísticos disponíveis, que apontam números diferentes dependendo do período analisado. O BC explica que a taxa natural é apenas um referencial. Ou seja, se o desemprego cai abaixo da taxa natural, não haveria uma alta automática de juros para conter a inflação. As decisões sobre juros, diz o BC, são tomadas com base também na avaliação qualitativa do mercado de trabalho.

O BC passa a fazer um monitoramento semelhante ao feito pelo Banco Central Europeu que, nas últimas semanas, mostrou preocupações com as recentes negociações salariais, sobretudo na Alemanha. Um representativo sindicato do setor de serviços, o Ver.di, está reivindicando aumentos de 8%, bem acima da inflação perseguida pelo BCE, abaixo de 2%.

No Brasil, um dos termômetros é o levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre as negociações salariais. O alcance é relativamente limitado, com 715 categorias, mas os números mostram que 96% das negociações feitas em 2007 garantiram pelo menos a reposição do INPC.

Uma ponderação feita no BC é que, em virtude da alta dos preços dos alimentos, a variação do INPC tem sido superior a do IPCA, índice oficial do sistema de meta de inflação. O BC tem expressado preocupação com os efeitos da alta dos preços dos alimentos sobre expectativas. Um dos canais de transmissão são justamente as negociações salariais, que tradicionalmente tomam como base o INPC.