Título: Bolívia vai poupar energia, sob risco de escassez este ano
Autor: Uchoa , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2008, Internacional, p. A12

A Bolívia lançou um programa de economia de energia num momento em que especialistas do setor apontam a possibilidade de falta de eletricidade. O presidente Evo Morales apontou a iniciativa privada como responsável pela falta de segurança energética. As autoridades negam haver a ameaça de apagão.

O programa, patrocinado pela Venezuela, com o apoio técnico de Cuba, pretende substituir 5,8 milhões de lâmpadas comuns por outras florescentes produzidas na China. Morales usou a cerimônia em que deu início à chamada "Revolução Energética" atacando as empresas privadas do setor: "A energia não é uma mercadoria, não pode ser um negócio privado. Por isso o Executivo quer convertê-la em serviço para o povo, para garantir a sua qualidade.

O setor elétrico foi privatizado em meados da década de 90, atraindo empresas principalmente dos EUA e da Espanha.

Na geração, as principais empresas são as americanas Dominiun Energy, Energy Iniciatives e Constelation Energy, que ficaram com partes da estatal Ende (Empresa Nacional de Eletricidade). Em 1996, as companhias americanas pagaram US$ 140 milhões por sete usinas termo e hidrelétricas.

A Iberdrola, maior distribuidora privada de eletricidade da Espanha, tem maioria em duas grandes distribuidoras: 57% da Electropaz e 59% da Elfeo (Empresa Luz y Fuerza Eléctrica Oruro). A Electropaz distribui 35% de toda a eletricidade do país; a Elfeo, quase 5%.

A Red Eléctrica Española (REE) controla a empresa de transmissão Transportadora de Electricidad (TDE), com 200 km de linhas e 20 subestações.

O governo nega que haja a necessidade de racionar energia.

"Não há um racionamento previsto. Sabemos que a demanda está perto da oferta, por isso estamos trabalhando para melhorar a oferta do parque gerado boliviano", disse o vice-ministro de Eletricidade do país, Rafael Alarcón, ao jornal "El Tiempo".

Entretanto especialistas apontam para o risco de apagão. Para Javier Porres, presidente da Fundação Energia para a Bolívia, há hoje "um equilíbrio muito delicado" entre a oferta e a demanda de eletricidade. Ele estima que a geração durante o inverno chega a ficar apenas 5% maior do que a demanda. "O seguro seria um superávit de 30%", diz Porres.

O especialista de energia brasileiro Carlos Alberto Pontes, CA Pontes Consultores, afirma que esse patamar de 5% é "gravíssimo": "Qualquer pico na demanda pode provocar um apagão".

Segundo os dados oficiais, a oferta elétrica da Bolívia é de aproximadamente mil megawatts, enquanto a demanda chega a 980 megawatts. Desse total, 40,3% têm origem hidrelétrica e 44,9%, termoelétrica.

A economia boliviana cresceu 4% no ano passado, impulsionada pela exportação de gás, de commodities agrícolas e pela expansão de um ainda frágil setor industrial.

Mas, apesar da ameaça de nacionalização, o presidente Morales reconheceu que não é "sensato mudar as coisas da noite para o dia" e que são necessários "tempo e investimentos" para que o setor volte às mãos do Estado.

"Para o setor, é um alívio que as coisas não sejam feitas de forma atabalhoada, como ocorreu na nacionalização dos hidrocarbonetos", analisa Pontes. "Sendo assim, ainda há a confiança de que novos investimentos sejam feitos."

Anteontem o governo brasileiro anunciou "a decisão política" de desenvolver projetos de co-geração de energia elétrica, com a construção de usinas nas regiões de fronteira com a Argentina e a Bolívia. O anúncio foi feito dias depois de o vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, ter vindo ao Brasil para tentar negociar uma diminuição no envio de gás natural para o país. As autoridades bolivianas se vêem premidas pela falta de gás para o mercado interno, ao mesmo tempo em que têm de cumprir contratos de exportação.