Título: Campanha eleitoral no Paraguai ignora problema do contrabando
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2008, Internacional, p. A13

O delegado Emerson Rodrigues, em patrulha no Lago de Itaipu: "ajudaria um maior comprometimento dos paraguaios" Armado com um fuzil HK e protegido por colete à prova de balas, o delegado da Polícia Federal Emerson Rodrigues observa de dentro de uma lancha de patrulha se alguma embarcação suspeita navega pelo Lago de Itaipu. A incursão é uma das operações diárias que a polícia tem feito tanto no lago quanto no Rio Paraná, em busca de barcos que "prestam serviço" ao contrabando e ao tráfico. Desde que a PF e a Receita Federal apertaram a vigilância na Ponte Internacional da Amizade, entre Ciudad del Este e Foz do Iguaçu, há cerca de um ano e meio, as águas de Itaipu e do rio passaram a ser as rotas mais usadas pelas quadrilhas que irrigam, via Paraguai, o mercado brasileiro com eletrônicos e material de informática, mas também com cigarros, armas e drogas.

Só no ano passado, autoridades brasileiras apreenderam US$ 76 milhões em mercadorias vindas do país vizinho, principalmente pela via fluvial - mais de 100% a mais do que em 2005.

O Paraguai segue sendo uma das principais portas de entrada de produtos contrabandeados no Brasil. Mas, às vésperas das eleições presidenciais no Paraguai, o tema da insegurança das fronteiras está longe de ser prioridade na campanha eleitoral, ofuscado pela polêmica em torno de uma eventual revisão do Tratado de Itaipu e pelas acusações pessoais entre os candidatos. Os três postulantes com chances reais de vitória têm promessas para apagar a imagem do Paraguai de país marcado pelo comércio ilegal e pela criminalidade fronteiriça. Mas o assunto não está no centro do debate no país.

Em entrevista ao Valor há um mês, o líder nas pesquisas, o oposicionista Fernando Lugo - que se reúne hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília -, disse, que "o contrabando e a ilegalidade não são um monopólio do Paraguai. Isso também existe no Brasil, no Chile e até na Suíça." E acrescentou, de modo um tanto vago, que trará "segurança jurídica" e "transparência" ao país e tornará a Justiça "mais independente". Sua campanha acusa o Judiciário de facilitar esquemas de contrabando e propõe um novo mecanismo para a indicação dos magistrados. A candidata do governo, Blanca Ovelar, que disputa o segundo lugar nas pesquisas com o general Lino Oviedo, promete "vontade política" e "recursos". De concreto, muito pouco.

A triangulação comercial é um dos pilares da economia do Paraguai. Segundo o economista Fernando Masi, do Centro de Análises e Difusão da Economia Paraguaia, hoje 50% da arrecadação tributária do país vêm da importação de produtos. Dentro do modelo de triangulação, comerciantes do país importam mercadorias da Ásia e dos EUA e as vendem, a maior parte via contrabando (o que confere a vantagem do preço baixo), para comerciantes e atravessadores no Brasil e na Argentina. O Paraguai, obviamente, arrecada pouco com o que saí do país - já que a via dominante é o contrabando. Mas recolhe impostos referentes à importação, ainda que os valores sejam freqüentemente subvalorizados pelos importadores. Os 2% de imposto de importação e 0,5% de IVA representam um reforço indispensável ao caixa paraguaio.

Para Masi, o desafio do próximo presidente é desarmar esse modelo comercial - que gera poucos empregos qualificados no Paraguai e se finca na ilegalidade - e incentivar a agroindústria. O problema é que o país mais pobre do Mercosul não pode hoje abrir mão da arrecadação proveniente deste modelo.

Para as autoridades em Foz do Iguaçu, a preocupação é evitar a entrada ilegal de mercadorias. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o contrabando em escala e a preço baixo, como é o do Paraguai, expõem a indústria brasileira a concorrência desleal, que leva muitas vezes à redução de postos formais de trabalho. E pior: expõe consumidores a produtos, como brinquedos ou isqueiros, inseguros. Do ponto de vista do governo, o prejuízo está no que se deixa de arrecadar. Segundo a Receita em Foz do Iguaçu, os US$ 76 milhões em mercadorias apreendidas em 2007 representam entre 10% a 20% de tudo o que passa pela fronteira.

"Praticamente todos os dias fazemos patrulhas no rio e no lago. Além de incursões à noite e madrugada", diz Emerson Rodrigues, de 32 anos, o delegado-chefe da Delegacia Especial de Polícia Marítima (Depom) em Foz do Iguaçu. O combate às quadrilhas que operam nas águas se transformou numa questão tão central que dois policiais da cidade, um delegado e um agente, foram enviados no mês passado para Nova Orleans, para passar três meses acompanhando como a polícia americana atua nas apreensões no rio Mississippi.

Nas águas brasileiras, as mercadorias mais populares são cigarros, eletrônicos e equipamentos de informática, como processadores, placas-mãe, MP3, filmadoras, CDs e DVDs virgens. "No Paraguai, a legislação diz que mercadorias só podem sair do país para fins comerciais se for por meio de exportação formal", diz o diretor da Receita Gilberto Tragancin.

Na opinião Rodrigues - repetida por outras autoridades brasileiras - o que ajudaria muito o combate à ilegalidade na região seria "uma melhora na repressão do lado deles, um comprometimento maior por parte das autoridades paraguaias". "Chegou-se a contar no rio 70 embarcações ancoradas, esperando a lancha da PF passar", diz o chefe da delegacia da PF em Foz, José Carlos Calazani. Só as autoridades brasileiras vêem esses barcos? Perguntada se existe leniência por parte de autoridade e funcionários do governo paraguaio, a candidata governista Blanca Ovelar responde: "Sim, pode existir, pode existir". Mas, continua ela, "muitas vezes a trava existe dentro do meu país e também no Brasil, porque também há interessados em ambos os lados em que a situação assim como está continue, porque em ambos os lados extraem vantagens e lucros."